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CÂMARA CASCUDO, Luis da: Folclore do Brasil (pesquisas e notas). Rio de Janeiro, São Paulo, Fundo de Cultura, 1967, por Joana Abreu • Ementa: Em Folclore do Brasil, Cascudo procura caracterizar "os elementos essenciais para uma visão do panorama folclórico brasileiro"(p.249), passando por suas danças, festas, comidas, lendas e contos. Como explica como explica no capitulo final, intitulado "Informação dispensável", neste livro Cascudo pretende situar tais elementos do folclore no tempo e no espaço, unindo estudos mais precisos ao que foi vivenciado por ele ao longo da infância sertaneja e do cotidiano provinciano. O livro é composto por dez capítulos intitulados, respectivamente, "Cultura Popular e Folclore" (pp.9-19), "Festas Tradicionais, Folguedos e Bailes" (pp.19-58), "Era Uma Vez…" (pp.59-99), "Bebidas e Alimentos Populares" (pp.100-120), "Visagens e Assombrações" (pp.121-154), "Dança, Brasil!" (pp.155-178), "Capoeira"(pp.179-189), "No tempo de Murici…" (pp.190-194), "Banhos de Cheiro" (pp.194-246) e "Informação Indispensável" (pp.247-252). A tese que orienta a elaboração dos capítulos do livro encontra-se sintetizada no primeiro e no último capítulos. Em "Cultura popular e folclore", capítulo inicial, Cascudo apresenta o que entende por folclore e ressalta a importância de se estudá-lo, "Todos os países do Mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes profissionais, possuem um patrimônio de tradições que se transmite oralmente e é defendido e conservado pelo costume. Esse patrimônio é milenar e contemporâneo. Cresce com os conhecimentos diários desde que se integrem nos hábitos grupais, domésticos ou nacionais. / Esse patrimônio é o FOLCLORE. Folk, povo, nação, família, parentalha. Lore, instrução, conhecimento na acepção da consciência individual do saber. Saber que sabe. Contemporaneidade, atualização imediatista do conhecimento." (p.9).E diz que "… o folclore e a cultura letrada, oficial, indispensável, [são] espécie de língua geral para o intercâmbio natural dos níveis da necessidade social"(p.18). No capítulo final, Cascudo explicita sua metodologia, a convivência: "Com essas reminiscências quero explicar que não encontrei o folclore nos livros e nas viagens. Não o estudei depois de vê-lo valorizado pelo registo. Encontrava nele as estórias do meu Pai, de minha Mãe, da velha Bibi, dos pescadores, rendeiras e cantadores, familiares."(p.248). • Interlocução: Documentação Histórica: Padre Manuel da Nóbrega (10), Padre Fernão Cardim (20, 21, 44, 47,54,155), Frei Vicente de Salvador (21,30), Lopes Gama (34,36,48,157), J. M. Cardoso de Oliveira (56), Garcia da Orta (107,190), Gabriel Soares de Souza (108,169,191), Padre Antônio Vieira (122), Joseph de Anchieta (147,154,199), Simão de Vasconcelos (147), Cristóvão de Acuña (147), frei Joseph de Queiroz, documentação do Santo Ofício (148), Ordenações do Reino (Livro V, Tít. LXX) (165), Gabriel Soares de Souza (191). Relatos de viagem: Henry Koster (43, 56,172), Emanuel Pohl (43,165), von Martius (44,56, 171,176), Saint Hillaire (44, 56,108), Debret (26), Weid-Neuwied (56), Alfred Russel Wallace (82,155,176), Karl von den Steinen (104,136), Hans Staden (141), Marcgrave (141, 191), Bates (176), Koch Grünberg (176), William Piso (191), Charles Frederick Hartt (123,152), Herbert H. Smith (152), André de Thevet (148), Jean de Lery (148,155), Avé-Lallemant (34,201), George Wilhelm Freyreiss (171), Tollenare (165), Stradelli (132,141,151,152). Historiadores e cientistas sociais: Fustel de Coulanges (11, 209), Capistrano de Abreu (109, 250), Hélio Viana (118), Menéndez y Pelayo(140), Gustavo Barroso (82), Rocha Pita (192), Nina Rodrigues (207), Max Muller (140), W. Robertson Smith (39). Informantes: D. F. S. S. L. (29), Sr. Milton Siqueira de Brito Vieira (51), ‘meu compadre José Aluísio Vilela’ (52), Luisa Freire, "a velha Bibi" (60,70,72), João Monteiro, ‘guarda municipal e vigia de um sítio de meu pai’ (64), Sr. João Massena (71), Francisco Ildefonso, ‘pescador na praia Areia Preta, Natal’ (74), ‘meu pai’ (75), ‘minha mulher’(78), ‘minha mãe’(84), Marechal Mariano Rondon (102), ‘a negra Simoa’ (108), Bruno de Menezes (133), ‘Francisco Teixeira, seu Nô, empregado de meu pai em Natal’(134), Luís Velho (135), Sra. C.C.G., ‘minha irmã de criação’ (195,197,217). Clássicos: