Roteiros para
descobrir a alma do Brasil:
Uma leitura de Luís da Câmara Cascudo.Margarida de Souza Neves
Relatório parcial de pesquisa CNPq - 2000
Luís da
Câmara Cascudo e os “descobrimentos do Brasil”
“Já consultou o
Cascudo? O Cascudo é quem sabe. Me traga aqui o Cascudo. O Cascudo
aparece e decide a parada. Todos o respeitam e vão por ele. Não é
propriamente uma pessoa, ou antes, é uma pessoa em dois grossos volumes,
em forma de dicionário, que convém ter sempre à mão. Para quando surgir
uma dúvida sobre costumes, festas, artes do nosso povo. Ele diz tim-tim
por tim-tim a alma do Brasil em suas heranças mágicas, suas
manifestações rituais, seu comportamento em face do mistério e da
realidade comezinha. Em vez de falar ‘Dicionário Brasileiro’, poupa-se
tempo falando ‘O Cascudo’, seu autor, mas o autor não é só dicionário, é
muito mais. E sua vasta bibliografia de estudos folclóricos e históricos
marcam uma bela vida de trabalho inserido na preocupação de viver o
Brasil”
Carlos Drummond de Andrade
O presente Relatório Parcial de Pesquisa tem por objetivo permitir uma
avaliação do estado atual da pesquisa sobre Luis da Câmara Cascudo
considerado como um dos modernos descobridores do Brasil na medida em que
pertence à plêiade de escritores e intelectuais que, a partir da década de
20, deste século, se apresentam como intérpretes do Brasil por buscarem
mapear a identidade do país e de sua cultura, traçando e retraçando assim
“retratos do Brasil”. No conjunto dos modernos descobridores do Brasil,
Cascudo pode ser considerado como um descobridor excêntrico. Excêntrico
não apenas por sua personalidade plural e tantas vezes desconcertante para o
analista, mas também por ter-se mantido voluntariamente afastado dos grandes
centros urbanos onde concentravam-se instituições e homens de letras, é
descobridor porque, como tantos outros empenha-se na tarefa de reeditar
a gesta fundadora de nossa história desvendando seus mistérios.
A coincidência da atual etapa da pesquisa com as comemorações daquilo que se
convencionou considerar o quinto centenário do Brasil permite aprofundar o
sentido dessa comemoração, vale dizer, analisar, na perspectiva da
construção da memória social, o significado do que é unanimemente
considerado como o acontecimento fundador de nossa história e a
possibilidade de encontrar um valor heurístico para a metáfora de modernos
descobridores do Brasil aplicada aos intelectuais que buscam, por diferentes
caminhos, a identidade do país e de seu povo. Esse é o objetivo do primeiro
movimento do texto, intitulado “memória: trabalho e arte”.
O segundo movimento do texto busca traçar um rápido perfil de Luís da Câmara
Cascudo em seu desejo de “descobrir a alma do Brasil”.
Num terceiro movimento, o texto busca identificar nos caminhos da busca da
tradição, que o autor considera em uma de suas obras de maturidade como a
particular ciência do povo, seu particular roteiro de “descobrimento do
Brasil”, na medida em que o que Cascudo entende ser a tradição, presente no
folclore e nas manifestações de cultura popular das quais foi o incansável
etnógrafo, põe de manifesto a singularidade do Brasil ao mesmo tempo em que
permite situá-lo no que ele entende ser o Universal da cultura, na linhagem
milenar da humanidade.
Os três movimentos do texto pretendem permitir enfrentar um duplo desafio
metodológico: em primeiro lugar o de relacionar o Brasil pensado e vivido
nos grandes centros urbanos com aquele outro Brasil concreto, regional e
periférico, das pequenas capitais de província como a Natal de onde Cascudo
nunca quis sair, e de onde viu e tematizou o país. Em segundo lugar, a
tentativa de operar teoricamente com a complexa relação entre tradição e
projeto, vale dizer entre nossas sempre buscadas raízes e o futuro a
construir, permite encontrar na vida e na produção de Câmara Cascudo uma
curiosa síntese entre as preocupações de projetar o futuro e o desejo de
aprofundar-se em um passado ancestral, encontrando a pedra filosofal que
permite fundir o particular ao universal e o contemporâneo ao primevo pela
sabedoria do povo, aprendiz que foi de quem assinalava ser necessário não
esquecer que “a verdadeira vida do povo só com o povo se pode aprender”[1].
Talvez não haja melhor expressão dessa síntese incessantemente buscada ao
longo dos 87 anos de vida do autor que aquela escrita por um Câmara Cascudo
octogenário no “Prefacial” da edição de Superstição no Brasil,
livro que Paulo Moreira publicou pela Editora Itatiaia e que reúne escritos
seus de 1951 (Anúbis e outros ensaios), de 1958 (Superstições e
costumes) e de 1974 (Religião no povo).
"Sua universalidade é evidente e a ação comprova a contemporaneidade do
milênio. Não foi possível coligir quanto escrevi sobre Superstição. Já não
tenho ânimo de procurar nos esconderijos onde guardei. A leitura expõe a
vastidão e a profundeza do mundo que acreditamos existir e é contemporâneo
com o outro aonde nasceu Adão.”[2]
Cabe ainda assinalar um terceiro denominador comum aos três movimentos do
texto: o estudo de Câmara Cascudo como “descobridor do Brasil” e a
análise de seus roteiros e descobrimentos permitem aprofundar numa das
linhagens passíveis de caracterizar a "cidade das letras"[3]
brasileira: aquela definida pela busca do Brasil pelos caminhos dos vários "sertões",
ali onde tantos pensavam não encontrar mais que o vazio imenso, uma vez que
a própria etimologia de "sertão" remete a uma forma contrata de "desertão".
Cascudo e os que se reconhecem como pertencentes a esta linhagem
intelectual, descobrem, como Guimarães Rosa, que o sertão "está em toda
parte" e criam a possibilidade de uma identificação pela via da
incorporação do que é genuinamente nosso, atribuindo um valor particular às
coisas pequenas, gesto e lenda, costume e crença, folguedo e reza, alimento,
rede ou jangada, para a compreensão do país, de sua cultura e sua história,
de sua gente e suas muitas linguagens. Contrapõem-se assim a uma segunda
linhagem, mais numerosa talvez, que com o mesmo sonho de descoberta e
identificação, permanece firmemente ancorada nas cidades e debruçada sobre o
Atlântico na busca de um Brasil cópia ou simulacro de modelos europeus, "iludidos
por uma civilização de empréstimo, respingando, em faina cega de copistas,
tudo o que de melhor existe nos códigos orgânicos de outras nações" no
dizer de Euclides da Cunha [4] . Para esses, descobrir o Brasil é
sempre uma construção voltada para o futuro, muitas vezes fazendo tabula
rasa do passado.
Por fim, e a modo de uma viagem redonda, a simultaneidade com as
comemorações do quinto centenário do descobrimento do Brasil e o momento em
que questões mais radicais se apresentam ao debate sobre o nacional e o
moderno, são fatores conjunturais que trazem um novo elemento confere
sentido ao o investimento intelectual sobre o tema dos descobrimentos
e dos descobridores na perspectiva de uma história social de nossa
cultura, tomados estes termos em sentido muito mais amplo que aquele que se
desprende unicamente do "fato histórico" de 1500.
Câmara Cascudo é um incansável buscador do Brasil. São muitos seus
descobrimentos pessoais e muitos mais aqueles que sua obra possibilita. As
proporções gigantescas de sua produção, os distintos campos intelectuais em
que atua como folclorista, etnógrafo, historiador, ficcionista, jornalista,
professor, jurista, ensaísta ou memorialista, seu reconhecimento nacional e
internacional combinado com a auto-definição que assume como um “provinciano
incurável”[5]
permitem ampliar a reflexão tornando-a mais complexa, ao mesmo tempo que a
pesquisa se revela como tarefa que implica uma auto-reflexão uma vez que,
como já foi dito, “descobrir esses ‘descobrimentos’, identificar seus
roteiros tateantes e por vezes tortuosos é, de alguma forma, retomar uma
questão que também é nossa: a dos sentidos, para além da realização
individual, do fazer intelectual, do ensinar e do investigar como quem
busca. Mapear ‘descobrimentos’ é sempre encontrar, por contraste ou por
afinidade, o sentido de nós mesmos”[6].
Talvez, junto com o produto substantivo da pesquisa, esse seja um dos
elementos definidores de sua delimitação e de sua relevância no campo da
História Social da Cultura no Brasil.
No período final de desenvolvimento do Projeto, até fevereiro de 2001,
pretendemos realizar ainda as seguintes etapas:
Em primeiro lugar, consolidar num texto substantivo sobre a noção de
modernos descobridores do Brasil, concluindo o que já foi esboçado, no
sentido de assinalar que, tomada na perspectiva do tempo, a constituição do
Brasil e dos brasileiros não se apresenta como um desdobramento, e
conseqüente reforço, dos ideais de uns poucos fundadores, como acontece nos
Estados Unidos. [pilgrims]. A lógica da aventura presente na descoberta de
1500 renova-se a cada passo, porque cada descoberta é um novo começo, que
projeta para o futuro as utopias de um povo/nacionalidade . A aventura dos
descobridores é, assim, a aventura da busca da nossa identidade, que, no
caso de Luis da Câmara Cascudo se expressa - em tempos e espaços os mais
diversos - nos textos de caráter etnográfico, nos estudos de folclore, nos
ensaios sobre a cultura, na ficção, na imprensa como trincheira de debates,
no desejo de formar as futuras gerações, na busca da “alma do povo”,
no ato de coletar, descrever e interpretar fragmentos do que possa ser o
Brasil, nas complexas relações entre os letrados e o Estado, no estudo das
tradições populares, na reflexão e na ação desse intelectual.
Se o "descobrimento do Brasil" é tarefa de todos, os componentes da "cidade
letrada" procuram tradicionalmente reservar para si a função de revelar
os sentidos e as razões das sucessivas descobertas. Aprofundar esse
movimento no caso de Luís da Câmara Cascudo permitirá uma síntese capaz de
transformar a metáfora
sugestiva dos “descobridores” aplicada a esse homem de letras que
constrói, sobretudo pela via do folclore e da etnografia uma identificação -
um “descobrimento“ - do Brasil em noção capaz de produzir uma
aproximação enriquecedora para as perspectivas abertas por uma história
social da cultura no Brasil, e, finalmente, em conceito com o qual seja
possível operar nesse campo teórico.
