CASCUDO, Luís da Câmara: Civilização e cultura. Pesquisas e notas de etnografia geral. Rio de Janeiro, José Olympio; Brasília, INL, 1973. - por Mirella Farias e Luiza Mello

ORIGEM DAS CULTURAS

  • Cascudo enumera diversas espécies de homens pré-histórico e busca neles a origem da cultura.
  • A memória histórica do homem não é capaz de reconstituir a origem das cultura e o processo de seu desenvolvimento. Tampouco a ciência o é, já que analisa períodos estanques perdendo a continuidade.

"Esse processo transfigurador da memória, desajustando e confundindo os elementos formadores do episódio, antecipando ou postergando a sucessão temática, interfere como auto defesa inconsciente e instintiva, perturbando a seqüência lógica da narrativa. Imagine-se há milênios...

A visão do homem pré-histórico padece dessas dificuldades. Reerguer as cidades em ruínas sem a orientação do plano anterior. Paisagens de intermitências que antes eram continuidades lógicas." p. 49

  • Cascudo parece aqui voltar a uma idéia central de Canto de Muro. A idéia de que a ciência não deve reduzir a explicação da supremacia humana em relação às outras espécies animais ao âmbito biológico orgânico – ainda que se esteja levando em conta a inteligência humana mais desenvolvida. Cascudo novamente coloca a questão da inferioridade instintiva do homem que o impede de se organizar tão perfeitamente como outras espécies. Contudo, ele as domina todas. No livro anteriormente citado, é a capacidade de produzir moral e, portanto, de viver em sociedade, que fundamenta a superioridade humana.

"Creio que do ponto de vista didático o nascimento da cultura humana iniciou-se com os vestígios materiais da indústria lítica, enfrentando pela inteligência o complexo atordoador da natureza hostil e virgem. Articulá-la com o esforço animal, na plenitude do instinto defensivo, é apenas um exercício intelectual em favor da ditadura biológica. Essa exaltação do orgânico em detrimento do social reduz a tenacidade do esforço humano, em centenas e centenas de séculos, ao humilhante plano da casualidade e do fatalismo, inaceitáveis ambos. Não sendo conhecida de doutrina alguma contemporânea a explicação, mesmo primária, do processo diferenciador dos primatas superiores ao Homo Sapiens, porque justamente o tipo menos biologicamente resistente foi o escolhido para a vitória fisiológica de todas as forças brutas, bestiais e telúricas, ensinar-nos da aprendizagem pela observação zoológica jamais provará porque o Rei da Criação, senhor das técnicas, não conseguiu a perfeição maquinal das formigas, das abelhas e dos castores. E continua tendo problemas de organização e de acomodação no meio dos semelhantes, inquietos e desconfiados." pp. 49-50

  • Senti grande dificuldade de articular esse trecho com o anterior. Parece-me que contradizem. Se antes Cascudo dizia que não se pode reduzir a cultura ao plano biológico, aqui parece afirmar, ao contrário, que a cultura é fruto das necessidades orgânicas do homem.

"Creio que a cultura nasce do útil-necessário, no ambiente do real imediato. Diante da premência da fome, frio e desabrigo, o primeiro material foi o mais próximo e a primeira técnica improvisada pela urgência vital." p. 50

  • Novamente, a cultura parece ser resposta às necessidades vitais do homem, embora Cascudo inclua aqui a noção de criatividade.

"Assim o homem – na manhã da sua existência no mundo – fixou as normas que simplificariam sua existência material e subordinou a técnicas, que a sucessão experimental foi tornando eficientes, uma conduta dentro das possibilidades da sua energia criadora." p.51

PALEOLÏTICO

  • Homo sapiens: o Rei da Criação.