Cícero (72,171), Tíbulo (171), Martial (171), Terêncio (171), Fedro (73), Ovídio (115), Petrônio (135,151), Aulo Gelo (147,152), Horácio (147), Virgílio (212), Montainge (248). . Santo Agostinho (147,152) Pesquisadores/coletores de contos populares: Antti Aarne (60, 66), Stith Thompson (60, 66), Teófilo Braga (64,70), Carmen Lyra (64), P. Sebillot (64), F.M. Luzel (64), George Laport (64), Emanuel Cosquin (64), Stanislau Prato (64), Emile Souvestre (64), Irmãos Grimn (650, Giambattista Basile (65), Yolando Pinto Saavedra (650, Flora Annie Steel (65), Aurélio M. Espinosa (65), Maria de Noguera (66,68), San José de Costa Rica(66), Rafael Cano (66), Arnon de Melo (66), Heli Chatelain (66), Leo Frobenius (66), René Basset (66,67), Blaisse Cendrars (66). Literatura: Domingos Caldas Barbosa (14), Melchior de Palau (15), Antônio Serrão da Costa (25), José de Alencar (56), Euclides da Cunha (56), Machado de Assis (124), Gonçalves Dias (148), Monteiro Lobato (150, 184), Manuel Antônio de Almeida (160), Belmiro Braga (176), Machado Coelho (195), Gil Vicente (106, 174), Antônio Prestes (119), Raul Bopp (88), João Ribeiro (190), Gaspar Correia (190), Afrânio Peixoto (190), Afonso Arinos (139). . Mário de Andrade (210) Etnógrafos/folcloristas: - Clássicos da entografia: Frazer (27), Mannhardt (27), van Gennep (27) - Espanhóis: Nieves de Hoyos Sancho (29,43), Luis de Hoyos Sáinz (29), Mestre Rodríguez Marín (15) - Portugueses: Cláudio Basto (18), Luis Chaves (28), Fernando de Castro Pires de Lima (A Nau Catarineta, 42). - Outras nacionalidades: Antonio Pereira Salas (Chile, 56), Fernando Ortiz (Cuba, 207), Lydia Cabrera (Cuba, 207), Juan Ambrosetti (Argentina,149,151), Albano de Neves e Souza (Luanda, ‘poeta, pintor, etnógrafo’ 184,186), Frobenius (África,143), Walter Krickeberg (143). - Brasil: J. M. Cardoso de Oliveira (BA, 14), Eneida (História do Carnaval no Brasil, 25), Alceu Maynard Araújo (SP, 35), Édison Carneiro (180,201), Sílvio Romero (35, 36, 39, 40, 42, 160), Bernardino José de Souza (12, Ciclo do Carro de Bois no Brasil), Koseritz (RS, 14), J. Simões Lopes Neto (RS, 14, 141,147), J.M. Cardoso de Oliveira (BA, 14), Pereira da Costa (PE, 31), Augusto Meyer (Guia do folclore gaúcho, 42), Guilherme de Melo (44), Guilherme Santos Neves (Espírito Santo, 46), Melo Morais Filho (BA, 46, 49, 53, 148, 160), Augusto Severo (RN,148), Nuno Marques Pereira (52), Theo Brandão (53), Domingos Vieira Filho (Maranhão, 53), Mário Ipiranga Monteiro (Amazonas, 53), Manuel Querino (53,160,201), Renato Almeida (História da Música Brasileira, 58), Oneyda Alvarenga (Música Popular Brasileira, 58), Couto de Magalhães (65, 68, 137, 141,142, 144,149,150) José Calasans (BA, 116), Leonardo Mota (49,116,119), Moysés Vellinho (RS, 128), Basílio de Magalhães (130,139), Manuel Ambrósio (41,131), Vale Cabral (139), Barbosa Rodrigues (142,144, 151, 168), Brandão de Amorim (142), Eduardo Galvão (142,143,144,202), Renato Braga (192), Bruno de Menezes (Pará, 195,198,241), Oswaldo Orico (198), Machado Coelho (218-transcrição do texto Banhos de cheiro, defumadores e pós de milonga). . Não sei: Eugênio D’Ors (13), Brewton Beery (13), Max Schimidt (35), John Rooussell, Bartlett (40), Ernesto Bozzano (140), Guyau (10), Henri Donteville (247, 252). • Fichamento: 1. Cultura popular e o folclore (pp.9-19): - Um dos mais importantes capítulos do livro para se entender a importância que Cascudo atribui ao estudo do folclore. - Folclore: - Cascudo apresenta o que entende por folclore e enfatiza a importância de se estudá-lo. - Rejeita a idéia de que o folclore pode acabar com a modernização - "Dispensável é qualquer discussão sobre a permanência do folclore no tempo e no espaço. (…) Inútil será pensar que o desenvolvimento industrial anulará o folclore. Fará nascer outro. Essencial é deduzir que o folclore é uma cultura mantida pela mentalidade do homem e não pelo material manejado. O material é que será modelado, elevando-se a um motivo criador. Para que desapareça é preciso que sucumba a própria função. Sempre foi assim, na história do mundo. (p10) " - Enfatiza a continuidade de tradições no tempo e no espaço - "Nós somos, em alta percentagem, uma continuidade com raras mutações"(p.10). "O folclore sendo uma cultura do povo é uma cultura viva, útil, diária, natural. O folclore é o uso, o emprego imediato, o comum embora antiquíssimo. As raízes imóveis no passado podem ser evocadas como indagações da antiguidade. O folclore é o uso, o emprego imediato, o comum embora antiquíssmo. Como o povo tem senso utilitário em nível muito alto, as coisas que vão sendo substituídas por outras mais eficientes e cômodas passam a circular mais lentamente, sem que de todo morram.