Roteiros para descobrir a alma do Brasil:
Uma leitura de Luís da Câmara Cascudo.

Margarida de Souza Neves
Relatório parcial de pesquisa CNPq - 2000

Luís da Câmara Cascudo e os “descobrimentos do Brasil”

“Já consultou o Cascudo? O Cascudo é quem sabe. Me traga aqui o Cascudo. O Cascudo aparece e decide a parada. Todos o respeitam e vão por ele. Não é propriamente uma pessoa, ou antes, é uma pessoa em dois grossos volumes, em forma de dicionário, que convém ter sempre à mão. Para quando surgir uma dúvida sobre costumes, festas, artes do nosso povo. Ele diz tim-tim por tim-tim a alma do Brasil em suas heranças mágicas, suas manifestações rituais, seu comportamento em face do mistério e da realidade comezinha. Em vez de falar ‘Dicionário Brasileiro’, poupa-se tempo falando ‘O Cascudo’, seu autor, mas o autor não é só dicionário, é muito mais. E sua vasta bibliografia de estudos folclóricos e históricos marcam uma bela vida de trabalho inserido na preocupação de viver o Brasil”
Carlos Drummond de Andrade


O presente Relatório Parcial de Pesquisa tem por objetivo permitir uma avaliação do estado atual da pesquisa sobre Luis da Câmara Cascudo considerado como um dos modernos descobridores do Brasil na medida em que pertence à plêiade de escritores e intelectuais que, a partir da década de 20, deste século, se apresentam como intérpretes do Brasil por buscarem mapear a identidade do país e de sua cultura, traçando e retraçando assim “retratos do Brasil”. No conjunto dos modernos descobridores do Brasil, Cascudo pode ser considerado como um descobridor excêntrico. Excêntrico não apenas por sua personalidade plural e tantas vezes desconcertante para o analista, mas também por ter-se mantido voluntariamente afastado dos grandes centros urbanos onde concentravam-se instituições e homens de letras, é descobridor porque, como tantos outros empenha-se na tarefa de reeditar a gesta fundadora de nossa história desvendando seus mistérios.
A coincidência da atual etapa da pesquisa com as comemorações daquilo que se convencionou considerar o quinto centenário do Brasil permite aprofundar o sentido dessa comemoração, vale dizer, analisar, na perspectiva da construção da memória social, o significado do que é unanimemente considerado como o acontecimento fundador de nossa história e a possibilidade de encontrar um valor heurístico para a metáfora de modernos descobridores do Brasil aplicada aos intelectuais que buscam, por diferentes caminhos, a identidade do país e de seu povo. Esse é o objetivo do primeiro movimento do texto, intitulado “memória: trabalho e arte”.
O segundo movimento do texto busca traçar um rápido perfil de Luís da Câmara Cascudo em seu desejo de “descobrir a alma do Brasil”.
Num terceiro movimento, o texto busca identificar nos caminhos da busca da tradição, que o autor considera em uma de suas obras de maturidade como a particular ciência do povo, seu particular roteiro de “descobrimento do Brasil”, na medida em que o que Cascudo entende ser a tradição, presente no folclore e nas manifestações de cultura popular das quais foi o incansável etnógrafo, põe de manifesto a singularidade do Brasil ao mesmo tempo em que permite situá-lo no que ele entende ser o Universal da cultura, na linhagem milenar da humanidade.
Os três movimentos do texto pretendem permitir enfrentar um duplo desafio metodológico: em primeiro lugar o de relacionar o Brasil pensado e vivido nos grandes centros urbanos com aquele outro Brasil concreto, regional e periférico, das pequenas capitais de província como a Natal de onde Cascudo nunca quis sair, e de onde viu e tematizou o país. Em segundo lugar, a tentativa de operar teoricamente com a complexa relação entre tradição e projeto, vale dizer entre nossas sempre buscadas raízes e o futuro a construir, permite encontrar na vida e na produção de Câmara Cascudo uma curiosa síntese entre as preocupações de projetar o futuro e o desejo de aprofundar-se em um passado ancestral, encontrando a pedra filosofal que permite fundir o particular ao universal e o contemporâneo ao primevo pela sabedoria do povo, aprendiz que foi de quem assinalava ser necessário não esquecer que “a verdadeira vida do povo só com o povo se pode aprender”[1]. Talvez não haja melhor expressão dessa síntese incessantemente buscada ao longo dos 87 anos de vida do autor que aquela escrita por um Câmara Cascudo octogenário no “Prefacial” da edição de Superstição no Brasil, livro que Paulo Moreira publicou pela Editora Itatiaia e que reúne escritos seus de 1951 (Anúbis e outros ensaios), de 1958 (Superstições e costumes) e de 1974 (Religião no povo).

"Sua universalidade é evidente e a ação comprova a contemporaneidade do milênio. Não foi possível coligir quanto escrevi sobre Superstição. Já não tenho ânimo de procurar nos esconderijos onde guardei. A leitura expõe a vastidão e a profundeza do mundo que acreditamos existir e é contemporâneo com o outro aonde nasceu Adão.”[2]

Cabe ainda assinalar um terceiro denominador comum aos três movimentos do texto: o estudo de Câmara Cascudo como “descobridor do Brasil” e a análise de seus roteiros e descobrimentos permitem aprofundar numa das linhagens passíveis de caracterizar a "cidade das letras"[3] brasileira: aquela definida pela busca do Brasil pelos caminhos dos vários "sertões", ali onde tantos pensavam não encontrar mais que o vazio imenso, uma vez que a própria etimologia de "sertão" remete a uma forma contrata de "desertão". Cascudo e os que se reconhecem como pertencentes a esta linhagem intelectual, descobrem, como Guimarães Rosa, que o sertão "está em toda parte" e criam a possibilidade de uma identificação pela via da incorporação do que é genuinamente nosso, atribuindo um valor particular às coisas pequenas, gesto e lenda, costume e crença, folguedo e reza, alimento, rede ou jangada, para a compreensão do país, de sua cultura e sua história, de sua gente e suas muitas linguagens. Contrapõem-se assim a uma segunda linhagem, mais numerosa talvez, que com o mesmo sonho de descoberta e identificação, permanece firmemente ancorada nas cidades e debruçada sobre o Atlântico na busca de um Brasil cópia ou simulacro de modelos europeus, "iludidos por uma civilização de empréstimo, respingando, em faina cega de copistas, tudo o que de melhor existe nos códigos orgânicos de outras nações" no dizer de Euclides da Cunha [4] . Para esses, descobrir o Brasil é sempre uma construção voltada para o futuro, muitas vezes fazendo tabula rasa do passado.

Por fim, e a modo de uma viagem redonda, a simultaneidade com as comemorações do quinto centenário do descobrimento do Brasil e o momento em que questões mais radicais se apresentam ao debate sobre o nacional e o moderno, são fatores conjunturais que trazem um novo elemento confere sentido ao o investimento intelectual sobre o tema dos descobrimentos e dos descobridores na perspectiva de uma história social de nossa cultura, tomados estes termos em sentido muito mais amplo que aquele que se desprende unicamente do "fato histórico" de 1500.
Câmara Cascudo é um incansável buscador do Brasil. São muitos seus descobrimentos pessoais e muitos mais aqueles que sua obra possibilita. As proporções gigantescas de sua produção, os distintos campos intelectuais em que atua como folclorista, etnógrafo, historiador, ficcionista, jornalista, professor, jurista, ensaísta ou memorialista, seu reconhecimento nacional e internacional combinado com a auto-definição que assume como um “provinciano incurável[5] permitem ampliar a reflexão tornando-a mais complexa, ao mesmo tempo que a pesquisa se revela como tarefa que implica uma auto-reflexão uma vez que, como já foi dito, “descobrir esses ‘descobrimentos’, identificar seus roteiros tateantes e por vezes tortuosos é, de alguma forma, retomar uma questão que também é nossa: a dos sentidos, para além da realização individual, do fazer intelectual, do ensinar e do investigar como quem busca. Mapear ‘descobrimentos’ é sempre encontrar, por contraste ou por afinidade, o sentido de nós mesmos[6]. Talvez, junto com o produto substantivo da pesquisa, esse seja um dos elementos definidores de sua delimitação e de sua relevância no campo da História Social da Cultura no Brasil.
No período final de desenvolvimento do Projeto, até fevereiro de 2001, pretendemos realizar ainda as seguintes etapas:
Em primeiro lugar, consolidar num texto substantivo sobre a noção de modernos descobridores do Brasil, concluindo o que já foi esboçado, no sentido de assinalar que, tomada na perspectiva do tempo, a constituição do Brasil e dos brasileiros não se apresenta como um desdobramento, e conseqüente reforço, dos ideais de uns poucos fundadores, como acontece nos Estados Unidos. [pilgrims]. A lógica da aventura presente na descoberta de 1500 renova-se a cada passo, porque cada descoberta é um novo começo, que projeta para o futuro as utopias de um povo/nacionalidade . A aventura dos descobridores é, assim, a aventura da busca da nossa identidade, que, no caso de Luis da Câmara Cascudo se expressa - em tempos e espaços os mais diversos - nos textos de caráter etnográfico, nos estudos de folclore, nos ensaios sobre a cultura, na ficção, na imprensa como trincheira de debates, no desejo de formar as futuras gerações, na busca da “alma do povo”, no ato de coletar, descrever e interpretar fragmentos do que possa ser o Brasil, nas complexas relações entre os letrados e o Estado, no estudo das tradições populares, na reflexão e na ação desse intelectual.
Se o "descobrimento do Brasil" é tarefa de todos, os componentes da "cidade letrada" procuram tradicionalmente reservar para si a função de revelar os sentidos e as razões das sucessivas descobertas. Aprofundar esse movimento no caso de Luís da Câmara Cascudo permitirá uma síntese capaz de transformar a metáfora sugestiva dos “descobridores” aplicada a esse homem de letras que constrói, sobretudo pela via do folclore e da etnografia uma identificação - um “descobrimento“ - do Brasil em noção capaz de produzir uma aproximação enriquecedora para as perspectivas abertas por uma história social da cultura no Brasil, e, finalmente, em conceito com o qual seja possível operar nesse campo teórico.
No caso de Câmara Cascudo, não se trata de uma tarefa trivial, não apenas pela enormidade de sua produção, que supõe mais de 100 textos publicados em livro - alguns deles de caráter monumental, como o Dicionário do folclore brasileiro [7], para além de sua intensa atuação como cronista nos jornais de Natal, de sua correspondência ativa e passiva, de sua participação ativa nos debates culturais brasileiros por mais de 60 anos consecutivos, e por sua ação polifacética, mas, sobretudo, pela complexidade dos conceitos chave de sua obra, a começar pela própria noção de “folclore” e de “povo” ou “cultura popular”, territórios, por excelência de seus roteiros pessoais, e que a pesquisa pretende enfrentar em sua dificuldade teórica e em sua historicidade concreta.
Luis da Câmara Cascudo, e de seus múltiplos roteiros e “descobrimentos” do Brasil e do povo brasileiro, que possibilitam novas claves de compreensão da complexa cartografia cultural do país. De modo análogo àquele dos portulanos que guiavam as rotas dos navegadores que enfrentaram mares tenebrosos para unir, no século XV, mundos até então isolados, e que situavam os territórios descobertos por meio de coordenadas que se cruzavam de forma aparentemente aleatória, os mapas culturais traçados cuidadosamente por Cascudo permitem identificar, no cruzamento dos inúmeros temas que atraíram sua curiosidade, sua inteligência e sua sensibilidade, os contornos do Brasil e de sua gente.