No caso de Câmara Cascudo, não se trata de uma tarefa trivial, não apenas
pela enormidade de sua produção, que supõe mais de 100 textos publicados em
livro - alguns deles de caráter monumental, como o Dicionário do folclore
brasileiro [7], para além de sua intensa atuação como
cronista nos jornais de Natal, de sua correspondência ativa e passiva, de
sua participação ativa nos debates culturais brasileiros por mais de 60 anos
consecutivos, e por sua ação polifacética, mas, sobretudo, pela complexidade
dos conceitos chave de sua obra, a começar pela própria noção de “folclore”
e de “povo” ou “cultura popular”, territórios, por excelência
de seus roteiros pessoais, e que a pesquisa pretende enfrentar em sua
dificuldade teórica e em sua historicidade concreta.
Luis da Câmara Cascudo, e de seus múltiplos roteiros e “descobrimentos”
do Brasil e do povo brasileiro, que possibilitam novas claves de compreensão
da complexa cartografia cultural do país. De modo análogo àquele dos
portulanos que guiavam as rotas dos navegadores que enfrentaram mares
tenebrosos para unir, no século XV, mundos até então isolados, e que
situavam os territórios descobertos por meio de coordenadas que se cruzavam
de forma aparentemente aleatória, os mapas culturais traçados cuidadosamente
por Cascudo permitem identificar, no cruzamento dos inúmeros temas que
atraíram sua curiosidade, sua inteligência e sua sensibilidade, os contornos
do Brasil e de sua gente.
1. MEMÓRIA: TRABALHO E ARTE[8]
Comemorar, como sabemos, é fazer memória. A intenção, por um viés muito
particular, de inserir esse trabalho nas reflexões acadêmicas que acompanham
as comemorações do quinto centenário do descobrimento do Brasil sublinham o
duplo caráter de trabalho e de arte da memória.
Não é original a referência aos trabalhos da memória.
A tese de livre docência de Ecléa Bosi[9]
já em 1973 associava a memória ao trabalho e sugeria que fazer memória é
trabalho socialmente relevante. A argüição de Marilena Chauí à tese de Ecléa
Bosi, publicada como Apresentação do livro que dela se originou, leva
por título, precisamente, Os trabalhos da memória[10].
Mais recentemente, o Programa de Pós Graduação em História da PUC-SP
intitulou Trabalhos da Memória[11]
o alentado número 17 da Revista Projeto História, que dedica 493
páginas a textos de autores brasileiros e estrangeiros sobre o tema da
memória e de sua relação com a história.
Também não é original a alusão à arte da memória. A expressão tem uma longa
e precisa utilização na história da cultura ocidental, por ser o conceito
chave que define a tradição hermética que, no renascimento, encontra suas
traduções mais eloqüentes em Giulio Camillo, Ramón Llull e Giordano Bruno,
mas que arranca da Grécia clássica através da síntese romana presente no
Ad Herennium, obra escrita entre 86 e 82 AC. por um professor de
retórica cujo nome a história não guardou.
Nesse sentido estrito, a arte da memória tal como cultivada no Ocidente até
o século XVII, consiste, à primeira vista, no desenvolvimento surpreendente
de uma capacidade mnemotécnica altamente adestrada através de um complexo e
preciso método de espacialização da memória, que, pela via da associação do
que deve ser lembrado com imagens e lugares, é capaz de prodígios de
memorização através da construção imaginária de palácios da memória[12]
onde o tesouro do que não deveria ser esquecido era sistematicamente
amealhado e eficientemente conservado. Os estudos mais recentes e
aprofundados sugerem que essa arte por séculos cultivada no Ocidente é muito
mais que uma sofisticada mnemotécnica, sem dúvida significativa em si mesmo
no longo período anterior a divulgação da imprensa, que cria um suporte
externo de fácil acesso e rápida difusão para a memória dos homens; Para
Frances Yates, autora de uma consistente análise sobre o tema, a arte da
memória é uma forma de conhecimento[13].
Para Paolo Rossi, em seu estudo clássico, é a clavis universalis: a
chave do conhecimento universal[14].
A referência à memória como trabalho e como arte é tomada aqui de forma
acomodatícia e quase metafórica. No entanto, essa escolha deve-se, de um
lado, à relevância que assume a reiteração de que a memória é trabalho e
implica ação, construção ativa e reconstrução. De outro, à força sugestiva
presente na afirmação de que a memória é arte e supõe tanto a dinâmica
expressiva da criação livre quanto o conhecimento detalhado e cuidadoso de
um método artesanal [15]. Por
ser arte e trabalho, a memória está longe de identificar-se à mera
acumulação passiva de dados relativos ao passado e que devam ser
armazenados, íntegros e incorruptos pela ação do tempo, em algum lugar de
nossa mente.
Porque é trabalho, a memória entretece uma trama intrincada de coordenadas
que a constituem como um campo de forças, já que nela se entrecruzam passado
e presente; espaços e tempos; registro e invenção; o individual e o social;
anamnese e prospecção; perenidade e volatilidade, sempre em constante
atividade que, longe de opor-se ao esquecimento[16],
faz com que a memória englobe e compreenda o esquecer, pois é, por sua
natureza mesma, trabalho de seleção.[17]
Porque é arte, a memória é criação, e, no caso, criação polifônica que
harmoniza nossa mais pessoal marca individual e o que nos vem de nossa
pertença a diferentes coletivos; criação polissêmica, aberta a distintas
leituras de um mesmo significante que ganha assim significados distintos
para um mesmo leitor em diferentes momentos ou para distintos leitores;
criação polimórfica, sempre em constante reconfiguração, que associa de
distintas formas mito e logos. Personificada na figura mitológica de
Mnemosine, é aquela que gera a inspiração, uma vez que “possuída por nove
noites consecutivas por Zeus, o Deus maior da mitologia grega, da à luz as
nove musas” [18]. Na narrativa mitológica, Clio, a
musa da história, é assim irmã da poesia (Erato), da dança (Terpsicore), da
música (Euterpe) e da tragédia (Melpomene), e todas descendem do consórcio
entre a terra (Gaia) e o céu (Urano), dos quais nasce a memória (Mnemosine)
como também o tempo (Chronus), devorador de seus filhos.
Trabalho e arte,
“[...] a memória não é jamais o resgate integral do passado, mas sempre e
apenas uma escolha e uma construção; [e] essas últimas operações não são
determinadas pela matéria que advém da memória, mas muito mais pelos
sujeitos que se recordam, em vista deste ou daquele objetivo. Se o resgate
do passado pela memória não tem nada de prejudicial , algumas utilizações
desta são muito mais nobres que outras; a memória pode servir à repetição ou
‘a transformação, pode ter uma função conservadora ou emancipadora, o que
não conduz à mesma coisa . Qualquer pessoa tem o direito de se lembrar como
bem entender, é verdade; mas a comunidade valoriza certas utilizações da
memória e reprova outras, e não saberá praticar um culto à memória
indiferenciado.”[19]
Assinalar que as sociedades cultuam a memória e que esses cultos, obra de
trabalho e arte, são indicativos de uma identidade a ser reiterada ou
construída ganha um sentido muito especial nesse ano em que somos convidados
a comemorar o que se convencionou chamar de “os 500 anos do Brasil”.
Essa comemoração oferece a possibilidade ímpar de viver, observar e analisar
os trabalhos e a arte da memória, pelo que seleciona como pelo que procura
apagar; pelo que celebra como pelo que relega ao esquecimento; pelo que
repete a saciedade como pelo que omite; pelo que monumentaliza como pelo que
pretende destruir; pelo que recolhe do passado como pelo que projeta para o
futuro; pelos que protagonizam a festa e nela ocupam o proscênio como pelos
que são convidados a, docilmente, assisti-la aplaudindo nos momentos
apropriados. Porque comemorar é sempre construir uma memória comum, vale
dizer, uma identidade coletiva e um projeto de futuro, para recolher toda a
riqueza sugerida na articulação entre memória, identidade e projeto sugerida
por Gilberto Velho[20]. E porque os trabalhos e as artes
da memória são sempre múltiplos, complexos e surpreendentes.
Os cientistas sociais em geral e os historiadores em particular valorizam de
forma especial a festa como uma prática expressiva das relações sociais e
como portadora uma certa pedagogia cuja eficiência supera a de outros
espaços em que uma dada sociedade administra sua memória.
Na esteira das reflexões feitas por Mona Ouzouf sobre a festa revolucionária
na França[21] e das questões mais teóricas
tratadas por Georges Balandier no que tange às formas de teatralização do
poder[22], a atenção de não poucos historiadores
brasileiros[23] voltou-se para a importância das
festas e comemorações como síntese e como signo capaz de mobilizar multidões
e construir consenso pela força do ritual e do espetáculo.
As comemorações dos “500 anos do Brasil” participam dessas características
mais gerais da festa, mas revestem-se de algumas peculiaridades. A primeira
delas é sua referência óbvia ao acontecimento histórico que localizamos,
unanimemente, como momento inaugural do Brasil e, por isso, comemoramos como
nosso mito fundador.
A visão linear e evolutiva que nossa época tem do tempo e que o ensino, na
maioria das vezes, naturaliza em relação à história faz com que operemos
mais com a noção de sucessão e menos com o conceito de diferença quando
lidamos com essa forma particular de nossa memória coletiva que é a História
do Brasil. Assim, não hesitamos em rebater a origem do que somos hoje sobre
o passado, mais precisamente sobre o fato da esquadra de Cabral, em viagem
para as Índias, ter efetuado e registrado o “achamento” – para utilizar o
termo utilizado por Caminha, que em nenhum momento utiliza a lexia
“descobrimento” – de uma terra no litoral atlântico que passa assim,
oficialmente, a constituir um dos pontos que garantem o poderio português
sobre as rotas marítimas e comerciais nas que, no século XVI, alicerçava seu
império.
O “descobrimento” de uma terra remota, secundária no momento de seu
“achamento” para o império português, torna-se assim princípio e fundamento
de nossa identidade brasileira, como se já então possuísse como pura
potencialidade o que hoje somos.
Através de um processo que inverte a seqüência das explicações teleológicas,
mas mantém sua lógica que define o sentido do que sucedeu antes pelo que vem
a acontecer posteriormente, aquela terra achada e de distintas formas
nominada torna-se o Brasil de hoje, não importa se aquele tempo anterior ao
nosso fosse também diferente do que vivemos e “país”, “Brasil”, “nação” e
“povo” fossem então palavras vazias de conteúdo ou com sentidos totalmente
distintos daqueles que hoje lhes são atribuídos: a terra a que Cabral e os
homens de sua frota chegaram, é no nosso imaginário coletivo, pelos
trabalhos e pela arte da memória consolidada pela história, o Brasil de
hoje.