(p.12)". Entre as páginas 10 e 12 apresenta exemplos da continuidade de diversas tradições, apresentando suas características no tempo e lugar de possível origem e no presente. - Segundo Cascudo, nós (?) somos formados pela convergência dessas diversas continuidades de tradições com origens remotas – "Essas pequeninas citações apenas positivam a convergência de elementos que ajudam a formar o nosso cotidiano."(p.11) - Distingue folclore e cultura popular – "O folclore é o popular, mas nem todo popular é folclore. A Sociedade Brasileira de Folk-Lore (1941) fixou as características do conto, a estória, como tive a inicial coragem de usar em 1942, e que coincidem com o fato folclórico: a) Antiguidade/ b) Anonimato/ c) Divulgação/ d) Persistência"(p.13). - Explica o processo de incorporação de um motivo pelo o folclore, de "reajustamento para o folcórico"(pp.14-16). Ao fazê-lo, ressalta a autenticidade presente nos elemenos folclóricos – "…somente o tempo, dando-lhe a pátina da autenticidade a fará folclórica. A autenticidade é o resumo constante e sutil das colaborações anônimas e concorrentes para sua integração na psicologia coletiva nacional"(p.14). - Apresenta uma visão de povo como aquele que conserva as próprias tradições: "No campo ergológico o povo conserva o seu patrimônio tracional, móveis e utensílios nos formatos antiquados que muito lentamente vão sendo mudados. (…) é todo um mundo ainda defendido, quanto possível em quinhentos anos de fidelidade inabalável. (p.16/17). Mais adiante, citando Cláudio Bastos, diz: "O povo é um clássico que sobrevive" (p.18). - Logo em seguida conclui: "Quanto pode o folclore revelar ao sociólogo, ao pesquisador da psicologia coletiva, ao pré-historiador, as continuidades, variantes e constâncias de objetos e de hábitos miraculosamente mantidos…" (p.17). Obs: Por relacionar-se ao popular e, assim, conservando-se ‘na medida do possível’, o folclore parece ser revelador das ‘continuidades’ que ‘nos fazem’. Ainda que não saibamos, está presente em nossa identidade; revelador de nós mesmos e de nossas origens e filiações. - Ainda sobre folclore: Cita algumas dificuldades encontradas para seu estudo, entre elas a ausência no currículo universitário; critica a ‘pseudo-erudição’ que teima em desqualificar o folclore; elogia esta atividade definindo-a como uma ciência da cultura popular: "Prejudica o folclore a sua aparente facilidade, a humildade plebéia dos motivos pesquisados, sua ausência no currículo universitário. (…) A compreensão está limpando os horizontes deste nevoeiro da pseudo-erudição. A justificação é o próprio elogio do folclore, a ciência direta, desinteressada, antidemagógica, da cultura popular. (p.17). - Coloca o folclore ao lado da cultura letrada, afirmando serem eles os dois lados de nossa cultura, que se complementam, nos definem e caracterizam nossa vida mental: "Nascemos e vivemos mergulhados na cultura da nossa família. Dos amigos, das relações mais contínuas e íntimas, do nosso mundo afetuoso. O outro lado da cultura (cultura, fórmula aquisitiva de técnicas, e não sinônimo de civilização) é a escola, a universidade, bibliotecas, especializações, o currículo profissional, contatos com os grupos e entidades eruditas e que determinam vocabulário e exercício mental diversos do vivido habitualmente. Vivem, numa coexistência harmônica e permanente, as duas forças de nossa vida mental. Non adversa, sed diversa. Potências de incalculável projeção em nós mesmos, o folclore e a cultura letrada, oficial, indispensável, espécie de língua geral para o intercâmbio natural dos níveis da necessidade social"(p.18). 