1. MEMÓRIA: TRABALHO E ARTE[8]
Comemorar, como sabemos, é fazer memória. A intenção, por um viés muito particular, de inserir esse trabalho nas reflexões acadêmicas que acompanham as comemorações do quinto centenário do descobrimento do Brasil sublinham o duplo caráter de trabalho e de arte da memória.
Não é original a referência aos trabalhos da memória.
A tese de livre docência de Ecléa Bosi[9] já em 1973 associava a memória ao trabalho e sugeria que fazer memória é trabalho socialmente relevante. A argüição de Marilena Chauí à tese de Ecléa Bosi, publicada como Apresentação do livro que dela se originou, leva por título, precisamente, Os trabalhos da memória[10]. Mais recentemente, o Programa de Pós Graduação em História da PUC-SP intitulou Trabalhos da Memória[11] o alentado número 17 da Revista Projeto História, que dedica 493 páginas a textos de autores brasileiros e estrangeiros sobre o tema da memória e de sua relação com a história.
Também não é original a alusão à arte da memória. A expressão tem uma longa e precisa utilização na história da cultura ocidental, por ser o conceito chave que define a tradição hermética que, no renascimento, encontra suas traduções mais eloqüentes em Giulio Camillo, Ramón Llull e Giordano Bruno, mas que arranca da Grécia clássica através da síntese romana presente no Ad Herennium, obra escrita entre 86 e 82 AC. por um professor de retórica cujo nome a história não guardou.
Nesse sentido estrito, a arte da memória tal como cultivada no Ocidente até o século XVII, consiste, à primeira vista, no desenvolvimento surpreendente de uma capacidade mnemotécnica altamente adestrada através de um complexo e preciso método de espacialização da memória, que, pela via da associação do que deve ser lembrado com imagens e lugares, é capaz de prodígios de memorização através da construção imaginária de palácios da memória[12] onde o tesouro do que não deveria ser esquecido era sistematicamente amealhado e eficientemente conservado. Os estudos mais recentes e aprofundados sugerem que essa arte por séculos cultivada no Ocidente é muito mais que uma sofisticada mnemotécnica, sem dúvida significativa em si mesmo no longo período anterior a divulgação da imprensa, que cria um suporte externo de fácil acesso e rápida difusão para a memória dos homens; Para Frances Yates, autora de uma consistente análise sobre o tema, a arte da memória é uma forma de conhecimento[13]. Para Paolo Rossi, em seu estudo clássico, é a clavis universalis: a chave do conhecimento universal[14].
A referência à memória como trabalho e como arte é tomada aqui de forma acomodatícia e quase metafórica. No entanto, essa escolha deve-se, de um lado, à relevância que assume a reiteração de que a memória é trabalho e implica ação, construção ativa e reconstrução. De outro, à força sugestiva presente na afirmação de que a memória é arte e supõe tanto a dinâmica expressiva da criação livre quanto o conhecimento detalhado e cuidadoso de um método artesanal [15]. Por ser arte e trabalho, a memória está longe de identificar-se à mera acumulação passiva de dados relativos ao passado e que devam ser armazenados, íntegros e incorruptos pela ação do tempo, em algum lugar de nossa mente.
Porque é trabalho, a memória entretece uma trama intrincada de coordenadas que a constituem como um campo de forças, já que nela se entrecruzam passado e presente; espaços e tempos; registro e invenção; o individual e o social; anamnese e prospecção; perenidade e volatilidade, sempre em constante atividade que, longe de opor-se ao esquecimento[16], faz com que a memória englobe e compreenda o esquecer, pois é, por sua natureza mesma, trabalho de seleção.[17]
Porque é arte, a memória é criação, e, no caso, criação polifônica que harmoniza nossa mais pessoal marca individual e o que nos vem de nossa pertença a diferentes coletivos; criação polissêmica, aberta a distintas leituras de um mesmo significante que ganha assim significados distintos para um mesmo leitor em diferentes momentos ou para distintos leitores; criação polimórfica, sempre em constante reconfiguração, que associa de distintas formas mito e logos. Personificada na figura mitológica de Mnemosine, é aquela que gera a inspiração, uma vez que “possuída por nove noites consecutivas por Zeus, o Deus maior da mitologia grega, da à luz as nove musas” [18]. Na narrativa mitológica, Clio, a musa da história, é assim irmã da poesia (Erato), da dança (Terpsicore), da música (Euterpe) e da tragédia (Melpomene), e todas descendem do consórcio entre a terra (Gaia) e o céu (Urano), dos quais nasce a memória (Mnemosine) como também o tempo (Chronus), devorador de seus filhos.
Trabalho e arte,
“[...] a memória não é jamais o resgate integral do passado, mas sempre e apenas uma escolha e uma construção; [e] essas últimas operações não são determinadas pela matéria que advém da memória, mas muito mais pelos sujeitos que se recordam, em vista deste ou daquele objetivo. Se o resgate do passado pela memória não tem nada de prejudicial , algumas utilizações desta são muito mais nobres que outras; a memória pode servir à repetição ou ‘a transformação, pode ter uma função conservadora ou emancipadora, o que não conduz à mesma coisa . Qualquer pessoa tem o direito de se lembrar como bem entender, é verdade; mas a comunidade valoriza certas utilizações da memória e reprova outras, e não saberá praticar um culto à memória indiferenciado.”[19]
Assinalar que as sociedades cultuam a memória e que esses cultos, obra de trabalho e arte, são indicativos de uma identidade a ser reiterada ou construída ganha um sentido muito especial nesse ano em que somos convidados a comemorar o que se convencionou chamar de “os 500 anos do Brasil”.
Essa comemoração oferece a possibilidade ímpar de viver, observar e analisar os trabalhos e a arte da memória, pelo que seleciona como pelo que procura apagar; pelo que celebra como pelo que relega ao esquecimento; pelo que repete a saciedade como pelo que omite; pelo que monumentaliza como pelo que pretende destruir; pelo que recolhe do passado como pelo que projeta para o futuro; pelos que protagonizam a festa e nela ocupam o proscênio como pelos que são convidados a, docilmente, assisti-la aplaudindo nos momentos apropriados. Porque comemorar é sempre construir uma memória comum, vale dizer, uma identidade coletiva e um projeto de futuro, para recolher toda a riqueza sugerida na articulação entre memória, identidade e projeto sugerida por Gilberto Velho[20]. E porque os trabalhos e as artes da memória são sempre múltiplos, complexos e surpreendentes.
Os cientistas sociais em geral e os historiadores em particular valorizam de forma especial a festa como uma prática expressiva das relações sociais e como portadora uma certa pedagogia cuja eficiência supera a de outros espaços em que uma dada sociedade administra sua memória.
Na esteira das reflexões feitas por Mona Ouzouf sobre a festa revolucionária na França[21] e das questões mais teóricas tratadas por Georges Balandier no que tange às formas de teatralização do poder[22], a atenção de não poucos historiadores brasileiros[23] voltou-se para a importância das festas e comemorações como síntese e como signo capaz de mobilizar multidões e construir consenso pela força do ritual e do espetáculo.
As comemorações dos “500 anos do Brasil” participam dessas características mais gerais da festa, mas revestem-se de algumas peculiaridades. A primeira delas é sua referência óbvia ao acontecimento histórico que localizamos, unanimemente, como momento inaugural do Brasil e, por isso, comemoramos como nosso mito fundador.
A visão linear e evolutiva que nossa época tem do tempo e que o ensino, na maioria das vezes, naturaliza em relação à história faz com que operemos mais com a noção de sucessão e menos com o conceito de diferença quando lidamos com essa forma particular de nossa memória coletiva que é a História do Brasil. Assim, não hesitamos em rebater a origem do que somos hoje sobre o passado, mais precisamente sobre o fato da esquadra de Cabral, em viagem para as Índias, ter efetuado e registrado o “achamento” – para utilizar o termo utilizado por Caminha, que em nenhum momento utiliza a lexia “descobrimento” – de uma terra no litoral atlântico que passa assim, oficialmente, a constituir um dos pontos que garantem o poderio português sobre as rotas marítimas e comerciais nas que, no século XVI, alicerçava seu império.
O “descobrimento” de uma terra remota, secundária no momento de seu “achamento” para o império português, torna-se assim princípio e fundamento de nossa identidade brasileira, como se já então possuísse como pura potencialidade o que hoje somos.
Através de um processo que inverte a seqüência das explicações teleológicas, mas mantém sua lógica que define o sentido do que sucedeu antes pelo que vem a acontecer posteriormente, aquela terra achada e de distintas formas nominada torna-se o Brasil de hoje, não importa se aquele tempo anterior ao nosso fosse também diferente do que vivemos e “país”, “Brasil”, “nação” e “povo” fossem então palavras vazias de conteúdo ou com sentidos totalmente distintos daqueles que hoje lhes são atribuídos: a terra a que Cabral e os homens de sua frota chegaram, é no nosso imaginário coletivo, pelos trabalhos e pela arte da memória consolidada pela história, o Brasil de hoje.
Na nossa memória, Cabral e seus homens “descobrem” o Brasil, mesmo se aqueles homens, que na terra “achada “ só enxergavam, num primeiro momento, um mundo edênico de muitas árvores, águas abundantes, e homens e mulheres que, como no paraíso bíblico, andavam nus sem se preocuparem em “cobrir suas vergonhas”[24] e cuja razão de ser, no conjunto do império português, lhes parecia ser garantir as rotas portuguesas para as Índias, permitir a aguada de navios, servir de entreposto comercial, estivessem longe de sabê-lo e sua própria memória de herdeiros da cristandade medieval os levasse a ver no “achamento” menos sua ação de homens modernos capazes de dominar a natureza e vencer o mar tenebroso e mais a ação da providência divina, que manifestava assim seus desígnios de fazer da coroa portuguesa a mediação para a ação cristianizadora dos gentios que legitimava o Império.
Outras referências do que a festa dos “500 anos de Brasil” celebra e que merecem particular atenção podem ser encontradas na reiteração do mito das três raças constitutivas do povo brasileiro; na constante alusão a um Brasil destinado desde todo sempre a ser “país do futuro”, que projeta para um porvir sempre próximo e nunca tangível uma idade de ouro mítica; e na constante lembrança das inesgotáveis riquezas do país, que a própria natureza faz gigante.
O Império brasileiro, através de seus letrados, foi exímio na construção de tradições[25]. O jovem país que se emancipara politicamente em 1822 e que então se constituía como estado independente e projetava, em torno da idéia de unidade territorial e da necessidade de garantir e reproduzir a unidade do Império escravista, uma dada construção do ordem[26], devia alicerçar-se firmemente na história. E é a partir de “cidadelas letradas” [27] tais como o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a Academia Imperial de Belas Artes que os trabalhos e as artes da memória mostrarão toda a sua potencialidade durante o século XIX.
Nosso imaginário histórico está, em grande parte, alimentado ainda hoje pela monumentalização da memória feita, nas artes e nas letras, pelo Estado Imperial. Não sem razão associamos imediatamente o descobrimento ao quadro de Victor Meirelles intitulado A primeira missa no Brasil, cuja pintura foi concluída e exposta pela primeira vez em 1861 e que ilustra o capítulo referente ao “descobrimento” na grande maioria dos livros didáticos de História do Brasil, livros esses que não poucas vezes reproduzem e atualizam o discurso das três raças presente na monografia de Von Martius que, também no século XIX, venceu o concurso promovido pelo Instituto Histórico com a finalidade de propor como deveria ser escrita a história do recém criado país, e, relido por Joaquim Manuel de Macedo, constituiu-se em um dos pilares das Lições de História do Brasil [28], livro didático que ensinou a gerações de brasileiros o que era o país, constituindo-se assim em um dos “lugares de memória”[29] do Brasil e de sua história.
Muitas outras referências à história como soldadura de uma identidade comum aos brasileiros podem ser encontradas nas comemorações dos assim chamados “500 anos de Brasil”, e as rápidas alusões acima brevemente resumidas visavam apenas exemplificar a complexidade dos trabalhos e da arte da memória ao entretecer temporalidades e versões na construção da narrativa histórica.
As festas e comemorações dos “500 anos do Brasil” encerram não poucas ocasiões de aprendizado.
Uma análise acurada da síntese comemorativa representada pelo desfile das escolas de samba carioca, que esse ano tiveram obrigatoriamente temas históricos, permitiria descobrir, no meio do festival de caravelas e da multidão de índios, negros e fidalgos portugueses que transformou o sambódromo numa espécie de palco de intermináveis procissões memorialísticas, que as tensões e disputas no campo da memória estão vivas, e o episódio da retirada do quadro de Nossa Senhora dos Navegantes e da cruz do carro alegórico que representava a primeira missa por solicitação da igreja católica foi apenas uma de suas manifestações. Na passarela do samba, Clio e Mnemosine mostraram toda a mágica e o mistério de seu intrincado bailado.
O mesmo poderia ser dito dos discursos e iniciativas oficiais; das publicações alusivas ao Descobrimento; dos simpósios acadêmicos que se multiplicam ao longo de todo o ano; dos inumeráveis eventos comemorativos; dos trabalhos escolares que tomam a celebração como tema; dos voláteis documentos nos “sites” da Internet; dos programas televisivos; dos registros na imprensa; dos monumentais relógios de gosto duvidoso plantados sem nenhum problema nos lugares mais nobres de todas as capitais brasileiras enquanto o monumento aos 500 anos de resistência indígena construído pelos índios pataxós em Coroa Vermelha foi destruído por 200 homens polícia militar baiana a mando de auxiliares do então ministro de estado encarregado da coordenação da festa de comemoração dos 500 anos do Descobrimento, sob a alegação de terem considerado o monumento fúnebre; e de tantas outras iniciativas que permitem um exercício de leitura sobre os trabalhos e as artes da memória e sobre a pedagogia que encerram.
As festividades oficiais do dia 21 de abril parecem, nesse sentido, particularmente eloqüentes, ao revelarem a complexidade e os significados das relações entre história e memória.
Por um lado, a análise do naufrágio da miliardária nau capitânia, simétrico a outros naufrágios mais lentos e muito mais trágicos para o futuro do país, entre os quais os da escola pública, o da dignidade da profissão do magistério e o das Universidade de Pesquisa para as quais os cofres públicos são mais parcos na liberação de recursos permitiriam descobrir, por sua dimensão alegórica, a riqueza e as possibilidades de reflexão abertas pela articulação entre magistério, memória e história proposta nesse primeiro número da revista.
Por outro, a consideração da exclusão da comemoração oficial em Coroa Vermelha dos povos indígenas que, ao contrário dos índios cenográficos trazidos pelos organizadores, não eram portadores de crachás, evidenciaria uma triste coerência entre a celebração da memória dos descobrimentos e os séculos de história excludente e hierarquizadora que mascara sob a capa do discurso das três raças formadoras do Brasil o lugar subordinado de índios e negros em nossa sociedade marcada por um perverso racismo de posição.
Em paralelo à análise dos não muito bem sucedidos eventos oficiais comemorativos do “descobrimento”, a reiteração da intangibilidade de uma ordem nunca qualificada quando os conflitos abertos revelam que as graves questões sociais relativas ao universo do trabalho, da terra e dos direitos civis são, novamente, encaradas como casos de polícia permitiria construir a hipótese de que o discurso edênico da carta de Caminha foi substituído, como ícone das comemorações dos 500 anos, pela pungente fotografia do índio de calção de tactel ajoelhado e de braços erguidos na frente das baionetas do pelotão em uniforme de combate.
Agora, quando já não falta mais nenhum dia para os “500 anos do Brasil” e a conclusão da obsessiva contagem regressiva que a maior potência das comunicações de massa no país nos obrigou a fazer não parece ter conduzido ao momento mágico em que o Brasil, finalmente, despertaria de seu berço esplêndido, talvez seja a hora de refletir sobre os sentidos possíveis do mito de origem dos descobrimentos e daqueles que o revisitaram.
Nessa perspectiva, ganha especial significado o estudo dos formulações e da atuação daqueles que se vêem e são vistos como modernos descobridores do Brasil, entre os quais, Luís da Câmara Cascudo.