Na nossa memória, Cabral e seus homens “descobrem” o Brasil, mesmo se
aqueles homens, que na terra “achada “ só enxergavam, num primeiro momento,
um mundo edênico de muitas árvores, águas abundantes, e homens e mulheres
que, como no paraíso bíblico, andavam nus sem se preocuparem em “cobrir suas
vergonhas”[24] e cuja razão de ser, no conjunto do
império português, lhes parecia ser garantir as rotas portuguesas para as
Índias, permitir a aguada de navios, servir de entreposto comercial,
estivessem longe de sabê-lo e sua própria memória de herdeiros da
cristandade medieval os levasse a ver no “achamento” menos sua ação de
homens modernos capazes de dominar a natureza e vencer o mar tenebroso e
mais a ação da providência divina, que manifestava assim seus desígnios de
fazer da coroa portuguesa a mediação para a ação cristianizadora dos gentios
que legitimava o Império.
Outras referências do que a festa dos “500 anos de Brasil” celebra e que
merecem particular atenção podem ser encontradas na reiteração do mito das
três raças constitutivas do povo brasileiro; na constante alusão a um Brasil
destinado desde todo sempre a ser “país do futuro”, que projeta para um
porvir sempre próximo e nunca tangível uma idade de ouro mítica; e na
constante lembrança das inesgotáveis riquezas do país, que a própria
natureza faz gigante.
O Império brasileiro, através de seus letrados, foi exímio na construção de
tradições[25]. O jovem país que
se emancipara politicamente em 1822 e que então se constituía como estado
independente e projetava, em torno da idéia de unidade territorial e da
necessidade de garantir e reproduzir a unidade do Império escravista, uma
dada construção do ordem[26], devia alicerçar-se firmemente na
história. E é a partir de “cidadelas letradas”
[27]
tais como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a Academia
Imperial de Belas Artes que os trabalhos e as artes da memória mostrarão
toda a sua potencialidade durante o século XIX.
Nosso imaginário histórico está, em grande parte, alimentado ainda hoje pela
monumentalização da memória feita, nas artes e nas letras, pelo Estado
Imperial. Não sem razão associamos imediatamente o descobrimento ao quadro
de Victor Meirelles intitulado A primeira missa no Brasil, cuja
pintura foi concluída e exposta pela primeira vez em 1861 e que ilustra o
capítulo referente ao “descobrimento” na grande maioria dos livros didáticos
de História do Brasil, livros esses que não poucas vezes reproduzem e
atualizam o discurso das três raças presente na monografia de Von Martius
que, também no século XIX, venceu o concurso promovido pelo Instituto
Histórico com a finalidade de propor como deveria ser escrita a história do
recém criado país, e, relido por Joaquim Manuel de Macedo, constituiu-se em
um dos pilares das Lições de História do Brasil
[28], livro didático que ensinou a gerações de brasileiros o que
era o país, constituindo-se assim em um dos “lugares de memória”[29]
do Brasil e de sua história.
Muitas outras referências à história como soldadura de uma identidade comum
aos brasileiros podem ser encontradas nas comemorações dos assim chamados
“500 anos de Brasil”, e as rápidas alusões acima brevemente resumidas
visavam apenas exemplificar a complexidade dos trabalhos e da arte da
memória ao entretecer temporalidades e versões na construção da narrativa
histórica.
As festas e comemorações dos “500 anos do Brasil” encerram não poucas
ocasiões de aprendizado.
Uma análise acurada da síntese comemorativa representada pelo desfile das
escolas de samba carioca, que esse ano tiveram obrigatoriamente temas
históricos, permitiria descobrir, no meio do festival de caravelas e da
multidão de índios, negros e fidalgos portugueses que transformou o
sambódromo numa espécie de palco de intermináveis procissões
memorialísticas, que as tensões e disputas no campo da memória estão vivas,
e o episódio da retirada do quadro de Nossa Senhora dos Navegantes e da cruz
do carro alegórico que representava a primeira missa por solicitação da
igreja católica foi apenas uma de suas manifestações. Na passarela do samba,
Clio e Mnemosine mostraram toda a mágica e o mistério de seu intrincado
bailado.
O mesmo poderia ser dito dos discursos e iniciativas oficiais; das
publicações alusivas ao Descobrimento; dos simpósios acadêmicos que se
multiplicam ao longo de todo o ano; dos inumeráveis eventos comemorativos;
dos trabalhos escolares que tomam a celebração como tema; dos voláteis
documentos nos “sites” da Internet; dos programas televisivos; dos registros
na imprensa; dos monumentais relógios de gosto duvidoso plantados sem nenhum
problema nos lugares mais nobres de todas as capitais brasileiras enquanto o
monumento aos 500 anos de resistência indígena construído pelos índios
pataxós em Coroa Vermelha foi destruído por 200 homens polícia militar
baiana a mando de auxiliares do então ministro de estado encarregado da
coordenação da festa de comemoração dos 500 anos do Descobrimento, sob a
alegação de terem considerado o monumento fúnebre; e de tantas outras
iniciativas que permitem um exercício de leitura sobre os trabalhos e as
artes da memória e sobre a pedagogia que encerram.
As festividades oficiais do dia 21 de abril parecem, nesse sentido,
particularmente eloqüentes, ao revelarem a complexidade e os significados
das relações entre história e memória.
Por um lado, a análise do naufrágio da miliardária nau capitânia, simétrico
a outros naufrágios mais lentos e muito mais trágicos para o futuro do país,
entre os quais os da escola pública, o da dignidade da profissão do
magistério e o das Universidade de Pesquisa para as quais os cofres públicos
são mais parcos na liberação de recursos permitiriam descobrir, por sua
dimensão alegórica, a riqueza e as possibilidades de reflexão abertas pela
articulação entre magistério, memória e história proposta nesse primeiro
número da revista.
Por outro, a consideração da exclusão da comemoração oficial em Coroa
Vermelha dos povos indígenas que, ao contrário dos índios cenográficos
trazidos pelos organizadores, não eram portadores de crachás, evidenciaria
uma triste coerência entre a celebração da memória dos descobrimentos e os
séculos de história excludente e hierarquizadora que mascara sob a capa do
discurso das três raças formadoras do Brasil o lugar subordinado de índios e
negros em nossa sociedade marcada por um perverso racismo de posição.
Em paralelo à análise dos não muito bem sucedidos eventos oficiais
comemorativos do “descobrimento”, a reiteração da intangibilidade de uma
ordem nunca qualificada quando os conflitos abertos revelam que as graves
questões sociais relativas ao universo do trabalho, da terra e dos direitos
civis são, novamente, encaradas como casos de polícia permitiria construir a
hipótese de que o discurso edênico da carta de Caminha foi substituído, como
ícone das comemorações dos 500 anos, pela pungente fotografia do índio de
calção de tactel ajoelhado e de braços erguidos na frente das baionetas do
pelotão em uniforme de combate.
Agora, quando já não falta mais nenhum dia para os “500 anos do Brasil” e a
conclusão da obsessiva contagem regressiva que a maior potência das
comunicações de massa no país nos obrigou a fazer não parece ter conduzido
ao momento mágico em que o Brasil, finalmente, despertaria de seu berço
esplêndido, talvez seja a hora de refletir sobre os sentidos possíveis do
mito de origem dos descobrimentos e daqueles que o revisitaram.
Nessa perspectiva, ganha especial significado o estudo dos formulações e da
atuação daqueles que se vêem e são vistos como modernos descobridores do
Brasil, entre os quais, Luís da Câmara Cascudo.
2. Para descobrir “a alma
do Brasil”[30]
As poucas linhas que compõem
o perfil de Luís da Câmara Cascudo feito por Carlos Drummond de Andrade em
1968, por ocasião do cinqüentenário da vida de escritor do autor
norte-riograndense e que serve de epígrafe a esse texto são expressivas.
Nelas alguns traços aparecem sublinhados, e as escolhas do poeta ao definir
aquele que reconhece como folclorista e historiador são eloqüentes tanto
pelo que selecionam quanto pelo que parecem esquecer.
Um duplo movimento preside o retrato de Câmara Cascudo traçado por Drummond.
Por um lado, a tensão entre o valor metonímico atribuído a sua obra maior, o
monumental Dicionário do Folclore Brasileiro, e o reconhecimento de
que Cascudo fizera “muito mais”. Por outro, a recorrente associação entre o
autor e o Brasil, já que Cascudo é apresentado como aquele que conhece e dá
a conhecer “a alma do Brasil” e cujo trabalho intelectual é presidido pela
“preocupação de viver o Brasil”.
Não é trivial a tarefa de apresentar uma síntese da obra de Cascudo.
Personalidade vulcânica e galvanizadora, o filho do coronel nordestino que
assumiu como sobrenome familiar a identidade conservadora de seus ancestrais[31],
foi simultaneamente o pesquisador respeitado internacionalmente[32] e o freqüentador assíduo da zona da Ribeira[33]; o tradutor dos poemas de Walt
Whitman e o entusiasta dos versos de cordel do sertão brasileiro[34];
o marido apaixonado que, já idoso, gostava de contemplar a lua de mãos dadas
com a mulher, e o boêmio bebedor e farrista renomado; o católico a quem a
Santa Sé outorgou a comenda da ordem se São Gregório Magno e o especialista
em magia branca, superstições e amuletos[35],
presença obrigatória em todos os terreiros de Natal; o coordenador do
movimento integralista no Rio Grande do Norte nos anos 30 e o escritor que
na década de 60 era respeitado e admirado por intelectuais de esquerda tais
como Celso Furtado, Jorge Amado e Moacyr de Góes; o conhecedor erudito da
literatura clássica greco-romana e renascentista e o embevecido interlocutor
dos pescadores Chico Preto ou Pedro Perna Santa e de Bibi , a velha ama da
casa de seus pais a quem considerava uma “Sherazade humilde e analfabeta”
[36]; o grande nome da etnografia e
dos estudos de folclore no Brasil e o escritor pouco lido pelas gerações
mais jovens de cientistas sociais brasileiros.
No labirinto que se apresenta sempre aos que se aventuram pela vida e pela
obra de Câmara Cascudo, o breve retrato traçado por Drummond sugere, pela
mágica da palavra do poeta, um fio de Ariadne que permite seguir com alguma
segurança dois caminhos que atravessam o polifacético conjunto dos escritos
de Luís da Câmara Cascudo: o caráter enciclopédico da obra e o perfil de
descobridor do Brasil de seu autor.