2. Festas tradicionais, folguedos e bailes (pp.19-58) - Neste capítulo Cascudo fala dos autos de Natal, principalmente o Bumba-meu-boi, dos fandangos, da Chegança, das Congadas, do Pastoril, da festa do Divino, da Vaqueijada. Em cada um desses itens preocupa-se em caraterizar sua origem no tempo e no espaço, procurando assim responder às questões de onde vieram essas tradições, por que regiões geográficas passaram até chegar ao Brasil, quais as mudanças sofridas ao longo desse caminho nos significados atribuidos a elas, por que regiões do Brasil elas se espalharam e quais as diferenças existentes entre elas em cada uma dessas regiões. - Cascudo inicia o capítulo comentando as festas do Carnaval, de São João e do Natal, que "centralizam no Brasil as maiores e mais numerosas convergências dos folguedos populares"(p.19). Até a p.27 comenta as mudanças e a incorporação de elementos indígenas e negros por estas festas portuguesas que chegaram ao Brasil. Diz que "O português não podia deixar de trazê-la para o Estado do Brasil, adaptando-a ao mundo espantoso que povoava. Indígenas e africanos aderiram imediatamente ao culto envolvente, acolhedor e fácil" (p.28). - Demonstra preocupação com a origem destas festas. Cascudo caracteriza a festa de São João em Portugal e muitas vezes ainda mapeia origens mais remotas de determinados elementos da festa (ex.: "Os portugues trouxeram da China, na segunda metade do século XVI, os foguetes, petardos, bombas, as bichas-de-rarbear, que se divulgaram em potugal…No Brasil espalhou-se o costume em finais do século XVIII (p.29). - Na p.33 começa a falar sobre autos de Natal, principalmente o bumba meu booi, percorrendo algumas de suas variantes no território brasileiro. Sobre o Bumba-meu-boi no Maranhão comenta: "É o único made in Brazil em quase todas as suas peças e no seu dinamismo lúdico. Só a figura é que viajou de Portugal, mas no Brasil pastoril desdobrou-se, infinitamente longe da limitada habilidadede espalhar os curiosos às cornadas, como começara sua existência no folclore nacional, meados do século XVIII, segundo deduzo."(p.37). - convergência - "Esse pormenor existe em autos e festas populares pela a Europa e América Latina, sem nenhuma relação com enredo do nosso folguedo. Algumas vezes ocorre esse epsódio, voltando o boi a viver e bailar. Noutras regiões, fazem a partilha, original e peça por peça. (p.39) . - Nacional/regional: "Mateus é mais nacional; do Pará a santa Catarina e pelo interior de Pernambuco e Alagoas ambos os vaqueiros são ‘Mateus’. Cattirina era velha figura na Bahia e recente no Nordeste. Em Alagoas denominava uma réstia de cebolas com que Mateus se armava."(p.40) - Na p.40 começa a falar de fandangos. Origem: "O número das danças incluidas no fgandango-baile é interminável. Cada uma delas possui coreografia, letra e solfa, originando-se em Portugal, vindas através dos Açores, Cabo Verde ou diretamente; da espanha, pelos países lindeiros, e de procedência nacional, adaptando fauna e flora, tatu, annu, balaio, crá…." (p.40) "É um auto acentuadamente português, exaltação aos navegantes lusitanos, mas não existe em Portugal."(p.42) - Continua falando da chegança, congos e pastoris. – convivência: "Falando no queima da lapinha, que a todos comovia, lembro o no queima do bumba meu boi, a que já assisti."(p.51) - Modernização/ mudanças: "Outrora possuiam elementos básicoa, idênticos correlattos. Hoje modificam-se ao sabor das predilecões locais e sucessivas, impulso de novidades, projeção de modelos longínquos, imposta pela voz das emissoras, televisão, revistas ilustradas, cinema, sugestào de ‘viajados’, de reação estática, de ânsia remodeladora"(p.51). - Antiguidade: "Dispensável acentuar a antiguidade dessas danças armadas, sacerdotes sálios em Roma, dedicados a Marte, dança dos coribantes, os matassins, matachin, populares no século XVI e que Fernão Cardim presenciou em São Paulo, 1954…"(p.54). 3. Era uma vez… (pp.59-99) - Este capítulo é sobre contos populares. Cascudo refere-se ao conto popular como sabedoria humilde e iniciação à cultura geral: "As estórias que ouvimos quando crianças constituem a iniciação à cultura geral. Por elas, antes de qualquer outro texto, aprendemos as noções claras de Justiça, a soberania da Bondade, o inevitável castigo ao Mau. (…) Lendas emocionais e adivinhações sugestivas, anedotas irresistíveis, tudo concorre para encontrarmos nessa sabedoria humilde as abundâncias suficientes à nossa curiosidade nascente. É um curso fácil, ameno, agradável, que valorizamos na maturidade. Nenhuma surpresa encontraremos no trajeto social porque já tínhamos um exemplo burlesco ou trájico, numa estória entendida na infância. O caso animal antecedera o epsódio humano." (p.59) - A tese central do capítulo