2. Para descobrir “a alma do Brasil”[30]

As poucas linhas que compõem o perfil de Luís da Câmara Cascudo feito por Carlos Drummond de Andrade em 1968, por ocasião do cinqüentenário da vida de escritor do autor norte-riograndense e que serve de epígrafe a esse texto são expressivas. Nelas alguns traços aparecem sublinhados, e as escolhas do poeta ao definir aquele que reconhece como folclorista e historiador são eloqüentes tanto pelo que selecionam quanto pelo que parecem esquecer.
Um duplo movimento preside o retrato de Câmara Cascudo traçado por Drummond. Por um lado, a tensão entre o valor metonímico atribuído a sua obra maior, o monumental Dicionário do Folclore Brasileiro, e o reconhecimento de que Cascudo fizera “muito mais”. Por outro, a recorrente associação entre o autor e o Brasil, já que Cascudo é apresentado como aquele que conhece e dá a conhecer “a alma do Brasil” e cujo trabalho intelectual é presidido pela “preocupação de viver o Brasil”.
Não é trivial a tarefa de apresentar uma síntese da obra de Cascudo. Personalidade vulcânica e galvanizadora, o filho do coronel nordestino que assumiu como sobrenome familiar a identidade conservadora de seus ancestrais[31], foi simultaneamente o pesquisador respeitado internacionalmente[32] e o freqüentador assíduo da zona da Ribeira[33]; o tradutor dos poemas de Walt Whitman e o entusiasta dos versos de cordel do sertão brasileiro[34]; o marido apaixonado que, já idoso, gostava de contemplar a lua de mãos dadas com a mulher, e o boêmio bebedor e farrista renomado; o católico a quem a Santa Sé outorgou a comenda da ordem se São Gregório Magno e o especialista em magia branca, superstições e amuletos[35], presença obrigatória em todos os terreiros de Natal; o coordenador do movimento integralista no Rio Grande do Norte nos anos 30 e o escritor que na década de 60 era respeitado e admirado por intelectuais de esquerda tais como Celso Furtado, Jorge Amado e Moacyr de Góes; o conhecedor erudito da literatura clássica greco-romana e renascentista e o embevecido interlocutor dos pescadores Chico Preto ou Pedro Perna Santa e de Bibi , a velha ama da casa de seus pais a quem considerava uma “Sherazade humilde e analfabeta [36]; o grande nome da etnografia e dos estudos de folclore no Brasil e o escritor pouco lido pelas gerações mais jovens de cientistas sociais brasileiros.
No labirinto que se apresenta sempre aos que se aventuram pela vida e pela obra de Câmara Cascudo, o breve retrato traçado por Drummond sugere, pela mágica da palavra do poeta, um fio de Ariadne que permite seguir com alguma segurança dois caminhos que atravessam o polifacético conjunto dos escritos de Luís da Câmara Cascudo: o caráter enciclopédico da obra e o perfil de descobridor do Brasil de seu autor.