2.1. Uma enciclopédia brasileira
“O Cascudo”, assim substantivado, é, para Drummond como para muitos
brasileiros, o Dicionário do Folclore Brasileiro, publicado em 1954
pelo Ministério da Educação e Cultura através do Instituto Nacional do
Livro. Por isso o poeta identifica o autor a um de seus livros, e afirma que
Cascudo “não é propriamente uma pessoa, ou antes, é uma pessoa em dois
grossos volumes, em forma de dicionário, que convém ter sempre à mão” .
No prólogo da primeira edição, ao fazer a genealogia do Dicionário,
Câmara Cascudo fornece uma chave importante para sua leitura: trata-se de
uma das muitas tentativas de reviver o sonho dos enciclopedistas de todos os
tempos, o de decompor e resumir o mundo, já que o Dicionário é a
resposta de Cascudo a Augusto Meyer, então presidente do Instituto Nacional
do Livro, que convocara uma série de intelectuais brasileiros para
finalmente levar a cabo a iniciativa frustrada de Mário de Andrade, que em
1939 elaborou o anteprojeto de uma Enciclopédia Brasileira[37]. Também desta feita a Enciclopédia
será apenas um projeto, mas seu único fragmento efetivamente realizado, o
Dicionário de Cascudo, parece cumprir um desejo de Mario de Andrade para
a grande Enciclopédia, o de levar uma síntese do Brasil “ao homem
culto” como “aos lares operários”[38].
Obra única em seu gênero até hoje, o Dicionário do Folclore Brasileiro
é livro básico de referência para pesquisadores eruditos como para os
festeiros, os cantadores, e os carnavalescos que preparam os enredos das
Escolas de Samba[39].
O Dicionário representa uma síntese do trabalho de Cascudo, e foi
atualizado até o fim de sua vida em suas várias reedições[40].
Nele o autor expressa seu credo intelectual ao afirmar:
“ Ao contrário da lição de mestres, creio na existência dual da cultura
entre todos os povos. Em qualquer deles há uma cultura sagrada, oficial,
reservada para a iniciação, e a cultura popular, aberta apenas à transmissão
oral, feita de estórias de caça e pesca, de episódios guerreiros e cômicos,
a gesta dos heróis mais acessível à retentiva infantil e adolescente. Entre
os indígenas brasileiros haverá sempre, ao lado dos segredos dos entes
superiores, doadores das técnicas do cultivo da terra e das sementes
preciosas o vasto repositório anedótico, fácil e comum. O segredo de
Jurupari é inviolável e castigado com a morte o revelador, mas há estórias
de Jurupari sem a unção sagrada e sem os rigores do sigilo, sabidas por
quase todos os homens das tribos. São exemplos positivos das duas culturas.
A segunda é realmente folclórica.”[41]
O Dicionário é também obra de colecionador cuidadoso e obstinado que,
desde a publicação de Vaqueiros e cantadores[42]
em 1939, começara “lentamente a por em ordem um temário do folclore
brasileiro”[43]. É seu
trabalho que conforma a grande maioria dos verbetes, com a colaboração de
alguns de seus inúmeros correspondentes por todo o país, entre os quais os
músicos Villa Lobos e Guerra Peixe, os folcloristas Edison Carneiro e Renato
Almeida, e os professores Manuel Diegues Junior e Gonçalves Fernandes.
Ainda no Prólogo, Cascudo resume seu método de trabalho no
cumprimento rigoroso do que entendia ser o protocolo de seu ofício: “As
três fases do estudo folclórico – colheita, confronto e pesquisa de origem -
.”[44]
No entanto, se a importância e a divulgação do Dicionário parecem
justificar o deslizamento discursivo que permite a Drummond registrar que “o
Cascudo”, capaz de dirimir todas as dúvidas sobre cultura popular
brasileira, é o Dicionário
, o poeta não deixa de constatar que o Cascudo-autor “é muito mais”.
Polígrafo, Câmara Cascudo é o autor de mais de 150 livros sobre os mais
diversos temas relativos à cultura brasileira. Como etnógrafo e folclorista
recolhe, analisa e publica incessantemente lendas[45],
ditos[46], contos[47],
realiza estudos monográficos entre os quais destacam-se seus livros sobre a
rede de dormir[48] e sobre a
jangada[49], e escreve textos de cunho mais
teórico[50]. Como historiador tanto escreve
trabalhos que se inscrevem na tradição de uma história positivista[51]
quanto outros muitos que caracterizam aquilo que ele mesmo chamou de “micro-história”[52]. Cronista que por mais de 50 anos
publica suas Actas Diurnas no jornal A República de sua cidade
Natal, escreve igualmente em jornais do Rio de Janeiro, de São Paulo e de
outras cidades brasileiras. Memorialista, registra suas lembranças em quatro
livros de memórias[53];
pesquisador incansável, comunica os resultados de suas investigações em
periódicos científicos no Brasil e no exterior; literato faz poesia e
escreve um romance de costumes a que atribui particular importância, pois,
para o autor, “nenhum outro
[livro] possui como este a totalidade emocional.”[54]; correspondente compulsivo, troca cartas com
intelectuais das mais variadas latitudes geográficas e acadêmicas.
Tem razão Drummond ao declarar que o autor potiguar “é muito mais”
que sua obra mais conhecida e divulgada, o Dicionário do folclore
brasileiro. A cada vez que alguém faz uma incursão pela Babilônia,
como Cascudo chamava de forma bem-humorada sua caótica biblioteca atualmente
ameaçada pela incúria dos que deveriam preservar a memória da cultura no
Brasil, novos manuscritos são encontrados[55].
2.2 Descobrimentos:
Drummond não é o único a associar tão diretamente o nome de Cascudo à busca
da “alma brasileira”. Dele já foi dito ser “um homem chamado
Brasil”[56] e é recorrente a associação de seu
nome à plêiade de modernos descobridores do Brasil, intelectuais que, por
distintos roteiros, empenharam suas vidas na tarefa sempre nova e sempre a
mesma de desvendar os segredos da terra brasileira e de sua gente.
Câmara Cascudo buscou conhecer e dar a conhecer o Brasil como tantos outros,
entre os quais não poucos de seus principais correspondentes tais como Mario
de Andrade, com quem manteve importantíssima troca epistolar de 1924 até a
morte do autor de Macunaíma; Monteiro Lobato, a quem Cascudo escreveu
mais de 400 cartas; Edison Carneiro, com quem trocou rica correspondência
sobre o movimento folclórico no Brasil; Gilberto Freyre, também seu
correspondente, já que entre os dois sempre reinou a mútua deferência que
caracteriza as relações entre os patriarcas nordestinos; Villa Lobos;
Guimarães Rosa; Josué de Castro e muitos mais. Menos óbvios são a
originalidade dos roteiros de seu descobrimento e seu perfil peculiar de
descobridor.
Distintivo, no caso de Cascudo, é o fato de tratar-se de um descobridor que
elaborou sua vasta cartografia simbólica do Brasil sem levantar âncora de
seu porto de origem.
Descobridor excêntrico, no sentido da recusa contumaz em ouvir o canto da
sereia dos grandes centros urbanos do sudeste, onde a vida intelectual, as
universidades mais significativas do país, a condução do movimento
folclórico no plano nacional, as alentadas bibliotecas e a oferta de cargos
públicos mais de uma vez o convocaram, ao longo de seus 87 anos de vida
sempre se negou a trocar a cidade nordestina de Natal onde nascera por
outras capitais e assumiu como título de glória a identidade de “provinciano
incurável” que lhe fora atribuída por Afrânio Peixoto. Suas viagens são
sempre função de seu trabalho, e são inúmeras, tanto pelo Brasil quanto ao
exterior. Mas seu porto seguro era sempre Natal, e seu posto de atalaia o
sobrado da Ladeira que então se chamava Junqueira Aires e que hoje leva seu
nome.
Essa marca de distinção no entanto não era exclusividade sua. Também
Gilberto Freyre, o senhor de Apipucos, escolhe voltar a sua Recife natal
depois dos anos de estudo no exterior. Como Freyre, Cascudo foi um buscador
do Brasil enraizado no nordeste e escritor plural e múltiplo, mas as rotas
de sua navegação são diversas daquelas empreendidas pelo sociólogo
pernambucano.
A peculiaridade do descobrimento do Brasil empreendido por Câmara Cascudo
reside, em primeiro lugar, no método por ele adotado. A chave desse método
parece estar na noção de convivência.
Cascudo funda sua autoridade etnográfica na convivência com o povo e as
tradições populares, por ter sido menino sertanejo e por não ter nunca
abandonado a vida provinciana. Por isso se considerava um conhecedor, no
sentido quase bíblico, da fala, dos gestos, dos mistérios e dos mitos do
povo, e já na maturidade, possuidor de uma erudição reconhecida por todos,
se jacta no prólogo de Tradição, ciência do povo
do procedimento utilizado para as pesquisas ali reunidas, numa frase síntese
quase emblemática: “(...) não bibliotecas, mas convivência”[57], que sugere a valorização da
experiência viva compartilhada (con vivere) como forma de construção
do conhecimento.
No entanto, se é pelo que chama de “convivência” que Cascudo
particulariza sua metodologia de pesquisa, é, por um lado, na relação entre
esse procedimento fundamental e a coleta do material empírico de seu
trabalho mais relevante - os estudos de folclore - e, por outro, com sua
tradução em sínteses interpretativas, que Cascudo oferece a possibilidade de
identificar o percurso seguido para seu particular descobrimento do
Brasil.
Possivelmente é em Canto do Muro onde com maior clareza é possível
encontrar, reduzida à sua expressão mais simples, tanto a descrição de seu
procedimento de coleta do material folclórico quanto o entendimento de sua
função de folclorista, mediador e intérprete daquilo que, visto e conhecido
por todos, só a muito poucos se revela em plenitude.
Nesse livro, ao descrever suas observações do mundo animal, ao que atribui
inteligência e inventiva, Cascudo afirma ter cuidadosamente anotado tudo o
que vira dos bichos que circulavam por seu quintal:
“(...) personagens fixados na liberdade de todas as horas do dia e da
noite (...) por mim foram vistos sem que soubessem que estavam sendo objeto
de futura exploração letrada.” [58]
A afirmação, feita no contexto de um escrito de clara conotação alegórica,
permite uma apropriação acomodatícia indicativa não apenas daquilo que para
ele significava a “convivência” como método, mas também da modalidade
de sua observação como etnógrafo.