está sintetizada nas duas primeiras páginas (59 e 60). Estão presentes as idéias de convergência de motivos e de universalidade do conto popular, a preocupação com a origem e com a transmissão dos contos, rastreando-os ‘como um caçador’, ‘através dos continentes e do tempo’ e a admiração por encontrar temas eruditos entre o povo: "Esses contos, tão variados e complexos, desde a inclusão do aspecto maravilhoso e cômico, pertencem, de modo geral, ao patrimônio de todos os povos da terra e são convergentes de soluções encontradas nas culturas mais distantes. Os contos nativos, próprios, típicos, são raríssimos. (…) Cada conto é uma foz onde chegam as águas de rios incontáveis. Esse processo exigiu séculos e séculos e a sua transmissão vez por outra aparecce como um problema. Há uma biblioteca especializada na espécie. Já nos é, mais ou menos, possível acompanhar uma estória através dos continentes e do tempo, como um caçador segue a denúncia do animal perseguido pelos vestígios do rastros. Quase todos os livros publicados no assunto registram as variantes da estória que são os rastros na quarta dimensão, no tempo. Impressionante é que uma velha humilde e analfabeta, vivendo e morrendo em uma limitadíssima área geográfica soubesse contar estórias que vieram da Índia, pela Pérsia, e divulgada pelos árabes, pelas edicões em latim, estórias quase íntegras, apenas com a deformação que o ambiente determina para a sua adaptação compreensiva. Luísa Freire, "a velha Bibi", ama em nossa casa estava nesse nível. Publiquei um volume inteiro (Trinta estórias brasileiras, Porto, 1959) ouvindo-a narrar o que lera nos livros eruditos, de minha parte assombrado pelos milagres daquela jornada pelos continentes e séculos ". (p.59/60) - Expõe sua divisão do conto popular, feita "no ângulo do assunto e não dos motivos formadores reunidos"(p.61): Contos de encantamento, contos de exemplo, contos de animais, contos religiosos, contos etiológicos, contos de adivinhação, contos acumulativos, natureza denunciante, demônio logrado, ciclo da morte, contos sem fim. Comenta: "No meu Contos Tradicionais do Brasil (Confrontos e notas, Bahia, 2ed,1955) documentei suficientemente essa classificação, que tem o pecado de ser brasileira."(p.61) - Narra então um conto de cada divisão, afirmando antes que "Todos foram lidos ou maiormente ouvidos e registados no Brasil"(p.61). Em cada seção, após a narrativa do conto, Cascudo diz de quem ouviu a história e enumera uma série de livros, de diversas nacionalidades, onde podem ser encontradas diferentes versões do mesmo conto. - ‘Rastreamento’ da origem, exemplo: "A estória teria vindo da região onde o cão fosse animal impuro e repugnante ao contato. A indicação da Índia impunha-se. a origem é realmente indiana e o conto figura em pelo menos quatro fontes mais antigas e prestigiosas…(p.69). "É uma estória africana inteiramente adaptada aos contos brasileiros, ambiente, fauna, flora, costumes."(p.67) - Cultura letrada e popular: "E de Cícero, Fedro terminou na retentova memorial da velha Bibi, que morreu sem aprender a ler." (p.73) "Não há epsódio mais divulgado pelo mundo letrado e popular."(p.75) "Meu pai e a velha Bibi jamais leram essas fontes mas a estorieta estava no repertório de ambos, na distância social e letrada que havia entre senhor e empregada."(p.93) - Continuidade "Deixo o encanto de ouvir como contemporânea uma estoriazinha que já era antiga há oito séculos."(p.80). "Uma estória emocional circulando há mais de dois mil e quinhentos anos!"(p.85) - Povo: "Em todos os folclores do mundo o povo explica, ao seu sabor, as peculiaridades dos animais curiosos (…)."(p.74) "Normalmente está [a lenda] ligada a uma aparição divina ou intervenção de santos, provocando uma estória respeitosa que o povo guarda na memória e vai repetindo através dos anos."(p.87) "Lenda, de legenda, legere, afirma a origem letrada do processo mas o povo conserva a faculdade criadora nos seus próprios assombros. Rara será uma delas que no terá semelhanças noutras paragens do mundo."(p.89) – convergência. 