2.1. Uma enciclopédia brasileira
O Cascudo”, assim substantivado, é, para Drummond como para muitos brasileiros, o Dicionário do Folclore Brasileiro, publicado em 1954 pelo Ministério da Educação e Cultura através do Instituto Nacional do Livro. Por isso o poeta identifica o autor a um de seus livros, e afirma que Cascudo “não é propriamente uma pessoa, ou antes, é uma pessoa em dois grossos volumes, em forma de dicionário, que convém ter sempre à mão” .
No prólogo da primeira edição, ao fazer a genealogia do Dicionário, Câmara Cascudo fornece uma chave importante para sua leitura: trata-se de uma das muitas tentativas de reviver o sonho dos enciclopedistas de todos os tempos, o de decompor e resumir o mundo, já que o Dicionário é a resposta de Cascudo a Augusto Meyer, então presidente do Instituto Nacional do Livro, que convocara uma série de intelectuais brasileiros para finalmente levar a cabo a iniciativa frustrada de Mário de Andrade, que em 1939 elaborou o anteprojeto de uma Enciclopédia Brasileira[37]. Também desta feita a Enciclopédia será apenas um projeto, mas seu único fragmento efetivamente realizado, o Dicionário de Cascudo, parece cumprir um desejo de Mario de Andrade para a grande Enciclopédia, o de levar uma síntese do Brasil “ao homem culto” como “aos lares operários”[38]. Obra única em seu gênero até hoje, o Dicionário do Folclore Brasileiro é livro básico de referência para pesquisadores eruditos como para os festeiros, os cantadores, e os carnavalescos que preparam os enredos das Escolas de Samba[39].
O Dicionário representa uma síntese do trabalho de Cascudo, e foi atualizado até o fim de sua vida em suas várias reedições[40]. Nele o autor expressa seu credo intelectual ao afirmar:
“ Ao contrário da lição de mestres, creio na existência dual da cultura entre todos os povos. Em qualquer deles há uma cultura sagrada, oficial, reservada para a iniciação, e a cultura popular, aberta apenas à transmissão oral, feita de estórias de caça e pesca, de episódios guerreiros e cômicos, a gesta dos heróis mais acessível à retentiva infantil e adolescente. Entre os indígenas brasileiros haverá sempre, ao lado dos segredos dos entes superiores, doadores das técnicas do cultivo da terra e das sementes preciosas o vasto repositório anedótico, fácil e comum. O segredo de Jurupari é inviolável e castigado com a morte o revelador, mas há estórias de Jurupari sem a unção sagrada e sem os rigores do sigilo, sabidas por quase todos os homens das tribos. São exemplos positivos das duas culturas. A segunda é realmente folclórica.”[41]

O Dicionário é também obra de colecionador cuidadoso e obstinado que, desde a publicação de Vaqueiros e cantadores[42] em 1939, começara “lentamente a por em ordem um temário do folclore brasileiro”[43]. É seu trabalho que conforma a grande maioria dos verbetes, com a colaboração de alguns de seus inúmeros correspondentes por todo o país, entre os quais os músicos Villa Lobos e Guerra Peixe, os folcloristas Edison Carneiro e Renato Almeida, e os professores Manuel Diegues Junior e Gonçalves Fernandes.
Ainda no Prólogo, Cascudo resume seu método de trabalho no cumprimento rigoroso do que entendia ser o protocolo de seu ofício: “As três fases do estudo folclórico – colheita, confronto e pesquisa de origem - .”[44]
No entanto, se a importância e a divulgação do Dicionário parecem justificar o deslizamento discursivo que permite a Drummond registrar que “o Cascudo”, capaz de dirimir todas as dúvidas sobre cultura popular brasileira, é o Dicionário , o poeta não deixa de constatar que o Cascudo-autor “é muito mais”.
Polígrafo, Câmara Cascudo é o autor de mais de 150 livros sobre os mais diversos temas relativos à cultura brasileira. Como etnógrafo e folclorista recolhe, analisa e publica incessantemente lendas[45], ditos[46], contos[47], realiza estudos monográficos entre os quais destacam-se seus livros sobre a rede de dormir[48] e sobre a jangada[49], e escreve textos de cunho mais teórico[50]. Como historiador tanto escreve trabalhos que se inscrevem na tradição de uma história positivista[51] quanto outros muitos que caracterizam aquilo que ele mesmo chamou de “micro-história[52]. Cronista que por mais de 50 anos publica suas Actas Diurnas no jornal A República de sua cidade Natal, escreve igualmente em jornais do Rio de Janeiro, de São Paulo e de outras cidades brasileiras. Memorialista, registra suas lembranças em quatro livros de memórias[53]; pesquisador incansável, comunica os resultados de suas investigações em periódicos científicos no Brasil e no exterior; literato faz poesia e escreve um romance de costumes a que atribui particular importância, pois, para o autor, “nenhum outro [livro] possui como este a totalidade emocional.”[54]; correspondente compulsivo, troca cartas com intelectuais das mais variadas latitudes geográficas e acadêmicas.
Tem razão Drummond ao declarar que o autor potiguar “é muito mais” que sua obra mais conhecida e divulgada, o Dicionário do folclore brasileiro. A cada vez que alguém faz uma incursão pela Babilônia, como Cascudo chamava de forma bem-humorada sua caótica biblioteca atualmente ameaçada pela incúria dos que deveriam preservar a memória da cultura no Brasil, novos manuscritos são encontrados[55].

2.2 Descobrimentos:
Drummond não é o único a associar tão diretamente o nome de Cascudo à busca da “alma brasileira”. Dele já foi dito ser “um homem chamado Brasil[56] e é recorrente a associação de seu nome à plêiade de modernos descobridores do Brasil, intelectuais que, por distintos roteiros, empenharam suas vidas na tarefa sempre nova e sempre a mesma de desvendar os segredos da terra brasileira e de sua gente.
Câmara Cascudo buscou conhecer e dar a conhecer o Brasil como tantos outros, entre os quais não poucos de seus principais correspondentes tais como Mario de Andrade, com quem manteve importantíssima troca epistolar de 1924 até a morte do autor de Macunaíma; Monteiro Lobato, a quem Cascudo escreveu mais de 400 cartas; Edison Carneiro, com quem trocou rica correspondência sobre o movimento folclórico no Brasil; Gilberto Freyre, também seu correspondente, já que entre os dois sempre reinou a mútua deferência que caracteriza as relações entre os patriarcas nordestinos; Villa Lobos; Guimarães Rosa; Josué de Castro e muitos mais. Menos óbvios são a originalidade dos roteiros de seu descobrimento e seu perfil peculiar de descobridor.
Distintivo, no caso de Cascudo, é o fato de tratar-se de um descobridor que elaborou sua vasta cartografia simbólica do Brasil sem levantar âncora de seu porto de origem.
Descobridor excêntrico, no sentido da recusa contumaz em ouvir o canto da sereia dos grandes centros urbanos do sudeste, onde a vida intelectual, as universidades mais significativas do país, a condução do movimento folclórico no plano nacional, as alentadas bibliotecas e a oferta de cargos públicos mais de uma vez o convocaram, ao longo de seus 87 anos de vida sempre se negou a trocar a cidade nordestina de Natal onde nascera por outras capitais e assumiu como título de glória a identidade de “provinciano incurável” que lhe fora atribuída por Afrânio Peixoto. Suas viagens são sempre função de seu trabalho, e são inúmeras, tanto pelo Brasil quanto ao exterior. Mas seu porto seguro era sempre Natal, e seu posto de atalaia o sobrado da Ladeira que então se chamava Junqueira Aires e que hoje leva seu nome.
Essa marca de distinção no entanto não era exclusividade sua. Também Gilberto Freyre, o senhor de Apipucos, escolhe voltar a sua Recife natal depois dos anos de estudo no exterior. Como Freyre, Cascudo foi um buscador do Brasil enraizado no nordeste e escritor plural e múltiplo, mas as rotas de sua navegação são diversas daquelas empreendidas pelo sociólogo pernambucano.
A peculiaridade do descobrimento do Brasil empreendido por Câmara Cascudo reside, em primeiro lugar, no método por ele adotado. A chave desse método parece estar na noção de convivência.
Cascudo funda sua autoridade etnográfica na convivência com o povo e as tradições populares, por ter sido menino sertanejo e por não ter nunca abandonado a vida provinciana. Por isso se considerava um conhecedor, no sentido quase bíblico, da fala, dos gestos, dos mistérios e dos mitos do povo, e já na maturidade, possuidor de uma erudição reconhecida por todos, se jacta no prólogo de Tradição, ciência do povo do procedimento utilizado para as pesquisas ali reunidas, numa frase síntese quase emblemática: “(...) não bibliotecas, mas convivência[57], que sugere a valorização da experiência viva compartilhada (con vivere) como forma de construção do conhecimento.
No entanto, se é pelo que chama de “convivência” que Cascudo particulariza sua metodologia de pesquisa, é, por um lado, na relação entre esse procedimento fundamental e a coleta do material empírico de seu trabalho mais relevante - os estudos de folclore - e, por outro, com sua tradução em sínteses interpretativas, que Cascudo oferece a possibilidade de identificar o percurso seguido para seu particular descobrimento do Brasil.
Possivelmente é em Canto do Muro onde com maior clareza é possível encontrar, reduzida à sua expressão mais simples, tanto a descrição de seu procedimento de coleta do material folclórico quanto o entendimento de sua função de folclorista, mediador e intérprete daquilo que, visto e conhecido por todos, só a muito poucos se revela em plenitude.
Nesse livro, ao descrever suas observações do mundo animal, ao que atribui inteligência e inventiva, Cascudo afirma ter cuidadosamente anotado tudo o que vira dos bichos que circulavam por seu quintal:
“(...) personagens fixados na liberdade de todas as horas do dia e da noite (...) por mim foram vistos sem que soubessem que estavam sendo objeto de futura exploração letrada.” [58]