Para Câmara Cascudo, o folclore é tradição e a tradição é a “ciência do
povo”. Numa das definições de folclore que formula, sintetiza a
importância de seu estudo:
“Todos os países do Mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes
profissionais, possuem um patrimônio de tradições que se transmite oralmente
e é defendido e conservado pelo costume. Esse patrimônio é milenar e
contemporâneo. Cresce com os conhecimentos diários desde que se integrem nos
hábitos grupais, domésticos ou nacionais. Esse patrimônio é o FOLCLORE.
Folk, povo, nação, família, parentalha. Lore, instrução, conhecimento na
acepção da consciência individual do saber. Saber que sabe.
Contemporaneidade, atualização imediadista do conhecimento.”[59]
Em escritos posteriores, aprofunda o mesmo tema e aponta elementos que
permitem identificar porque é no folclore que reside o segredo da “alma
brasileira”. Em 1973 afirmará
“A Memória é a Imaginação do Povo, mantida comunicável pela Tradição,
movimentando as Culturas, convergidas para o Uso, através do Tempo.”
(...) “ O Povo guarda e defende sua Ciência Tradicional, secular
patrimônio onde há elementos de todas as idades e paragens do Mundo”.[60]
E em 1986:
“Nenhuma ciência como o Folclore possui maior espaço de pesquisa e de
aproximação humana. Ciência da psicologia coletiva, cultura do geral no
Homem, da tradição e do milênio na Atualidade, do heróico no quotidiano, é
uma verdadeira História Normal do Povo.”
[61]
É portanto no folclore que ganha sentido o que é brasileiro, uma vez que é
nele que se evidencia a relação entre cada uma das manifestações da cultura
popular e “a cultura geral do homem”, entre o particular e o
universal e entre o que é datado e o atemporal. E curiosamente, só revelará
a “alma brasileira” aquilo que revele vestígios “de todas as idades e
paragens do mundo”.
O que qualifica de o “homem normal”, o homem comum, é para ele o
portador da originalidade brasileira, e naquilo que de mais usual acompanha
a vida do povo e seu imaginário deixa perceber está tanto o que o faz
diferente de todos os demais quanto, paradoxalmente, o que funde no
universal os mitos, tradições, gestos, narrativas e crenças do povo
brasileiro.
Por essa razão, compara o povo ao celacanto[62],
ser pré-histórico que sobrevive inalterado até a atualidade, e, citando
Cláudio Bastos, afirma categórico:
“O povo é um clássico que sobrevive.”
[63]
O folclorista-descobridor parece ter para Cascudo uma missão: a de olhar e
ver o mundo da cultura do povo de forma análoga àquela que caracterizara
outros descobridores, os naturalistas do século XIX, em sua aproximação ao
mundo da natureza, uma vez que
“O olhar do viajante-naturalista tem por base o princípio de inserção dos
seres particulares numa ordem universal”[64]
Cascudo procura cumprir com pertinácia tanto nos infindáveis estudos na
biblioteca, que considerava como seu laboratório, quanto em suas pesquisas
de campo e em tudo o que escreveu, pelo território da cultura do povo, esse
mesmo percurso: para conhecer e dar a conhecer a “alma brasileira” é
preciso buscar o que a identifica, não por caminhos da definição de uma
identidade brasileira substantiva, mas sim porque, para ele, é possível
encontrar o segredo das “origens””, num duplo movimento de inserção.
Em primeiro lugar, o descobrimento se dá pela identificação das “origens“
comuns entre a cultura letrada e a cultura popular, e pela inserção de ambas
num mesmo universo cultural, no caso, aquele da cultura brasileira. É ao
empreender a viagem pela literatura oral brasileira que Cascudo pode
afirmar, com a certeza do cientista ao encontrar a evidência empírica do que
busca:
“ Ao lado da literatura, do pensamento intelectual letrado, correm as
águas paralelas, solitárias e poderosas da memória e da imaginação popular”[65]
“Verifiquei a unidade radicular dessas duas florestas separadas e
orgulhosas de sua independência exterior.”[66]
Em segundo lugar, o que Cascudo pretende mapear é outra inserção, aquela que
permite encontrar o Brasil como um continente situado no vasto oceano da
cultura universal através da cuidadosa classificação de gestos, mitos,
lendas e ditos do povo e da identificação das “origens comuns”,
entendidas como misteriosa permanência, entre esses e tantos outros traços
culturais semelhantes, pertencentes a tempos remotos e latitudes distantes.
A reiterada busca o conduz a viajar fisicamente à África à procura das águas
que partem desse continente e desembocam no vasto estuário da cultura
brasileira, assim como o leva a outras viagens, simbólicas desta feita, pela
literatura clássica e pelas tradições de todas as paragens, para nelas achar
a fonte comum do particular amálgama que, para ele, é o Brasil..
Quando encontra o que procura, não se furta a anunciá-lo aos quatro ventos,
com o orgulho dos descobridores de qualquer tempo. É assim ao surpreender
nas palavras de uma parteira do sertão do Rio Grande do Norte, em 1920. a
tradição imemorial registrada nas
Metamorfoses de Ovídio, que reza que em quarto de uma mulher em
trabalho de parto ninguém deve cruzar as pernas, sob pena da criança não
conseguir nascer:
“A `comadre` sertaneja de Santa Cruz ajudava Ilitia, como todas as mães
gregas e romanas, milênios antes de Cristo. .... – Meninos eu vi!... Vira um
rito sagrado em plena função defensiva, da Tebas grega ao sertão do Rio
Grande do Norte. Indiscutível. Típico. Real.”[67]
Para Luís da Câmara Cascudo, a “alma brasileira” a ser descoberta era
o amálgama de tradições múltiplas e milenares e que, traduzido pela
particular química que é o resultado da “feliz convergência das três
raças” [68] conformadoras do povo brasileiro
pela “participação” indígena, pela “sobrevivência” negra e
pela “permanência” portuguesa [69],
fundia-o, sem confundi-lo, na
“raça humana”[70].
3. TRADIÇÃO, CIÊNCIA DO
POVO [71]
São muitos os percursos empreendidos por Câmara Cascudo em sua bsca da “alma
do Brasil”. No entanto a rota de seu particular descobrimento é sempre a da
tradição. E é a análise de seu livro Tradição, ciência do povo que
melhor permite mapear seus roteiros.
Quando publicou o livro Tradição, ciência do povo [72], Luis da Câmara Cascudo havia completado 72
anos. Já era então o etnógrafo respeitado e reconhecido internacionalmente,
o grande folclorista brasileiro, glória intelectual norte-riograndense. Em
Natal, era já o monumento-vivo que do casarão em que vivia da Ladeira que
hoje leva seu nome, como um viajante peculiar, dedicava-se incessantemente a
redescobrir o Brasil pelos roteiros da etnografia e do folclore.
Tradição, ciência do
povo
é um livro de maturidade, e não apenas pela idade e renome de seu autor ao
publicá-lo, em 1971. É obra de escritor experiente sobretudo porque o livro
reúne e sintetiza algumas das facetas mais significativas de seu autor,
tanto pelos temas que aborda quanto pelo método de trabalho que nele
explicita e põe em prática; tanto pela erudição impressionante que
evidencia, quanto pelos conceitos com que opera; tanto pelo estilo todo seu
da escrita quanto pelo caráter enciclopédico da maioria dos artigos reunidos
no livro.
Livro composto a modo de uma sinfonia, os oito ensaios que o conformam são,
como nas composições sinfônicas, precedidos por uma abertura, breve
mas significativa. Nela o tema principal, retomado com variações em cada um
de seus oito movimentos, aparece com clareza, e é assim explicitado pelo
autor:
“A Memória é a Imaginação do Povo, mantida comunicável pela Tradição,
movimentando as Culturas, convergidas para o Uso, através do Tempo. Essas
Culturas constituem quase a Civilização nos grupos humanos. Mas existe um
patrimônio de observações que se tornam Normas. Normas fixadas no Costume,
interpretando a Mentalidade popular. (...) Não lhe sentimos a poderosa e
onímoda influência como não percebemos a pressão atmosférica em função
normal. Nem provocam atenção porque vivem no habitualismo quotidiano” P. 9.
É também nas duas páginas da “Introdução” que Cascudo define o método
de trabalho presente em cada um dos capítulos e em tantos de seus outros
trabalhos. Seu método parte da centralidade da noção de convivência,
entendida como a síntese daquilo que no prólogo de sua obra maior, o
monumental Dicionário do Folclore Brasileiro publicado em
1954, explicita como o protocolo de seu ofício, pelo cumprimento do que
entende serem as três fases do trabalho folclórico e etnográfico,
“colheita, confronto e pesquisa de origem” , ou seja, a escuta atenta
dos informantes, o registro rigoroso das diferentes versões e a busca das
origens entendidas como linhagem e constância cultural.
Para Cascudo, é a experiência vivida no sertão que legitima e sustenta seu
trabalho. O sertão nordestino, “cenário de infância e juventude”
(p.30) é considerado o lugar de seu verdadeiro aprendizado, uma vez que
“a dura escola do Sertão ensina aos seus filhos num curso universitário
vitalício.” (p. 53). Por atribuir tal importância ao aprendizado
pela experiência sertaneja e à coleta das vozes populares, Cascudo pode
afirmar que no livro “falará o brasileiro dos sertões, cidades-velhas, e
praias, sem constrangimento e disfarce” (p.10), pressupondo uma
impossível neutralidade na autoria. Esse pressuposto traz um corolário: para
ele, não haverá incoerência entre a erudição evidenciada pelas
numerosíssimas referências a leituras de clássicos da etnografia e
folcloristas contemporâneos nacionais ou estrangeiros; fontes literárias das
mais diversas escolas e latitudes,; historiadores e cientistas sociais;
médicos e cientistas; cronistas, viajantes e memorialistas e a declaração de
que o livro é escrito de forma a privilegiar “não bibliotecas, mas
convivência” (p.10).
Método e tese central reaparecerão, com variações determinadas pelos temas
tratados, em cada um dos movimentos desse livro sinfônico.
O primeiro ensaio, “Notícias das chuvas e ventos do Brasil” (pp. 11 a
27), recolhe ditos, tradições, superstições, provérbios e costumes
brasileiros sobre chuvas e ventos. O segundo, “Meteorologia tradicional
do sertão” (Pp. 28 a 54), analisa as tradições sertanejas sobre nuvens,
tempestades, nevoeriros, arco-iris, remoinhos, fogos-fátuos, estrelas
cadentes e previsão de chuvas, deixando transparecer a importância desses
fenômenos para aquela terra em que a seca faz da água o bem mais preciado. A
primeira frase deste ensaio merece atenção particular: “ O Povo guarda e
defende sua Ciência Tradicional, secular patrimônio onde há elementos de
todas as idades e paragens do Mundo” (P. 29). Nela Cascudo
oferece ao leitor uma pista preciosa para entender uma das claves de seu
pensamento sobre a cultura popular no que, para ele, representa a superação
das limitações de tempo e espaço. O terceiro capítulo, “Botânica
supersticiosa no Brasil” (pp 55 a 83) registra o significado e a
simbologia atribuídos pelo povo às plantas.