4. Bebidas e alimentos populares (pp.100-120) - Capítulo sobre comidas, hábitos alimentares e superstições que envolvem o cozinhar. É muito forte a idéia das três raças formadoras: "…indígenas, portugueses e africanos sudaneses e bantos, formadores do cidadão brasileiro…"(p.100). Convergência –"Quando chamamos comida negra no Brasil é, quase totalmente, uma feliz convergência das três raças gulosas. - Folclore e etnografia: "O problema é fixar-se o que é folclórico e o que pertence à Etnografia nessa viagem pela alimentação popular brasileira. Os dedos da mão são independentes, mas a utilidade máxima é o movimento conjunto. O lore alimentar não compreende apenas a especificação dos gêneros e as técnicas da elaboração culinária de indígenas, portugueses e africanos sudaneses e bantos, formadores do cidadão brasileiro, mas também quanto se refira ao complexo de superstições e amuletos benéficos, vivo nas velhas cozinhas domésticas."(p.100) - Nacional/convergência: "A feijoada completa é uma glória maciça da culinária nacional porque nenhum outro povo a possui nos seus pormenores, embora se glorifique de pratos ainda mais complicados e perturbadores, ‘cozido à portuguesa’ e a ‘olla española’, com muitos ingredientes básicos da feijoada. Todos os pratos ‘nacionais’ são convergências experimentais, construídos lentamente, fundados na observação e no paladar."(p.101) "O cardápio brasileiro é uma incessante manobra aquisitiva de valores sápidos. Quanto tivemos do ameraba e do africano no século XVI transformou-se nas vilas e cidades, ajustando-se ao sabor reinol, ao tempero português, às exigências da aparelhagem cozinheira européia (…). Foram os pontos de partida para as nossa refeições. Hove um processo aculturativo incessante e que não terminou. Conservam às vezes o nome, africano ou indígena, mas quase nada existe de autêntico na substância real. No primeiro caso, o vatapá e a feijoada completa. No segundo, o caruru, a moqueca de peixe." (p.101) - Contribuição dos indígenas para a culinária brasileira – pp.101-104. - Contribuição dos africanos na culinária brasileira – pp.104- 106 - Portugueses – pp.106- superioridade culinária dos portuguese? "O condimento dispõe o sabor que é o ajustamento com o paladar, mistério de culturas antes das raças e das raçasantes de uma cultura formal. Os escravos negros e as cunhãs não podiam pressentir a delicadeza, finura, milagres de intuição, contidos numa pitada de sal. (…) Tanto mais simples, mais difíceis. A mucama e a cunhã não podiam saber essa metafísica sempre experimental. Receberam as bases com a velha ama portuguesa e, as mais vivas, voaram sozinhas, nos firmamentos do bem cozinhar, uma arte…(p.110). - Tempo: "Naturalmente cada iguaria tem uma história através do tempo."(p.101) "Tanto mais ornamental, variado e sugestivo for o acepipe, mais novo na quarta dimensão."(p.101) - Apresenta diversos casos e exemplos do ‘folclore da cozinha’, como "Simpatias para não queimar a comida e tabus para o fogo conservar-se equilibrado"(p.111). "Na História da Alimentação no Brasil (2o tomo) compendiei muitas superstições, ouvindo velhas cozinheiras."(p.112) - Povo: "Para o povo toadas as coisas desempenham funções conscientes" (p.112) - Nacional – "A jinjibirra era bebida quase nacional, indispensável nas festas pelos sertões e litoral no ambiente pobre. Hoje é outro sinônimo da cachaça, mas resiste na sua autenticidade. Bebida fermentada, espumante, inicialmente foi feita com gegibre, ginger-beer na Inglaterra, de onde nos viera a denominação, nacionalizou-se com o jenipapo, água, açúcar, cremor de tártaro, fermento de padara ou um ácido cítrico."(p.115) - "A regra etnográfica é que o homem assa e a mulher cozinha."(p.120) - "Como a maior influência alimentar no Brasil foi a portuguesa, esse processo não alcançou o povo…"(p.120) 5. Visagens e assombrações (pp.121-154) - Sobre mitos e histórias como a do lobisomem, da mula sem cabeça e saci. - Também aqui é forte a idéia da constituição por índios, negros e portugueses, que se modificaram e ajustaram-se, pelo processo de aculturação. "Todas as assombrações e visagens que povam as águas, serras e cidades do Brasil, as que aparecem nas estradas e ruas desertas às horas abertas, meio-dia e meia-noite, crepúsculo matutino e vespertino, modificaram-se sensivelmente desde o século XVI. Receberam influêncua recíproca e a fauna espantosa, que os cronistas encontraram nas primeiras décadas do descobrimento, teve cores e formas impostas pelos entes mágicos e recém-chegados de Portugal e dos sertões africanos. Todos os que se pareciam, irmanaram-se, permutando valores equivalentes. Qui se ressemble sássemble. Só poderiam, evidentemente, cumprir a mensagem do terror ajustando-se ao entendimento receptivo dos futuros apavorados. Indispensável que tomassem aspectos capazes da determinação terrífica. Assim, os nossos monstros aceitaram o processo aculturador para adaptação psicológica ao novo ambiente, com os brancos portugueses e os pretos da África Oriental e Ocidental."