A afirmação, feita no contexto de um escrito de clara conotação alegórica, permite uma apropriação acomodatícia indicativa não apenas daquilo que para ele significava a “convivência” como método, mas também da modalidade de sua observação como etnógrafo.
Para Câmara Cascudo, o folclore é tradição e a tradição é a “ciência do povo”. Numa das definições de folclore que formula, sintetiza a importância de seu estudo:
“Todos os países do Mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes profissionais, possuem um patrimônio de tradições que se transmite oralmente e é defendido e conservado pelo costume. Esse patrimônio é milenar e contemporâneo. Cresce com os conhecimentos diários desde que se integrem nos hábitos grupais, domésticos ou nacionais. Esse patrimônio é o FOLCLORE. Folk, povo, nação, família, parentalha. Lore, instrução, conhecimento na acepção da consciência individual do saber. Saber que sabe. Contemporaneidade, atualização imediadista do conhecimento.”[59]

Em escritos posteriores, aprofunda o mesmo tema e aponta elementos que permitem identificar porque é no folclore que reside o segredo da “alma brasileira”. Em 1973 afirmará
“A Memória é a Imaginação do Povo, mantida comunicável pela Tradição, movimentando as Culturas, convergidas para o Uso, através do Tempo.” (...) “ O Povo guarda e defende sua Ciência Tradicional, secular patrimônio onde há elementos de todas as idades e paragens do Mundo”.[60]

E em 1986:

“Nenhuma ciência como o Folclore possui maior espaço de pesquisa e de aproximação humana. Ciência da psicologia coletiva, cultura do geral no Homem, da tradição e do milênio na Atualidade, do heróico no quotidiano, é uma verdadeira História Normal do Povo.” [61]

É portanto no folclore que ganha sentido o que é brasileiro, uma vez que é nele que se evidencia a relação entre cada uma das manifestações da cultura popular e “a cultura geral do homem”, entre o particular e o universal e entre o que é datado e o atemporal. E curiosamente, só revelará a “alma brasileira” aquilo que revele vestígios “de todas as idades e paragens do mundo”.
O que qualifica de o “homem normal”, o homem comum, é para ele o portador da originalidade brasileira, e naquilo que de mais usual acompanha a vida do povo e seu imaginário deixa perceber está tanto o que o faz diferente de todos os demais quanto, paradoxalmente, o que funde no universal os mitos, tradições, gestos, narrativas e crenças do povo brasileiro.
Por essa razão, compara o povo ao celacanto[62], ser pré-histórico que sobrevive inalterado até a atualidade, e, citando Cláudio Bastos, afirma categórico:
“O povo é um clássico que sobrevive.” [63]

O folclorista-descobridor parece ter para Cascudo uma missão: a de olhar e ver o mundo da cultura do povo de forma análoga àquela que caracterizara outros descobridores, os naturalistas do século XIX, em sua aproximação ao mundo da natureza, uma vez que
“O olhar do viajante-naturalista tem por base o princípio de inserção dos seres particulares numa ordem universal”[64]
Cascudo procura cumprir com pertinácia tanto nos infindáveis estudos na biblioteca, que considerava como seu laboratório, quanto em suas pesquisas de campo e em tudo o que escreveu, pelo território da cultura do povo, esse mesmo percurso: para conhecer e dar a conhecer a “alma brasileira” é preciso buscar o que a identifica, não por caminhos da definição de uma identidade brasileira substantiva, mas sim porque, para ele, é possível encontrar o segredo das “origens””, num duplo movimento de inserção.
Em primeiro lugar, o descobrimento se dá pela identificação das “origens“ comuns entre a cultura letrada e a cultura popular, e pela inserção de ambas num mesmo universo cultural, no caso, aquele da cultura brasileira. É ao empreender a viagem pela literatura oral brasileira que Cascudo pode afirmar, com a certeza do cientista ao encontrar a evidência empírica do que busca:
“ Ao lado da literatura, do pensamento intelectual letrado, correm as águas paralelas, solitárias e poderosas da memória e da imaginação popular”[65]
“Verifiquei a unidade radicular dessas duas florestas separadas e orgulhosas de sua independência exterior.”[66]

Em segundo lugar, o que Cascudo pretende mapear é outra inserção, aquela que permite encontrar o Brasil como um continente situado no vasto oceano da cultura universal através da cuidadosa classificação de gestos, mitos, lendas e ditos do povo e da identificação das “origens comuns”, entendidas como misteriosa permanência, entre esses e tantos outros traços culturais semelhantes, pertencentes a tempos remotos e latitudes distantes.
A reiterada busca o conduz a viajar fisicamente à África à procura das águas que partem desse continente e desembocam no vasto estuário da cultura brasileira, assim como o leva a outras viagens, simbólicas desta feita, pela literatura clássica e pelas tradições de todas as paragens, para nelas achar a fonte comum do particular amálgama que, para ele, é o Brasil..
Quando encontra o que procura, não se furta a anunciá-lo aos quatro ventos, com o orgulho dos descobridores de qualquer tempo. É assim ao surpreender nas palavras de uma parteira do sertão do Rio Grande do Norte, em 1920. a tradição imemorial registrada nas Metamorfoses de Ovídio, que reza que em quarto de uma mulher em trabalho de parto ninguém deve cruzar as pernas, sob pena da criança não conseguir nascer:
“A `comadre` sertaneja de Santa Cruz ajudava Ilitia, como todas as mães gregas e romanas, milênios antes de Cristo. .... – Meninos eu vi!... Vira um rito sagrado em plena função defensiva, da Tebas grega ao sertão do Rio Grande do Norte. Indiscutível. Típico. Real.”[67]

Para Luís da Câmara Cascudo, a “alma brasileira” a ser descoberta era o amálgama de tradições múltiplas e milenares e que, traduzido pela particular química que é o resultado da “feliz convergência das três raças[68] conformadoras do povo brasileiro pela “participação” indígena, pela “sobrevivência” negra e pela “permanência” portuguesa [69], fundia-o, sem confundi-lo, na “raça humana[70].


3. TRADIÇÃO, CIÊNCIA DO POVO [71]
São muitos os percursos empreendidos por Câmara Cascudo em sua bsca da “alma do Brasil”. No entanto a rota de seu particular descobrimento é sempre a da tradição. E é a análise de seu livro Tradição, ciência do povo que melhor permite mapear seus roteiros.
Quando publicou o livro Tradição, ciência do povo [72], Luis da Câmara Cascudo havia completado 72 anos. Já era então o etnógrafo respeitado e reconhecido internacionalmente, o grande folclorista brasileiro, glória intelectual norte-riograndense. Em Natal, era já o monumento-vivo que do casarão em que vivia da Ladeira que hoje leva seu nome, como um viajante peculiar, dedicava-se incessantemente a redescobrir o Brasil pelos roteiros da etnografia e do folclore.

Tradição, ciência do povo é um livro de maturidade, e não apenas pela idade e renome de seu autor ao publicá-lo, em 1971. É obra de escritor experiente sobretudo porque o livro reúne e sintetiza algumas das facetas mais significativas de seu autor, tanto pelos temas que aborda quanto pelo método de trabalho que nele explicita e põe em prática; tanto pela erudição impressionante que evidencia, quanto pelos conceitos com que opera; tanto pelo estilo todo seu da escrita quanto pelo caráter enciclopédico da maioria dos artigos reunidos no livro.
Livro composto a modo de uma sinfonia, os oito ensaios que o conformam são, como nas composições sinfônicas, precedidos por uma abertura, breve mas significativa. Nela o tema principal, retomado com variações em cada um de seus oito movimentos, aparece com clareza, e é assim explicitado pelo autor:
“A Memória é a Imaginação do Povo, mantida comunicável pela Tradição, movimentando as Culturas, convergidas para o Uso, através do Tempo. Essas Culturas constituem quase a Civilização nos grupos humanos. Mas existe um patrimônio de observações que se tornam Normas. Normas fixadas no Costume, interpretando a Mentalidade popular. (...) Não lhe sentimos a poderosa e onímoda influência como não percebemos a pressão atmosférica em função normal. Nem provocam atenção porque vivem no habitualismo quotidiano” P. 9.