O quarto texto, intitulado “Respingando a ceifa” (pp. 85 a 92),
parece simplesmente acrescentar um adendo em que o autor complementa alguns
aspectos referentes aos temas tratados nos três ensaios anteriores.
Representa algo próximo a um “intermezzo”
, na linguagem musical utilizada como metáfora expressiva do livro.
Em “O morto brasileiro” (pp. 93 a 105), quinto ensaio a compor o
livro, Cascudo recolhe expressões, práticas e costumes sobre a morte e os
mortos no Brasil. Também nesse estudo o autor volta a afirmar o argumento da
cultura como locus de sedimentação, no presente, de tempos imemoriais ao
afirmar que “Nós, mentalmente, continuamos. Somos uma seqüência, embora
haja quem se julgue inicial. Nada do que existe, culturalmente, é
contemporâneo. Flores de raízes milenárias” (p. 103).
O sexto capítulo, “Folclore do Mar Solitário” (pp. 107 a 115),
procura justificar a hipótese de que essa é uma das “zonas brancas”
(p. 107) do mapa do conhecimento etnográfico brasileiro, dado o pequeno
número de análises sobre as tradições do mar e a cultura dos homens que dele
vivem. O sétimo ensaio, “Os quatro elementos” (pp 117 a 144) , estuda
as tradições populares relativas à terra, à água, ao ar e ao fogo,
sustentando que, para o povo, “todo o elemento que possuir forma
definida, limites no espaço, ação percebível [sic], características
de permanência foi feito por Deus, tendo vontade, consciência e autonomia”
(p. 117).
Por fim, o oitavo ensaio, já publicado com o título de Voz de Nessus
em 1966 pela Universidade Federal da Paraíba, e intitulado “Para o estudo
da superstição” (pp. 145 a 195), difere dos demais por sua natureza e
funciona como o movimento final do livro-sinfonia, capaz de revelar ao
leitor a força dos motivos que sustentam cada fragmento da composição. É o
mais alentado e revelador dos estudos contidos no livro, e nele Cascudo
procura definir as condições de contorno para o estudo da superstição no
quadro maior do folclore, trazendo elementos teóricos, metodológicos e
material empírico sobre superstições no Brasil.
Nesse oitavo estudo, em primeiro lugar, é possível encontrar pistas sobre a
história do livro no conjunto de sua obra, porque data com exatidão o
momento em que o interesse pela cultura popular se condensa. Como quem faz
memória de sua trajetória intelectual, confidencia que “em 1918
apaixonei-me pela cultura popular, vivendo-a, procurando-a e amando-a”
(p. 149). Pouco depois da confidência reveladora, situa em outra obra sua a
origem do estudo publicado em 1966, que se desdobrará no livro de 1971:
“para os ‘antecedentes’, entre 1921 e 1929, há registo [sic] nos
Vaqueiros e Cantadores (Porto Alegre, 1939). Alí vereis, divertido
[sic], as antiguidades teimosas da minha simpatia supersticiosa, na
inicial trôpega.” (p. 149).
E, completando a arqueologia dessa sua obra, dá razão da escolha temática
que a particulariza:
“O Povo, como as crianças e os `videntes` , têm a coexistência com o
Impossível, para nós. O incrível é uma fronteira na ignorância assimiladora.
A imaginação popular é memória viva das Ciências aposentadas pela
Notoriedade”. (p. 118)
Em segundo lugar, é nesse ensaio que o autor situa-se no debate, candente
desde a década de 50, que envolve a construção do folclore como campo
intelectual no Brasil. Propõe um curso de Cultura Popular no último ano do
colegial, capaz de, “pelo apelo ao raciocínio” , “dar combate ao
dragão do tesouro imemorial”
(p183) da superstição, ambígua personificação de nossos medos ancestrais que
é simultaneamente “tesouro” - porque veículo de tradições imemoriais
– e “dragão” – porque, sem as luzes da razão, é apenas crendice
estéril -. E relativiza a oposição entre cultura letrada e cultura popular,
“(...) obstinadas paralelas inflexíveis, Pólux Universitário, Castor
folclórico, imortais Dióscorus com lumes na testa: estrêla de livro, estrêla
da conversa do povo, ad imortalitatem.” ( p. 182).
É ainda nesse último ensaio que, com maior precisão. define superstição como
“sobrevivência de cultos desaparecidos” (p. 150), “uma técnica de
caráter defensivo, no plano mágico” (p. 152) e estabelece a relação
entre as práticas supersticiosas, a tradição e a cultura:
“a superstição é um fundamento da Cultura Popular, conservadora,
defensiva da morfologia, concentrativa, impermeabilizante. Movimenta-se no
plano da atualização mobilizadora. De superstitio passa a ser traditionis,
entregar, tradere, transmitir. Não teria existência se não possuísse
movimentação. “ (p. 176).
Como acorde final do livro-sinfonia, Cascudo retoma uma de suas teses mais
caras, a da interpretação do Brasil e dos brasileiros como uma química que
hierarquiza e qualifica a influência das três raças conformadoras do que
somos.
“nós brasileiros, somos representantes, biologicamente resignados, de
povos de alto patrimônio supersticioso. (...) O nosso alicerce consta de
amerabas, portuguêses e africanos. (...)” (p. 156)
“Todas essas memórias ficaram vivas nas reminiscências brasileiras, nos
giros e volteios da ebulição mental, presenças ativas na química de todos os
pavores coletivos” (p. 157)
“A influência mais penetrante e profunda é a européia, via portugueses.
Fornece o ácido para a prévia dissolução assimiladora e o conduto plástico
para a incessante movimentação.” (...) “Na ordem quantitativa segue-se a
sussurrada pelas vozes escravas, numa interminável conrtaminação do medo
hereditário.” (...)” A menor percentagem é a do indígena, dono da casa que
não tinha mobília para acomodar, suficientemente, um sistema de superstições
circulantes.” (pp. 157 e 158)
“Com essas três fontes, não unitárias e homogêneas, mas vértices de
ângulos com bases de extensão imprevisível, criou-se a superstição
brasileira” (p. 158)
Ao terminar a leitura do livro-sinfonia, se atentarmos para o início de sua
abertura, encontraremos a clave que permite a sintonia de todo o livro e
fornece o diapasão do conjunto da obra folclórica de Câmara Cascudo, a
tradição, entendida como ciência do povo, é caracterizada pela permanência,
por ser quase intangível pela história e por remeter, através de cada
manifestação particular, ao Universal e ao atemporal sempre buscados na
cultura do povo que, para ele, “repercute, inalterável, a sonoridade das
vozes avoengas” (p. 119)
:“Essas observações fixam imagens sem idade, resultados de longos e
obscuros processos de raciocínio, critérios-soluções, herdadas,
inderfomáveis, e reproduzidas íntegras, ante o automóvel e o avião.
Comunicações sobre os fenômenos meteorológicos e a visão do Mundo natural
numa recepção fiel a si mesmo. E gestos, frases, que perderam explicações e
resistem na velocidade anterior, quase sem os atritos do Tempo” . (p.
10)
4. Descobrimentos.
Câmara Cascudo é “descobridor”
paradoxal por excelência. É moderno ao escavar a rocha das tradições,
mesmo ao negar para si esse e outros rótulos classificatórios[73].
E, ao percorrer os caminhos do sertão encontra nos mais simples os complexos
segredos que permitem inaugurar rotas que parecem diluir espaço e tempo,
unindo os mais recônditos espaços brasileiros ao alento cultural de regiões
remotas de todo o globo; o mais particular dos objetos às formas expressivas
da universalidade; a voz mais contemporânea ao eco de cantos ancestrais; o
mais profano dos gestos ao território sagrado dos mitos de origem; o
quotidiano à história; o popular ao mais preciado dos tesouros eruditos; a
oralidade à escrita, o trabalho cotidiano com os fragmentos aparentemente
desconexos com a possibilidade de desvendar, por fim, o que seja a cultura
brasileira.
Sem abandonar nunca sua terra Natal, Cascudo viaja incessantemente, e é dele
a melhor síntese dessa peculiar trajetória, escrita em 1968 na calma dos
seus muitos anos vividos, num momento em que os mares da história do Brasil
eram particularmente tormentosos. São afirmações que lembram, curiosamente,
os relatos dos navegantes de sempre:
“Nunca pensei em deixar minha terra.
Queria saber a história de todas as coisas do campo e da cidade.
Convivências dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do
Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais
abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas.
Indagações. Confidências que hoje não têm preço. Percepção medular da
contemporaneidade. Nossa casa no Tirol hospedou a Família Imperial e Fabião
das Queimadas, cantador que fora escravo. Intimidade com a velha Silvana,
Cebola quente, alforriada na Abolição. Filho único de chefe político,
ninguém acreditava no meu desinteresse eleitoral. Impossível para mim
dividir conterrâneos em cores, gestos de dedo, quando a terra é uma unidade
com sua gente. Foram os motivos de minha vida expostos em todos os livros.
Em outubro de 1968 terei meio século nessa obstinação sentimental. Devoção
aos mesmos santos tradicionais.
Meu povo tem a mesma idade para o interesse e a valorização afetuosa.
(...) Fiquei com essa missão. (...) Tudo tem uma história digna de
ressurreição e de simpatia. Velhas árvores e velhos nomes, imortais na
memória.”[74]
“Cascudinho”, como era chamado por seus amigos mais íntimos, o menino
rico e filho de coronel que conheceu a pobreza na juventude, se faz
reconhecer e é reconhecido como “descobridor”.
Mário de Andrade, com quem trocou correspondência riquíssima entre 1924 e
1943, afirma que Câmara Cascudo foi “quem mais desenvolvidamente estudou
o desafio brasileiro”[75]. E, quando numa “carta triste”[76] Mario critica duramente seus
estudos históricos eivados de “ânimo aristocrático” e insta o amigo a
abandonar a modorra da rede nordestina numa dessas reprimendas que só se
pode fazer aos grandes amigos ao escrever “você precisa um bocado mais
descer dessa rede em que você passa o tempo inteiro lendo até dormir. Não
faça escritos ao vai-e-vem da rede, faça escritos caídos das bocas e dos
hábitos que você foi buscar na cas, no mucambo, no antro na festança, na
plantação, no cais, no boteco do povo”[77], parece fornecer ao amigo o argumento decisivo
para a definição de sua trajetória intelectual. Cascudo não desce da rede,
mas descobre na Rede de dormir, como descobrirá na Religião
no povo, nas Coisas que o povo diz, ou na Jangada
complexos culturais capazes de revelar os caminhos da Civilização e
cultura do Brasil.