(p.121) "Essa conversa propedêutica facilitará uma visão conjunta dos nossos assombros. Fantasmas e seres pavorosos que estarreciam o português há cinco séculos, embarcaram para o Brasil e aqui tomaram nomes indígenas."(p.122) - Nacional: "A Iara já completou cem anos de nacionalização. Usucapião centenário. Inderrogável."(p.122) - Sobre seu estudo: "Muitos anos ofereci de meus estudos a essa laboriosa inutilidade erudita de caçar monstros e medos e guardá-los numa Geografia dos Mitos Brasileiros, terminada em 1940, publicada em 1947."(p.124) - Origem: "Quando se diz europeu, entenda-se que a Europa, no mínimo, foi o entreposto exportador, mas nem sempre a origem. Assim para os mitos indígenas. Desceram do norte; mas de onde? Houve no continenete algumas civilizações poderosas: incas, astecas, maias, que foram centros convegentes. Naturalmente existe uma bibliografia respeitável no assunto mas, no plano da informação limpa e lógica, muito pouca coisa realmente conhecemos. Interpretações. Intuições. Palpites com ares de revelação estonteante. (…) Os livros e as viagens trazem a surpresa das semelhanças imprevistas. Todos os cemitérios se parecem, dizia Machado de Assis."(p.124) - Convergência/universalidade: "Quando alguém estuda a mecânica funcional desses entes fabulosos, a maneira pela qual cada um deles exerce sua função aterradora, e compara, confrontando o processo de agir com outros modelos distanciadíssimos no tempo e no espaço, os resultados são acabrunhantes para quem os julgasse típicos e característicos de uma região determinada. Não falo do lobisomem, que é universal, mas do Saci-Pererê, tão brasileiro na zona meridional."(p.125) - Cultura – popular/letrada: "Em qualquer corte geológico encontramos o basalto fundido, inicial, seguindo-se o basalto sólido; o granito subsequente e, ao final, à superfície do solo, os depósitos sedimentares. Esses mitos do pavor constituem o basalto das crenças do povo em qualquer paragem do mundo. No princípio não se explica o fenômeno ameaçador, teme-se. Timor deorum origo, de Petrônio, Lucrécio, Estácio. As aquisições sistemáticas, obtidas nos cursos primário, secundário, universitário, funcionam como o granito, a informação orientadora, oficial, comum, indispensável, estabelecendo a unidade regular e normativa da cultura ‘nacional’. As leituras, metódicas ou tumultuosas, viagens, intercâmbios, atividades da inteligência individual, as iniciativas mentais, valem os depósitos sedimentares, constantemente resolvidos pela renovação do conhecimento. É o esquema da geologia geral de nossa percepção."(p.125) "As diferenciaçãoes da cultura, entre os homens isolados e os grupos coletivos, estão no derradeiro grau, no mais alto nível da pirâmide. Descendo, ampliando-se a base demográfica, até alcançar o alicerce basáltico dos sedimentos primários do homem, todos os povos têm, mais ou menos, as mesmas reações em face aos idênticos motivos provocadores."(p.125) - povos primitivos: "As crianças e os povos de cultura primária ficam na mesma possibilidade crédula, na mesma disponibilidade para temer e amar o maravilhoso, o inexplicável, o sobrenatural, porque todas as coisas são para eles maravilhosas inexplicáveis e sobrenaturais. Estão mais próximos das fontes iniciais da sociedade, memórias e sensibilidades sem o acervo orientador da cultura posterior, e oficialmente básica."(p.126) - Tese: "Na igualdade dos níveis as águas se reunem, naturais e fáceis, na horizontalidade das superfícies intelectuais. É o mesmo perfil das cordilheiras. Unidade nos fundamentos e distinção orgulhosa nos píncaros."(p.126) - "Correspondendo às áreas de função, esses entes espantosos dividem-se em gerais, regionais e locais, ou, mais administrativamente: federais, estaduais e municipais."