É também nas duas páginas da “Introdução” que Cascudo define o método de trabalho presente em cada um dos capítulos e em tantos de seus outros trabalhos. Seu método parte da centralidade da noção de convivência, entendida como a síntese daquilo que no prólogo de sua obra maior, o monumental Dicionário do Folclore Brasileiro publicado em 1954, explicita como o protocolo de seu ofício, pelo cumprimento do que entende serem as três fases do trabalho folclórico e etnográfico, “colheita, confronto e pesquisa de origem” , ou seja, a escuta atenta dos informantes, o registro rigoroso das diferentes versões e a busca das origens entendidas como linhagem e constância cultural.
Para Cascudo, é a experiência vivida no sertão que legitima e sustenta seu trabalho. O sertão nordestino, “cenário de infância e juventude” (p.30) é considerado o lugar de seu verdadeiro aprendizado, uma vez que “a dura escola do Sertão ensina aos seus filhos num curso universitário vitalício.” (p. 53). Por atribuir tal importância ao aprendizado pela experiência sertaneja e à coleta das vozes populares, Cascudo pode afirmar que no livro “falará o brasileiro dos sertões, cidades-velhas, e praias, sem constrangimento e disfarce” (p.10), pressupondo uma impossível neutralidade na autoria. Esse pressuposto traz um corolário: para ele, não haverá incoerência entre a erudição evidenciada pelas numerosíssimas referências a leituras de clássicos da etnografia e folcloristas contemporâneos nacionais ou estrangeiros; fontes literárias das mais diversas escolas e latitudes,; historiadores e cientistas sociais; médicos e cientistas; cronistas, viajantes e memorialistas e a declaração de que o livro é escrito de forma a privilegiar “não bibliotecas, mas convivência” (p.10).
Método e tese central reaparecerão, com variações determinadas pelos temas tratados, em cada um dos movimentos desse livro sinfônico.
O primeiro ensaio, “Notícias das chuvas e ventos do Brasil” (pp. 11 a 27), recolhe ditos, tradições, superstições, provérbios e costumes brasileiros sobre chuvas e ventos. O segundo, “Meteorologia tradicional do sertão” (Pp. 28 a 54), analisa as tradições sertanejas sobre nuvens, tempestades, nevoeriros, arco-iris, remoinhos, fogos-fátuos, estrelas cadentes e previsão de chuvas, deixando transparecer a importância desses fenômenos para aquela terra em que a seca faz da água o bem mais preciado. A primeira frase deste ensaio merece atenção particular: “ O Povo guarda e defende sua Ciência Tradicional, secular patrimônio onde há elementos de todas as idades e paragens do Mundo” (P. 29). Nela Cascudo oferece ao leitor uma pista preciosa para entender uma das claves de seu pensamento sobre a cultura popular no que, para ele, representa a superação das limitações de tempo e espaço. O terceiro capítulo, “Botânica supersticiosa no Brasil” (pp 55 a 83) registra o significado e a simbologia atribuídos pelo povo às plantas.
O quarto texto, intitulado “Respingando a ceifa” (pp. 85 a 92), parece simplesmente acrescentar um adendo em que o autor complementa alguns aspectos referentes aos temas tratados nos três ensaios anteriores. Representa algo próximo a um “intermezzo” , na linguagem musical utilizada como metáfora expressiva do livro.
Em “O morto brasileiro” (pp. 93 a 105), quinto ensaio a compor o livro, Cascudo recolhe expressões, práticas e costumes sobre a morte e os mortos no Brasil. Também nesse estudo o autor volta a afirmar o argumento da cultura como locus de sedimentação, no presente, de tempos imemoriais ao afirmar que “Nós, mentalmente, continuamos. Somos uma seqüência, embora haja quem se julgue inicial. Nada do que existe, culturalmente, é contemporâneo. Flores de raízes milenárias” (p. 103).
O sexto capítulo, “Folclore do Mar Solitário” (pp. 107 a 115), procura justificar a hipótese de que essa é uma das “zonas brancas” (p. 107) do mapa do conhecimento etnográfico brasileiro, dado o pequeno número de análises sobre as tradições do mar e a cultura dos homens que dele vivem. O sétimo ensaio, “Os quatro elementos” (pp 117 a 144) , estuda as tradições populares relativas à terra, à água, ao ar e ao fogo, sustentando que, para o povo, “todo o elemento que possuir forma definida, limites no espaço, ação percebível [sic], características de permanência foi feito por Deus, tendo vontade, consciência e autonomia” (p. 117).
Por fim, o oitavo ensaio, já publicado com o título de Voz de Nessus em 1966 pela Universidade Federal da Paraíba, e intitulado “Para o estudo da superstição” (pp. 145 a 195), difere dos demais por sua natureza e funciona como o movimento final do livro-sinfonia, capaz de revelar ao leitor a força dos motivos que sustentam cada fragmento da composição. É o mais alentado e revelador dos estudos contidos no livro, e nele Cascudo procura definir as condições de contorno para o estudo da superstição no quadro maior do folclore, trazendo elementos teóricos, metodológicos e material empírico sobre superstições no Brasil.
Nesse oitavo estudo, em primeiro lugar, é possível encontrar pistas sobre a história do livro no conjunto de sua obra, porque data com exatidão o momento em que o interesse pela cultura popular se condensa. Como quem faz memória de sua trajetória intelectual, confidencia que “em 1918 apaixonei-me pela cultura popular, vivendo-a, procurando-a e amando-a” (p. 149). Pouco depois da confidência reveladora, situa em outra obra sua a origem do estudo publicado em 1966, que se desdobrará no livro de 1971:
para os ‘antecedentes’, entre 1921 e 1929, há registo [sic] nos Vaqueiros e Cantadores (Porto Alegre, 1939). Alí vereis, divertido [sic], as antiguidades teimosas da minha simpatia supersticiosa, na inicial trôpega.” (p. 149).

E, completando a arqueologia dessa sua obra, dá razão da escolha temática que a particulariza:
“O Povo, como as crianças e os `videntes` , têm a coexistência com o Impossível, para nós. O incrível é uma fronteira na ignorância assimiladora. A imaginação popular é memória viva das Ciências aposentadas pela Notoriedade”. (p. 118)

Em segundo lugar, é nesse ensaio que o autor situa-se no debate, candente desde a década de 50, que envolve a construção do folclore como campo intelectual no Brasil. Propõe um curso de Cultura Popular no último ano do colegial, capaz de, “pelo apelo ao raciocínio” , “dar combate ao dragão do tesouro imemorial” (p183) da superstição, ambígua personificação de nossos medos ancestrais que é simultaneamente “tesouro” - porque veículo de tradições imemoriais – e “dragão” – porque, sem as luzes da razão, é apenas crendice estéril -. E relativiza a oposição entre cultura letrada e cultura popular,
“(...) obstinadas paralelas inflexíveis, Pólux Universitário, Castor folclórico, imortais Dióscorus com lumes na testa: estrêla de livro, estrêla da conversa do povo, ad imortalitatem.” ( p. 182).

É ainda nesse último ensaio que, com maior precisão. define superstição como “sobrevivência de cultos desaparecidos” (p. 150), “uma técnica de caráter defensivo, no plano mágico” (p. 152) e estabelece a relação entre as práticas supersticiosas, a tradição e a cultura:
“a superstição é um fundamento da Cultura Popular, conservadora, defensiva da morfologia, concentrativa, impermeabilizante. Movimenta-se no plano da atualização mobilizadora. De superstitio passa a ser traditionis, entregar, tradere, transmitir. Não teria existência se não possuísse movimentação. “ (p. 176).

Como acorde final do livro-sinfonia, Cascudo retoma uma de suas teses mais caras, a da interpretação do Brasil e dos brasileiros como uma química que hierarquiza e qualifica a influência das três raças conformadoras do que somos.
“nós brasileiros, somos representantes, biologicamente resignados, de povos de alto patrimônio supersticioso. (...) O nosso alicerce consta de amerabas, portuguêses e africanos. (...)” (p. 156)
“Todas essas memórias ficaram vivas nas reminiscências brasileiras, nos giros e volteios da ebulição mental, presenças ativas na química de todos os pavores coletivos” (p. 157)
“A influência mais penetrante e profunda é a européia, via portugueses. Fornece o ácido para a prévia dissolução assimiladora e o conduto plástico para a incessante movimentação.” (...) “Na ordem quantitativa segue-se a sussurrada pelas vozes escravas, numa interminável conrtaminação do medo hereditário.” (...)” A menor percentagem é a do indígena, dono da casa que não tinha mobília para acomodar, suficientemente, um sistema de superstições circulantes.” (pp. 157 e 158)
“Com essas três fontes, não unitárias e homogêneas, mas vértices de ângulos com bases de extensão imprevisível, criou-se a superstição brasileira” (p. 158)

Ao terminar a leitura do livro-sinfonia, se atentarmos para o início de sua abertura, encontraremos a clave que permite a sintonia de todo o livro e fornece o diapasão do conjunto da obra folclórica de Câmara Cascudo, a tradição, entendida como ciência do povo, é caracterizada pela permanência, por ser quase intangível pela história e por remeter, através de cada manifestação particular, ao Universal e ao atemporal sempre buscados na cultura do povo que, para ele, “repercute, inalterável, a sonoridade das vozes avoengas” (p. 119)
:“Essas observações fixam imagens sem idade, resultados de longos e obscuros processos de raciocínio, critérios-soluções, herdadas, inderfomáveis, e reproduzidas íntegras, ante o automóvel e o avião. Comunicações sobre os fenômenos meteorológicos e a visão do Mundo natural numa recepção fiel a si mesmo. E gestos, frases, que perderam explicações e resistem na velocidade anterior, quase sem os atritos do Tempo” . (p. 10)


4. Descobrimentos.

Câmara Cascudo é “descobridor” paradoxal por excelência. É moderno ao escavar a rocha das tradições, mesmo ao negar para si esse e outros rótulos classificatórios[73]. E, ao percorrer os caminhos do sertão encontra nos mais simples os complexos segredos que permitem inaugurar rotas que parecem diluir espaço e tempo, unindo os mais recônditos espaços brasileiros ao alento cultural de regiões remotas de todo o globo; o mais particular dos objetos às formas expressivas da universalidade; a voz mais contemporânea ao eco de cantos ancestrais; o mais profano dos gestos ao território sagrado dos mitos de origem; o quotidiano à história; o popular ao mais preciado dos tesouros eruditos; a oralidade à escrita, o trabalho cotidiano com os fragmentos aparentemente desconexos com a possibilidade de desvendar, por fim, o que seja a cultura brasileira.
Sem abandonar nunca sua terra Natal, Cascudo viaja incessantemente, e é dele a melhor síntese dessa peculiar trajetória, escrita em 1968 na calma dos seus muitos anos vividos, num momento em que os mares da história do Brasil eram particularmente tormentosos. São afirmações que lembram, curiosamente, os relatos dos navegantes de sempre:
Nunca pensei em deixar minha terra.
Queria saber a história de todas as coisas do campo e da cidade.
Convivências dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço. Percepção medular da contemporaneidade. Nossa casa no Tirol hospedou a Família Imperial e Fabião das Queimadas, cantador que fora escravo. Intimidade com a velha Silvana, Cebola quente, alforriada na Abolição. Filho único de chefe político, ninguém acreditava no meu desinteresse eleitoral. Impossível para mim dividir conterrâneos em cores, gestos de dedo, quando a terra é uma unidade com sua gente. Foram os motivos de minha vida expostos em todos os livros. Em outubro de 1968 terei meio século nessa obstinação sentimental. Devoção aos mesmos santos tradicionais.
Meu povo tem a mesma idade para o interesse e a valorização afetuosa.
(...) Fiquei com essa missão. (...) Tudo tem uma história digna de ressurreição e de simpatia. Velhas árvores e velhos nomes, imortais na memória.”[74]