"No Plioceno (...) Preparava-se para o próximo período triunfal em que chegaria o homem. Vamos dar um compasso de espera de mais de um milhão de anos antes que o palco se ilumine e o personagem principal comece a sua representação." p. 52

"Sempre mais simpáticos e emocionais para o homem foram os períodos do paleolítico, a fase longa da imensa noite da Pedra Lascada, quando o sapiens atravessou seu aprendizado atordoador, sagrando-se digno da posse da terra." p. 64

  • Cascudo faz as subdivisões do período paleolítico e expõe as características de cada um deles, tais como: locais; clima; instrumentos fabricados (que indicam o nível de desenvolvimento da cultura material); espécie de homem (Homem de Neandertal, Homem de Cro-Magnon) e sua relação com o Homo sapiens; alimentação, defesa; religião/forma de sepultar os mortos; comércio, quando há; inferioridade ou superioridade artística/forma de enfeitar o corpo; estrutura física do homem e da mulher. É interessante notar, nesse ponto, o estilo da escrita de Cascudo: ele enumera as características de forma esquemática, sem lhes dar uma continuidade no texto.
  • Origens. As civilizações contemporâneas são herdeiras das pré-históricas. Sua cultura material ainda é, ao menos em sua essência, movida pelas mesmas necessidades da Idade da Pedra.

"Do abstrato e discutido pré-chelense em diante nascem as culturas e vicejam as sementes de tudo quanto possuímos, desde o apito de osso até a desintegração atômica. A relação das Idades, e nestas os Períodos, destina-se a fixar o aparecimento tipológico das utilidades que vieram aos nossos dias e fazem parte, com as modificações lógicas, de nossas exigências habituais ou conhecimentos comuns, dentro da civilização em que vivemos." p. 55

  • Cascudo expressa sua erudição no assunto, expondo os debates intelectuais a respeito da existência ou das características de determinados períodos.

"Obermaier (1877-1947) foi profeta desta denominação e emprego didático, mas Marcelino Boule, prestigioso na época, não aceitou." p. 64

EPIPALEOLÍTICO

  • Origens e permanência. Somos herdeiros da cultura dos homens pré-históricos.

"(...) Um epipaleolítico, um pré-neolítico, um mesolítico, com suas culturas típicas e o aparecimento de padrões normais, alguns ainda viventes em nossos dias." p. 66

"O neolítico é uma Idade relativamente rápida mas doadora de padrões, de elementos de acomodação humana, de feição definitiva." p. 69

  • Cascudo faz uma classificação e caracterização dos períodos da mesma forma que fez para o paleolítico.

NEOLÍTICO

  • Origens e permanência. Está no neolítico a origem de vários aspectos da cultura material das civilizações posteriores.

"Durante o neolítico, entretanto, o homem adquiriu estados de significação eterna, formas de atividades que o empurraram para o futuro." p. 69

  • Crítica ao pragmatismo contemporâneo.

"O polimento teria feição estética, se é que a estética estava nos cálculos do homem neolítico, eminentemente prático e pragmático como muita gente contemporânea." p. 69

  • Cascudo faz uma classificação e caracterização do neolítico da mesma forma que fez para o paleolítico e para o epipaleolítico.

OURO, PRATA, COBRE, BRONZE, FERRO

  • Caracteriza a utilização desses metais em diversos locais do globo e em diversos períodos, marcando os progressos da cultura material da humanidade.

PRË-HISTÓRIA E PROTO-HISTÓRIA

  • Definição de pré-história e importância dada por Cascudo à escrita e à tradição oral na transmissão da cultura. Sem elas, para Cascudo, não há história.

"A pré-história é a exposição da atividade humana sem a precisão cronológica. Resumo das pesquisas geológicas, antropológicas, arqueológicas, tentando reconstituir e recompor o ambiente em que viveu o homem primitivo e ele próprio, normal e fiel.

A documentação pré-histórica é material. Falta-lhe a tradição verbal, herança mnemônica dos episódios vividos. Um tempo sem História. Cronos sem Clio. (...)

Até que o homem grafe seus pensamentos em formas comunicantes estende-se o domínio da pré-história." p. 94

  • Definição de proto-história.

"Entre a pré-História e a História está uma faixa de terreno baldio e difícil de arrotear. É a proto-História, a História sem Tempo, como a pré-História era o Tempo sem História. Aqui é Clio sem Cronos.

É a História sem cronologia escrita, tendo entretanto tradições, lendas, documentos gráficos, mesmo narrativas locais que não suprem o desconhecimento geral do conjunto." p. 95

  • Eurocentrismo?

"Na América a pré-História termina em 1492, com Cristóvão Colombo, e no Brasil em 1500, com Pedro Álvares Cabral."

 



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