Para Gilberto Freyre, Cascudo é “folclorista desdobrado em antropólogo
cultural e historiador social”[78].
E ainda que seja necessário aprofundar os conteúdos específicos, a partir da
análise de suas obras, para os rótulos a ele atribuídos por Freyre, não cabe
dúvida sobre a enorme distância que separa seus primeiros estudos
históricos, tais como A intencionalidade no descobrimento do Brasil,
ou O conde d’Eu - que Mário de Andrade critica tão duramente em 1937
-, eruditos e factuais, e a História da alimentação no Brasil ou a
História dos nossos gestos , ou ainda em sua forma peculiar de cultivar
os relatos orais como forma de acesso à uma história de Gente viva ,
Vaqueiros e Cantadores , homens do Norte e do Sul do país cujas vozes
registrou e interpretou buscando nelas o eco da Alma patrícia.
Renato de Almeida, diplomata e articulador da Comissão de Folclore no
interior do Institudo Brasileiro de Educação Ciência e Cultura, seguindo as
orientações da UNESCO nos anos que se seguem ao pós-guerra
[79], também reconhece em Cascudo um “descobridor”:
“Antes de tudo é preciso salientar que em Câmara Cascudo o cultivo da
sabedoria popular começou por uma posição de amor pela gente do povo, onde
estão as nascentes do folclorista, que não fez o caminho inverso de chegar à
cultura folk por motivações intelectuais. (...) a mensagem de Câmara Cascudo
condensa o valor do folclore como ciência interdisciplinar, como inspiração
da arte, como instrumento de técnica, como elo de continuidade nacional,
como reflexo da unidade do espírito humano.”[80]
Ainda que sua participação na consolidação institucional do folclore no
Brasil, muito oficialista e assentada na capital federal, seja “desfavoravelmete
menor à importância de sua obra”[81],
como revela sua polêmica com Édison Carneiro, em torno a um artigo publicado
em 1962 em que o diretor da Comissão em Defesa do Folclore Brasileiro
ignorava a Sociedade Brasileira de Folclore que Cascudo fundara em Natal
1941[82], não cabe dúvida sobre
a importância de sua obra monumental, em particular de seus livros de
síntese entre os quais se destaca o Dicionário do folclore brasileiro
mas que também compreendem a Superstição no Brasil, os Ensaios de
etnografia brasileira e os Contos tradicionais do Brasil, que
permitem identificar na Tradição, ciência do povo e, nas pesquisas
etnográficas, a Cultura popular do Brasil , construindo assim uma
Geografia dos mitos brasileiros.
É Jorge Amado que resume o perfil de “descobridor” de Câmara Cascudo,
em texto brevíssimo, escrito na comemoração dos sessenta anos de “mestre
Cascudo”, no qual fica também registrado, o embate dos intelectuais
brasileiros com os conflitos do contexto bem como algumas de suas
contradições, entre as quais o apego às pompas acadêmicas e à glorificação
pública:
“Tão jovem aos sessenta anos, Mestre Luis da Câmara Cascudo cada dia
redescobre o Brasil num dito popular, numa lenda, na realidade de um
instante mágico, na mesa do almoço ante um prato de nossa culinária, na face
do homem e na medida de uma existência vivida toda ela em função da cultura,
da cultura brasileira. Eis um mestre de Brasil. Cascudo.
Estivéssemos num tempo menos melancólico e limitado, estivéssemos num
tempo de democracia e cultura, e por toda parte do Brasil seriam levantados
monumentos a esse homem que atravessou e atravessa sua existência (pobre de
bens materiais e rica de alegria criadora) no estudo e na invenção da
pátria, da verdadeira nação brasileira, do homem brasileiro.
Aqui, na minha homenagem de admiração e amizade, quero deixar uma
pergunta: quando terei a alegria e a honra de votar em Luís da Câmara
Cascudo para a Academia Brasileira?”[83]
Bibliografia:
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julho de 2000.
Margarida de
Souza Neves
[1] -
citação de Herbert H. SMITH em Viagens pelo Brasil que serve de
epígrafe ao Dicionário do folclore brasileiro de Câmara Cascudo.
[2] - CÂMARA CASCUDO, Luis da:
“Prefacial” IN: Supertição no Brasil. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/EDUSP, 1985. O “Prefacial” vem datado de 7 de outubro de 1984.
[3] - O conceito de "cidade
letrada", tal como aqui utilizado, remete-se à formulação de Angel RAMA:
A cidade das letras
São Paulo: Brasiliense, 1982.
[4] - Euclides da CUNHA: Os
sertões. IN:
Obra Completa. Vol. II. Rio de Janeiro: Aguilar Editora, 1966. p.231.
[5] - CÂMARA CASCUDO, Luis da: “Um
provinciano incurável” IN: Província . Natal: IHGRN, 1968.nº 2, Pp. 5
- 6.
[6] - NEVES, Margarida de Souza e
MATTOS, Ilmar Rohloff de : Monteiro Lobato, Cecília Meireles e outros
“descobrimentos do Brasil”. Rio de Janeiro: PUC-Rio - Departamento de
História/CNPq, 1996. (Projeto Integrado de Pesquisa, mimeo). P. 3
[7] - CÂMARA CASCUDO, Luís da:
Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do
Livro, 1954.
[8] - Esse item do Relatório, com
algumas modificações, é uma das partes que compõem o artigo “a educação pela
memória”, atualmente no prelo, e que abrirá o nº 1 da Revista Teias,
publicada pela Faculdade de Educação da UERJ.
[9] Ecléa BOSI: Memória e
Sociedade. Lembranças de velhos. Sâo Paulo: T. A Queiroz/EDUSP, 1987.
(2ª edição).
[10] Marilena CHAUÍ: “Os
trabalhos da memória”. IN: Ecléa BOSI: Op. Cit. Pp. XVII a XXXII.
[11] Para a identificação mais
precisa desse número da revista Projeto História, ver nota 5 .
[12] Cfr. Donald SPENCE: o
Palácio da Memória de Mateo Ricci.. São Paulo: Companhia das Letras,
1986.
[13] Frances A . YATES: The
art of memory. Chicago: The University of Chicago Press, 1966.
[14] Paolo ROSSI: Clavis
Universalis. Milâo: Mondatori, 1960.
[15] Cfr, a respeito da relação
orgânica entre trabalho artesanal e criação no trabalho do artista em seu
sentido mais preciso, Mario de ANDRADE: “ O artista e o artesão”. IN: O
baile das quatro artes. São Paulo/Brasília: Livraria Martins/INL, 1975. Pp.9
a 34.
[16] Cfr. Jacques LE GOFF:
“Memória” IN: Memória/História. Lisboa: Imprensa Nacional/Casada
Moeda, 1984. P. 13.
[17] Em obra recentemente
traduzida para o português, Tzvetan TODOROV assinala a inadequação da
utilização da lexia “memória” para o componente dos computadores que
designamos como tal, justamente porque os computadores ignoram a seleção.
Cfr. Tzvetan TODOROV: O homem deseraizado. Rio de Janeiro/São Paulo:
Record, 1999. P. 185.
[18] Margarida de Souza NEVES:
“Os jogos da memória”. IN: Ilmar Rohloff de MATTOS (org): Ler e escrever
para contar. Documentação, Historiografia e formação do historiador. Rio
de Janeiro: Access, 1998. P. 208.
[19] Tzvetan TODOROV: Op. Cit.
P. 124.
[20] - Gilberto VELHO: “Memória,
identidade e projeto.” IN: IDEM: Projeto e metamorfose. Rio de
Janeiro: ZaHar Ed., 1994.
[21] Mona OUZOUF: La Fête
révolutionnaire: 1789 – 1799. Paris: Gallimard, 1976.
[22] Georges BALANDIER: O
poder em cena.
Brasília: U.N.B., 1980.
[23] Apenas a título de exemplo
e para citar alguns estudos recentes, ver o estudo de Marttha Abreu ESTEVES
sobre as festas religiosas no século XIX (O Império do Divino. Rio de
Janeiro/São Paulo: Nova Fronteira/FAPESP, 1999.); a análise de Maria Helena
CAPELATO sobre comemorações e propaganda política no varguismo e no
peronismo (Multidões em cena. Campinas: Papirus, 1998); o estudo de
Heloisa BARBURY sobre a importância da visualidade na celebração do
progresso numa Exposição Internacional ( a Exposição Universal de 1889 em
Paris. São Paulo: Edições Loyola, 1999) e o livro de João José REIS
sobre ritos fúnebres e revolta popular na Bahia do século XIX (A morte é
uma festa.
Sâo Paulo: Companhia das Letras, 1991.).
[24] A expressão é da carta de
Pero Vaz de Caminha.
[25] Não apenas no Brasil o
século XIX foi fértil naquilo que Eric HOBSBAWM e Terence RANGER denominaram
de A invenção das tradições. ( Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984).
[26] Sobre a construção do
Estado Imperial, cfr. Ilmar Rohloff de MATTOS: O tempo saquarema. São
Paulo/Brasília: Huicitec/INL, 1987.
[27] A expressão está retirada
de Angel RAMA: A cidade das letras. São Paulo, Brasiliense, 1985.
[28] Sobre Macedo e sua
atividade como intelectual e escritor de livros de História do Brasil para o
uso das escolas no Império, cfr. Selma Rinaldi de MATTOS: O Brasil em
lições. Rio de Janeiro: FGV/IESAE, 1991. (dissertação de mestrado.
Mimeo.)
[29] Pierre NORA: “Entre mémoire
et histoire: la problématique des lieux” ” IN: Pierre NORA (org): Les
lieux de mémoire: la République. Paris: Gallimard, 1984. Pp. XVII a
XLII.
[30] - Este item do Relatório
será publicado em inglês no número especial da Revista Portuguese
Literary and Cultural Studies.
Dortmouth: Center for portuguese studies and culture/ University of
Massachusetts, december 2000.