Cascudinho”, como era chamado por seus amigos mais íntimos, o menino rico e filho de coronel que conheceu a pobreza na juventude, se faz reconhecer e é reconhecido como “descobridor”.
Mário de Andrade, com quem trocou correspondência riquíssima entre 1924 e 1943, afirma que Câmara Cascudo foi “quem mais desenvolvidamente estudou o desafio brasileiro[75]. E, quando numa “carta triste[76] Mario critica duramente seus estudos históricos eivados de “ânimo aristocrático” e insta o amigo a abandonar a modorra da rede nordestina numa dessas reprimendas que só se pode fazer aos grandes amigos ao escrever “você precisa um bocado mais descer dessa rede em que você passa o tempo inteiro lendo até dormir. Não faça escritos ao vai-e-vem da rede, faça escritos caídos das bocas e dos hábitos que você foi buscar na cas, no mucambo, no antro na festança, na plantação, no cais, no boteco do povo[77], parece fornecer ao amigo o argumento decisivo para a definição de sua trajetória intelectual. Cascudo não desce da rede, mas descobre na Rede de dormir, como descobrirá na Religião no povo, nas Coisas que o povo diz, ou na Jangada complexos culturais capazes de revelar os caminhos da Civilização e cultura do Brasil.
Para Gilberto Freyre, Cascudo é “folclorista desdobrado em antropólogo cultural e historiador social[78]. E ainda que seja necessário aprofundar os conteúdos específicos, a partir da análise de suas obras, para os rótulos a ele atribuídos por Freyre, não cabe dúvida sobre a enorme distância que separa seus primeiros estudos históricos, tais como A intencionalidade no descobrimento do Brasil, ou O conde d’Eu - que Mário de Andrade critica tão duramente em 1937 -, eruditos e factuais, e a História da alimentação no Brasil ou a História dos nossos gestos , ou ainda em sua forma peculiar de cultivar os relatos orais como forma de acesso à uma história de Gente viva , Vaqueiros e Cantadores , homens do Norte e do Sul do país cujas vozes registrou e interpretou buscando nelas o eco da Alma patrícia.
Renato de Almeida, diplomata e articulador da Comissão de Folclore no interior do Institudo Brasileiro de Educação Ciência e Cultura, seguindo as orientações da UNESCO nos anos que se seguem ao pós-guerra [79], também reconhece em Cascudo um “descobridor”:

Antes de tudo é preciso salientar que em Câmara Cascudo o cultivo da sabedoria popular começou por uma posição de amor pela gente do povo, onde estão as nascentes do folclorista, que não fez o caminho inverso de chegar à cultura folk por motivações intelectuais. (...) a mensagem de Câmara Cascudo condensa o valor do folclore como ciência interdisciplinar, como inspiração da arte, como instrumento de técnica, como elo de continuidade nacional, como reflexo da unidade do espírito humano.”[80]

Ainda que sua participação na consolidação institucional do folclore no Brasil, muito oficialista e assentada na capital federal, seja “desfavoravelmete menor à importância de sua obra[81], como revela sua polêmica com Édison Carneiro, em torno a um artigo publicado em 1962 em que o diretor da Comissão em Defesa do Folclore Brasileiro ignorava a Sociedade Brasileira de Folclore que Cascudo fundara em Natal 1941[82], não cabe dúvida sobre a importância de sua obra monumental, em particular de seus livros de síntese entre os quais se destaca o Dicionário do folclore brasileiro mas que também compreendem a Superstição no Brasil, os Ensaios de etnografia brasileira e os Contos tradicionais do Brasil, que permitem identificar na Tradição, ciência do povo e, nas pesquisas etnográficas, a Cultura popular do Brasil , construindo assim uma Geografia dos mitos brasileiros.
É Jorge Amado que resume o perfil de “descobridor” de Câmara Cascudo, em texto brevíssimo, escrito na comemoração dos sessenta anos de “mestre Cascudo”, no qual fica também registrado, o embate dos intelectuais brasileiros com os conflitos do contexto bem como algumas de suas contradições, entre as quais o apego às pompas acadêmicas e à glorificação pública:

“Tão jovem aos sessenta anos, Mestre Luis da Câmara Cascudo cada dia redescobre o Brasil num dito popular, numa lenda, na realidade de um instante mágico, na mesa do almoço ante um prato de nossa culinária, na face do homem e na medida de uma existência vivida toda ela em função da cultura, da cultura brasileira. Eis um mestre de Brasil. Cascudo.
Estivéssemos num tempo menos melancólico e limitado, estivéssemos num tempo de democracia e cultura, e por toda parte do Brasil seriam levantados monumentos a esse homem que atravessou e atravessa sua existência (pobre de bens materiais e rica de alegria criadora) no estudo e na invenção da pátria, da verdadeira nação brasileira, do homem brasileiro.
Aqui, na minha homenagem de admiração e amizade, quero deixar uma pergunta: quando terei a alegria e a honra de votar em Luís da Câmara Cascudo para a Academia Brasileira?[83]


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Rio de Janeiro, julho de 2000.

Margarida de Souza Neves


[1] - citação de Herbert H. SMITH em Viagens pelo Brasil que serve de epígrafe ao Dicionário do folclore brasileiro de Câmara Cascudo.
[2] - CÂMARA CASCUDO, Luis da: “Prefacial” IN: Supertição no Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/EDUSP, 1985. O “Prefacial” vem datado de 7 de outubro de 1984.
[3] - O conceito de "cidade letrada", tal como aqui utilizado, remete-se à formulação de Angel RAMA: A cidade das letras São Paulo: Brasiliense, 1982.
[4] - Euclides da CUNHA: Os sertões. IN: Obra Completa. Vol. II. Rio de Janeiro: Aguilar Editora, 1966. p.231.
[5] - CÂMARA CASCUDO, Luis da: “Um provinciano incurável” IN: Província . Natal: IHGRN, 1968.nº 2, Pp. 5 - 6.
[6] - NEVES, Margarida de Souza e MATTOS, Ilmar Rohloff de : Monteiro Lobato, Cecília Meireles e outros “descobrimentos do Brasil”. Rio de Janeiro: PUC-Rio - Departamento de História/CNPq, 1996. (Projeto Integrado de Pesquisa, mimeo). P. 3

[7] - CÂMARA CASCUDO, Luís da: Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1954.
[8] - Esse item do Relatório, com algumas modificações, é uma das partes que compõem o artigo “a educação pela memória”, atualmente no prelo, e que abrirá o nº 1 da Revista Teias, publicada pela Faculdade de Educação da UERJ.
[9] Ecléa BOSI: Memória e Sociedade. Lembranças de velhos. Sâo Paulo: T. A Queiroz/EDUSP, 1987. (2ª edição).
[10] Marilena CHAUÍ: “Os trabalhos da memória”. IN: Ecléa BOSI: Op. Cit. Pp. XVII a XXXII.
[11] Para a identificação mais precisa desse número da revista Projeto História, ver nota 5 .
[12] Cfr. Donald SPENCE: o Palácio da Memória de Mateo Ricci.. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
[13] Frances A . YATES: The art of memory. Chicago: The University of Chicago Press, 1966.
[14] Paolo ROSSI: Clavis Universalis. Milâo: Mondatori, 1960.
[15] Cfr, a respeito da relação orgânica entre trabalho artesanal e criação no trabalho do artista em seu sentido mais preciso, Mario de ANDRADE: “ O artista e o artesão”. IN: O baile das quatro artes. São Paulo/Brasília: Livraria Martins/INL, 1975. Pp.9 a 34.
[16] Cfr. Jacques LE GOFF: “Memória” IN: Memória/História. Lisboa: Imprensa Nacional/Casada Moeda, 1984. P. 13.
[17] Em obra recentemente traduzida para o português, Tzvetan TODOROV assinala a inadequação da utilização da lexia “memória” para o componente dos computadores que designamos como tal, justamente porque os computadores ignoram a seleção. Cfr. Tzvetan TODOROV: O homem deseraizado. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 1999. P. 185.
[18] Margarida de Souza NEVES: “Os jogos da memória”. IN: Ilmar Rohloff de MATTOS (org): Ler e escrever para contar. Documentação, Historiografia e formação do historiador. Rio de Janeiro: Access, 1998. P. 208.
[19] Tzvetan TODOROV: Op. Cit. P. 124.
[20] - Gilberto VELHO: “Memória, identidade e projeto.” IN: IDEM: Projeto e metamorfose. Rio de Janeiro: ZaHar Ed., 1994.
[21] Mona OUZOUF: La Fête révolutionnaire: 1789 – 1799. Paris: Gallimard, 1976.
[22] Georges BALANDIER: O poder em cena. Brasília: U.N.B., 1980.
[23] Apenas a título de exemplo e para citar alguns estudos recentes, ver o estudo de Marttha Abreu ESTEVES sobre as festas religiosas no século XIX (O Império do Divino. Rio de Janeiro/São Paulo: Nova Fronteira/FAPESP, 1999.); a análise de Maria Helena CAPELATO sobre comemorações e propaganda política no varguismo e no peronismo (Multidões em cena. Campinas: Papirus, 1998); o estudo de Heloisa BARBURY sobre a importância da visualidade na celebração do progresso numa Exposição Internacional ( a Exposição Universal de 1889 em Paris. São Paulo: Edições Loyola, 1999) e o livro de João José REIS sobre ritos fúnebres e revolta popular na Bahia do século XIX (A morte é uma festa. Sâo Paulo: Companhia das Letras, 1991.).
[24] A expressão é da carta de Pero Vaz de Caminha.
[25] Não apenas no Brasil o século XIX foi fértil naquilo que Eric HOBSBAWM e Terence RANGER denominaram de A invenção das tradições. ( Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984).
[26] Sobre a construção do Estado Imperial, cfr. Ilmar Rohloff de MATTOS: O tempo saquarema. São Paulo/Brasília: Huicitec/INL, 1987.
[27] A expressão está retirada de Angel RAMA: A cidade das letras. São Paulo, Brasiliense, 1985.
[28] Sobre Macedo e sua atividade como intelectual e escritor de livros de História do Brasil para o uso das escolas no Império, cfr. Selma Rinaldi de MATTOS: O Brasil em lições. Rio de Janeiro: FGV/IESAE, 1991. (dissertação de mestrado. Mimeo.)
[29] Pierre NORA: “Entre mémoire et histoire: la problématique des lieux” ” IN: Pierre NORA (org): Les lieux de mémoire: la République. Paris: Gallimard, 1984. Pp. XVII a XLII.
[30] - Este item do Relatório será publicado em inglês no número especial da Revista Portuguese Literary and Cultural Studies. Dortmouth: Center for portuguese studies and culture/ University of Massachusetts, december 2000.
[31] "Cascudo não denomina realmente minha família paterna (...). Meu avô, Antônio Justino de Oliveira, (1829-1894), filho de Antônio Marques Leal, (1801-1891), vindo do português do mesmo apelido, era, nos últimos anos chamado o velho Cascudo, pela devoção ao Partido Conservador, também com essa alcunha. Dois filhos, Francisco, (1863-1935) e Manuel, (1864-1909), tiveram a idéia de juntar o Cascudo ao nome," Luís da Câmara CASCUDO: O Tempo e Eu. Confidências e proposições. Natal: Imprensa Universitária, 1968. Pp. 32 e 33.
[32] Câmara Cascudo foi membro da American Folklore Society; das Sociedades de Folclore do México, do Chile, da Bolívia, da Argentina, do Uruguai, do Perú, da Irlanda e da Inglaterra;da Sociedade de Geografia de Lisboa; da Société des Américanistes de Paris; da Societé Suisse des Américanistes; do Centro Italiano degli Studi Americani di Roma; do Instituto Português de Arqueologia, História e Etnologia; da Associación Española de Etnologia y Folk-lore; da Academia Nacional de Historia y Geografia de Mexico; da Comission Internationale des Arts et Traditions Populaires de Paris; da International Society for Folk Narrative Research de Gottingen, na Alemanha; da Academia das Ciências de Lisboa; Sócio Honorário da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia da Universidade de O Porto (Portugal) e recebeu a Honorary Life Membership of the American International Academy.
[33] O bairro da Ribeira é a zona de prostituição da cidade de Natal.
[34] Cfr. Luis da CâMARA CASCUDO: Vaqueiros e cantadores: Folclore poético do sertão de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1939.
[35] Sobre magia branca publicou em 1951 pesquisa e depoimento intitulado Meleagro, sobre superstições, publicou em 1958 Superstições e costumes, em 1966 Voz de Nessus (republicado em 1973 como um dos capítulos do livro Tradição, ciência do povo) e sobre amuletos, publicou em 1949 Gorgoneion.
[36] Luís da Câmara Cascudo: Trinta “estórias” brasileiras. Lisboa: Portucalense Editora, 1955. P. 13. Bibi, constantemente citada como sua informante privilegiada em diversas obras de Cascudo, chamava-se Luiza Freire.
[37] Cfr. Mario de ANDRADE: Enciclopédia Brasileira. São Paulo: Loyola/EDUSP, 1993. .
[38] IDEM. Ibidem. Pp. 22 e 6.
[39] Cfr. a entrevista de João Clemente Jorge Trinta, o Joãozinho Trinta, carnavalesco conhecido por suas ousadias inovadoras à frente das Escolas de Samba Beija Flor de Nilópolis e Viradouro. IN: Gildson OLIVEIRA: Câmara Cascudo. Um homem chamado Brasil. Brasília: Brasília Jurídica Editora, 1999. Pp. 357 a 359.
[40] Até 1988 o Dicionário teve seis edições.
[41] Luís da CâMARA CASCUDO: Dicionário do Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro, Institutto Nacional do Livro, 1954, p. XIII. No verbete sobre Jurupari o autor explica ser este um mito indígena, encarnação do espírito do mal, cujo conhecimento é reservado aos iniciados, homens que, ao alcançar a puberdade, dão prova de saber suportar a dor.
[42] IDEM: Vaqueiros e cantadores. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1939.
[43] IDEM: Op. Cit. 1954. P. XI.
[44] IDEM. Ibidem. P. XIII.
[45] IDEM: Lendas Brasileiras. 21 histórias criadas pela imaginação de nosso povo. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1988.
[46] IDEM: Coisas que o povo diz. Rio de Janeiro: Editora Bloch, 1968.
[47] IDEM: Cinco Livros do Povo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953; Contos tradicionais do Brasil. Rio de Janeiro: América editora, 1946.
[48] IDEM: Rede de dormir: Uma pesquisa etnográfica. Rio de Janeiro: MEC, 1959.
[49] IDEM: Jangada: Uma pesquisa etnográfica. Rio de Janeiro: MEC, 1957.
[50] Cfr., sobretudo, Civilização e Cultura: Pesquisas e notas de etnografia geral. Rio de Janeiro/Brasília, José Olympio /MEC-INL, 1973; Ensaios de etnografia brasileira. Rio de Janeiro: INL, 1971; Folclore do Brasil. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1967 e Tradição, ciência do povo. São Paulo: Perspectiva, 1973.
[51] Entre esses trabalhos, destacam-se O Conde D’Eu. São. Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933; A intencionalidade no descobrimento do Brasil. Funchal: Tipografia d’ “O jornal”, 1937 e História do Rio Grande do Norte. Rio de Janeiro: MEC, 1955.
[52] Luís da CâMARA CASCUDO: “O sorriso da história” . IN: A República. Natal: 04/01/1940. No conjunto de livros que podem ser considerados como pertencentes a essa categoria estão, por exemplo História dos nossos gestos: Uma pesquisa mímica do Brasil.São Paulo: Edições Melhoramentos, 1976 e História da Alimentação no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1967.
[53] IDEM: O tempo e eu. Confidências e proposições. Natal,Imprensa Universitária, 1968.; Ontem: Imaginações e notas de um professor de província. Natal: Imprensa Universitária, 1972; Pequeno manual do doente aprendiz: Notas e maginações. Natal: UFRN, 1969 e Na ronda do tempo: Diário de 1969. Natal: Imprensa Universitária, 1971,
[54] Luís da CãMARA CASCUDO: Canto do muro. Rio de Janeiro: José Olympio Editor, 1959. P. 266.
[55] Em 1999 foram localizados os originais de duas obras suas escritas na década de 30, uma história da aviação transatlântica intitulada No caminho do avião e A casa de Cunhaú, relato do massacre de um grupo de católicos no século XVII.
[56] Esse é o subtítulo do mais recente livro sobre Câmara Cascudo: cfr. Gildson de OLIVEIRA: Câmara Cascudo. Um homem chamado Brasil. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1999.
[57] Luís da CÂMARA CASCUDO: Tradição, ciência do povo. Op. Cit. P10.
[58] IDEM. Canto do muro. Op. Cit. P. 2.
[59] IDEM: Folclore do Brasil (pesquisas e notas). Rio de Janeiro/São Paulo: Fundo de Cultura, 1967. P 9.
[60] IDEM: Tradição, ciência do povo. Op. Cit.. Pp 9 e 29. O uso de maiúsculas no meio das frases para indicar a importância de uma idéia ou conceito, tal como neste trecho, é freqüente em Câmara Cascudo.
[61] IDEM: Contos Tradicionais do Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/ EDUSP, 1986. P. 15.
[62] IDEM: O tempo e eu. Confidências e proposições. Natal, Imprensa Universitária, 1968. P. 211.
[63] Luis da CâMARA CASCUDO: Folclore do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1967. P. 18.
[64] Lorelai KURY e Magali Romero Sá: “Os três reinos da natureza”. In: Carlos MARTINS (org) : O Brasil redescoberto. Rio de Janeiro: Paço Imperial/Minc-SPHAN, 1999. P. 29.
[65] Luis da CâMARA CASCUDO: Contos Tradicionais do Brasil. Op. Cit . P.15.
[66] IDEM: Literatura oral no Brasil. Rio de Janeiro/ Brasília: José Olympio/ INL, 1978. (2ª ed). P.16.
[67] IDEM: Tradição, ciência do povo. Op. Cit. p. 150.
[68] IDEM: Folclore do Brasil. Op. Cit. P. 101.
[69] A temática da fusão das três raças como uma reação química particular responsável pela identidade brasileira é uma constante na obra de Cascudo, e aparece longamente tematizada nos capítulos 3, 4 e 5 de Literatura oral no Brasil. Op. Cit. Pp 78 a 183. A mesma referência aparece desenvolvida e aplicada no livro História da alimentação no Brasil. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/USP, 1983.
[70] Luis da Câmara Cascudo: Canto do muro. Op. Cit. P. 58.
[71] Com algumas modificações, esse texto será publicado no Dicionário Bibliográfico de Câmara Cascudo, organizado por Marcos A SILVA.
[72] Luis da CÂMARA CASCUDO: Tradição, ciência do povo. São Paulo: Editora Perspectiva, 1971.
[73] - cfr. VERÍSSIMO DE MELLO: “A obra folclórica de Cascudo como expressão do movimento modernista no Brasil”. Mossoró: Coleção Mossoroense, nº 643. 1989. Ver também ARAÚJO, Humberto Hermenegildo: IN: O centenário de Luis da Câmara Cascudo. Http://www.rnonline.com.br/cascudo.html.
[74] - IDEM. IBIDEM. P. 6.
[75] - ANDRADE, Mário de: “O desafio Brasileiro”. IN: O Estado de São Paulo. 23/11/1941.
[76] - IDEM: Carta a Luis da Câmara Cascudo, escrita em São Paulo em 09/06/1937. IN: NADRADE, Mário de: Cartas de Mário de Andrade a Luis da Câmara Cascudo. Belo Horizonte, Villa Rica, 1991. P. 150.
[77] - IDEM. IBIDEM. P. 149
[78] - FREYRE, Gilberto: “Luis da Câmara Cascudo, antropólogo cultural.” IN: Província. Nº 2. Natal: 1969. Pp. 7 a 14.
[79] - cfr. VILHENA, Luís Rodolfo: Projeto e missão. O movimento folclórico brasileiro. 1947 - 1964. Rio de Janeiro: FUNARTE/FGV, 1997. Pp. 94 a 103.
[80] - ALMEIDA, Renato: “Pelo mundo folclórico de Câmara Cascudo”. IN: Província, nº 2. Natal: 1969. Pp. 7 a 14.
[81] - VILHENA, Luís Rodolfo: OP.CIT. P. 77.
[82] - CARNEIRO, Édison: “A evolução dos estudos de folclore no Brasil”. IN: Revista Brasileira de Folclore. Vol. 2. Nº 4. Rio de Janeiro: MEC, 1962. Pp. 39 a 42. APUD. VILHENA. OP. CIT. P. 313.
[83] - AMADO, Jorge: “ Mestre Cascudo, tão jovem”. IN: Província. Nº 2. Natal, 1969. P. 49. Grifos nossos.

 

 



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