[31] "Cascudo não denomina
realmente minha família paterna (...). Meu avô, Antônio Justino de Oliveira,
(1829-1894), filho de Antônio Marques Leal, (1801-1891), vindo do português
do mesmo apelido, era, nos últimos anos chamado o velho Cascudo, pela
devoção ao Partido Conservador, também com essa alcunha. Dois filhos,
Francisco, (1863-1935) e Manuel, (1864-1909), tiveram a idéia de juntar o
Cascudo ao nome," Luís da Câmara CASCUDO: O Tempo e Eu. Confidências e
proposições. Natal: Imprensa Universitária, 1968. Pp. 32 e 33.
[32] Câmara Cascudo foi membro
da American Folklore Society; das Sociedades de Folclore do México, do
Chile, da Bolívia, da Argentina, do Uruguai, do Perú, da Irlanda e da
Inglaterra;da Sociedade de Geografia de Lisboa; da Société des Américanistes
de Paris; da Societé Suisse des Américanistes; do Centro Italiano degli
Studi Americani di Roma; do Instituto Português de Arqueologia, História e
Etnologia; da Associación Española de Etnologia y Folk-lore; da Academia
Nacional de Historia y Geografia de Mexico; da Comission Internationale des
Arts et Traditions Populaires de Paris; da International Society for Folk
Narrative Research de Gottingen, na Alemanha; da Academia das Ciências de
Lisboa; Sócio Honorário da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia
da Universidade de O Porto (Portugal) e recebeu a Honorary Life Membership
of the American International Academy.
[33] O bairro da Ribeira é a
zona de prostituição da cidade de Natal.
[34] Cfr. Luis da CâMARA
CASCUDO: Vaqueiros e cantadores: Folclore poético do sertão de
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Porto Alegre: Livraria
do Globo, 1939.
[35] Sobre magia branca publicou
em 1951 pesquisa e depoimento intitulado Meleagro, sobre
superstições, publicou em 1958 Superstições e costumes, em 1966
Voz de Nessus (republicado em 1973 como um dos capítulos do livro
Tradição, ciência do povo) e sobre amuletos, publicou em 1949
Gorgoneion.
[36] Luís da Câmara Cascudo:
Trinta “estórias” brasileiras. Lisboa: Portucalense Editora, 1955. P.
13. Bibi, constantemente citada como sua informante privilegiada em
diversas obras de Cascudo, chamava-se Luiza Freire.
[37] Cfr. Mario de ANDRADE:
Enciclopédia Brasileira. São Paulo: Loyola/EDUSP, 1993. .
[38] IDEM. Ibidem. Pp. 22 e 6.
[39] Cfr. a entrevista de João
Clemente Jorge Trinta, o Joãozinho Trinta, carnavalesco conhecido por suas
ousadias inovadoras à frente das Escolas de Samba Beija Flor de Nilópolis e
Viradouro. IN: Gildson OLIVEIRA: Câmara Cascudo. Um homem chamado Brasil.
Brasília: Brasília Jurídica Editora, 1999. Pp. 357 a 359.
[40] Até 1988 o Dicionário
teve seis edições.
[41] Luís da CâMARA CASCUDO:
Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro, Institutto Nacional
do Livro, 1954, p. XIII. No verbete sobre Jurupari o autor explica ser este
um mito indígena, encarnação do espírito do mal, cujo conhecimento é
reservado aos iniciados, homens que, ao alcançar a puberdade, dão prova de
saber suportar a dor.
[42] IDEM: Vaqueiros e
cantadores. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1939.
[43] IDEM: Op. Cit. 1954. P. XI.
[44] IDEM. Ibidem. P. XIII.
[45] IDEM: Lendas
Brasileiras. 21 histórias criadas pela imaginação de nosso povo. Rio de
Janeiro: Tecnoprint, 1988.
[46] IDEM: Coisas que o povo
diz. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1968.
[47] IDEM: Cinco Livros do
Povo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953; Contos tradicionais do
Brasil. Rio de Janeiro: América editora, 1946.
[48] IDEM: Rede de dormir:
Uma pesquisa etnográfica. Rio de Janeiro: MEC, 1959.
[49] IDEM: Jangada: Uma
pesquisa etnográfica. Rio de Janeiro: MEC, 1957.
[50] Cfr., sobretudo,
Civilização e Cultura: Pesquisas e notas de etnografia geral. Rio de
Janeiro/Brasília, José Olympio /MEC-INL, 1973; Ensaios de etnografia
brasileira. Rio de Janeiro: INL, 1971; Folclore do Brasil. Rio de
Janeiro, Fundo de Cultura, 1967 e Tradição, ciência do povo. São
Paulo: Perspectiva, 1973.
[51] Entre esses trabalhos,
destacam-se O Conde D’Eu. São. Paulo: Companhia Editora Nacional,
1933; A intencionalidade no descobrimento do Brasil. Funchal:
Tipografia d’ “O jornal”, 1937 e História do Rio Grande do Norte. Rio
de Janeiro: MEC, 1955.
[52] Luís da CâMARA CASCUDO: “O
sorriso da história” . IN: A República. Natal: 04/01/1940. No
conjunto de livros que podem ser considerados como pertencentes a essa
categoria estão, por exemplo História dos nossos gestos: Uma pesquisa
mímica do Brasil.São Paulo: Edições Melhoramentos, 1976 e História da
Alimentação no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
[53] IDEM: O tempo e eu.
Confidências e proposições. Natal,Imprensa Universitária, 1968.; Ontem:
Imaginações e notas de um professor de província. Natal: Imprensa
Universitária, 1972; Pequeno manual do doente aprendiz: Notas e
maginações. Natal: UFRN, 1969 e Na ronda do tempo: Diário de 1969.
Natal: Imprensa Universitária, 1971,
[54] Luís da CãMARA CASCUDO:
Canto do muro. Rio de Janeiro: José Olympio Editor, 1959. P. 266.
[55] Em 1999 foram localizados
os originais de duas obras suas escritas na década de 30, uma história da
aviação transatlântica intitulada No caminho do avião e A casa de
Cunhaú, relato do massacre de um grupo de católicos no século XVII.
[56] Esse é o subtítulo do mais
recente livro sobre Câmara Cascudo: cfr. Gildson de OLIVEIRA: Câmara
Cascudo. Um homem chamado Brasil. Brasília: Editora Brasília Jurídica,
1999.
[57] Luís da CÂMARA CASCUDO:
Tradição, ciência do povo. Op. Cit. P10.
[58] IDEM. Canto do muro.
Op. Cit. P. 2.
[59] IDEM: Folclore do Brasil
(pesquisas e notas). Rio de Janeiro/São Paulo: Fundo de Cultura, 1967. P
9.
[60] IDEM: Tradição, ciência
do povo.
Op. Cit.. Pp 9 e 29. O uso de maiúsculas no meio das frases para indicar a
importância de uma idéia ou conceito, tal como neste trecho, é freqüente em
Câmara Cascudo.
[61] IDEM: Contos
Tradicionais do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/ EDUSP, 1986.
P. 15.
[62] IDEM: O tempo e eu.
Confidências e proposições. Natal, Imprensa Universitária, 1968. P. 211.
[63] Luis da CâMARA CASCUDO:
Folclore do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1967. P. 18.
[64] Lorelai KURY e Magali
Romero Sá: “Os três reinos da natureza”. In: Carlos MARTINS (org) : O
Brasil redescoberto. Rio de Janeiro: Paço Imperial/Minc-SPHAN, 1999. P.
29.
[65] Luis da CâMARA CASCUDO:
Contos Tradicionais do Brasil. Op. Cit . P.15.
[66] IDEM: Literatura oral no
Brasil. Rio de Janeiro/ Brasília: José Olympio/ INL, 1978. (2ª ed).
P.16.
[67] IDEM: Tradição, ciência
do povo.
Op. Cit. p. 150.
[68] IDEM: Folclore do Brasil.
Op. Cit. P. 101.
[69] A temática da fusão das
três raças como uma reação química particular responsável pela identidade
brasileira é uma constante na obra de Cascudo, e aparece longamente
tematizada nos capítulos 3, 4 e 5 de Literatura oral no Brasil. Op.
Cit. Pp 78 a 183. A mesma referência aparece desenvolvida e aplicada no
livro História da alimentação no Brasil. Belo Horizonte/São Paulo:
Itatiaia/USP, 1983.
[70] Luis da Câmara Cascudo:
Canto do muro. Op. Cit. P. 58.
[71] Com algumas modificações,
esse texto será publicado no Dicionário Bibliográfico de Câmara Cascudo,
organizado por Marcos A SILVA.
[72] Luis da CÂMARA CASCUDO:
Tradição, ciência do povo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971.
[73] - cfr. VERÍSSIMO DE MELLO:
“A obra folclórica de Cascudo como expressão do movimento modernista no
Brasil”. Mossoró: Coleção Mossoroense, nº 643. 1989. Ver também ARAÚJO,
Humberto Hermenegildo: IN: O centenário de Luis da Câmara Cascudo.
Http://www.rnonline.com.br/cascudo.html.
[74] - IDEM. IBIDEM. P. 6.
[75] - ANDRADE, Mário de: “O
desafio Brasileiro”. IN: O Estado de São Paulo. 23/11/1941.
[76] - IDEM: Carta a Luis da
Câmara Cascudo, escrita em São Paulo em 09/06/1937. IN: NADRADE, Mário de:
Cartas de Mário de Andrade a Luis da Câmara Cascudo. Belo Horizonte,
Villa Rica, 1991. P. 150.
[77] - IDEM. IBIDEM. P. 149
[78] - FREYRE, Gilberto: “Luis
da Câmara Cascudo, antropólogo cultural.” IN: Província. Nº 2. Natal:
1969. Pp. 7 a 14.
[79] - cfr. VILHENA, Luís
Rodolfo: Projeto e missão. O movimento folclórico brasileiro. 1947 -
1964. Rio de Janeiro: FUNARTE/FGV, 1997. Pp. 94 a 103.
[80] - ALMEIDA, Renato: “Pelo
mundo folclórico de Câmara Cascudo”. IN: Província, nº 2. Natal:
1969. Pp. 7 a 14.
[81] - VILHENA, Luís Rodolfo:
OP.CIT. P. 77.
[82] - CARNEIRO, Édison: “A
evolução dos estudos de folclore no Brasil”. IN: Revista Brasileira de
Folclore. Vol. 2. Nº 4. Rio de Janeiro: MEC, 1962. Pp. 39 a 42. APUD.
VILHENA. OP. CIT. P. 313.
[83] - AMADO, Jorge: “ Mestre
Cascudo, tão jovem”. IN: Província. Nº 2. Natal, 1969. P. 49. Grifos nossos. |