(p.126) - índios, portugueses e negros (p.127). - Importância do folclore: a ‘unidade emocional brasileira: "Por isso o folclore é um fator preponderante na unidade emocional brasileira, incessante e poderoso na força de aproximação, intimidade, sentimento, fusão psicológica, ternura lírica, vibração moral. O idioma não é um vínculo permanente de coesão. Exemplo irrespondível nos povos de língua árabe, alemã, castelhana, aqueles na África e Europa, estes na América. Nem os próprios elementos étnicos, partindo, para nós, do indígena, que o jesuíta afirmava ser o aniamal mais raro e inconstruível que Deus criou. Um fundamento de constante coesão é a cultura tradicional, legítima, radicular, sentida, vivida pelo povo."(p.128) - "No folclore, essa fauna miraculosa classifica-se, quanto à função, nos Mitos de Transformação, subdividindo-se em Punição e Encantamento, e os Permanentes, que mantêm a imutável forma exterior."(p.129) - Modernização: "Creio que a luz elétrica obriga esses velhos diabretes a recuar e diluir-se para os recessos mais obscuros. Para que vivam, alguns sofrem adaptações atualizadoras, mas outros, indeformáveis, fojem do contato com os homens e residem longe de suas pompas e problemas." (p.143) 6. Dança, Brasil! (pp.155-178) - Sobre danças como ciranda,samba, quadrilhas e valsas. - Contribuição na nossa formação de índios, negros e portuguese. Como nos capítulos anteriores, parece prevalecer oa elementos portugueses: "Antes de o primeiro brasileiro nascer, indígenas, portugueses e escravos já dançavam há muitos séculos"(p.155) "Diga-se da colaboração portuguesa que é fundamental. Para sua atração coreográfica convergiram as lúdicas indígenas e negras."(p.173) "A gente vivaz, espirituosa, pronta ao remoque, maliciosa e sentimental, que está em Gil Vicente, veio para o Brasil trabalhar, cantar, dançar, morrer, deixando a raça brasileira sem problemas étnicos, anulados pelo abraço ecumênico do português."(p.174) danças, inicialmente religiosas - busca pela origem - "Se a roda girar de mãos dadas a origem não é africana nem a meríndia. É da Europa, das danças aldeãs ao som de gaita de fole, rabeca ou pífano, cujo melhor tipo ainda vivo é a Farândola."(157) "Esse processo não é português e não tenho documentação para afirmá-lo africano."(p.169) - as de formação mais estilizada – "Ao lado dessas danças vulgares e sem idade no tempo, existem as de formação mais estilizadas, recriações ou ajustamentos para salões, com pares unidos e ao som de melodias concordantes."(p157) - Povo – conservação: "A sociedade dançou muito depois do povo. As festas oficiais começaram com as recepções dos vice-reis no Rio de Janeiro na segunda metade do século XVIII. As festas, antes eram as da Igreja. O povo é sempre dançou suas danças, como ainda costuma, acima de qualquer figurino momentâneo. Tem suas predilações seculares e é fiel aos seus ritmos. A ‘gente bem’aceitará todos os exotismos contorcionistas e bárbaros. O povo segue ‘sambando’, inalterável."(p.157) "De 1800 a 1864 centenas de dança tiveram sua voga e morte fatal. Foram aos salões fidalgos e aos casinos, aclamadas. Desapareceram. As do povo seguem vivendo indeformadas, insubimissas aos padrões da notoriedade imperiosa."(p.159) - índios, portugueses e negros (p.166 e 167) - Folclore X Indianologia: "Não desapareceram na motivação contemporânea, mas já não se acusam nas alegrias do ritmo popular brasileiro. Pertencem ao domínio da Indianologia, mas não ao folclore brasileiro. Continuam cantados e bailados, mas não alcançam a contemporaneidade nacional. É como vivessem no século XVI, soando aos ouvidos de Hans Staden e de Claude Abbeville."(p.170) "O brasileiro, entertanto, nasceu bailarino. Com o ritmo no sangue, a recriação animada, imprevista surpreendente."(p.171) - fala da castanhola o sapateado, a umbigada – "Três elementos, em algumas danças brasileiras, [que] merecem informação", buscando suas origens. - "Para a exposição do assunto, as danças naturalmente são gerais ou regionais As gerais são o Samba, de par, com posições ad libitum do cavalheiro, respeitando o compasso. Em qualquer ponto do Brasil onde o Samba for ouvido, será dançado. Ninguém o ignora."(p.176) - Conclui o capítulo; "E não apareceu outra forma, expressiva e profunda, desde o bailado do rei Davi à Roda-Pagode alagoana nas margens do São Francisco, mais intuitiva da alegria solidária e natural Àquele que, com Amor imortal, move il sole e l’altre stelle."(p178) 7. Capoeira (pp.179-189) - Descreve a prática da capoeira, procura suas origens na África e a origem do nome capoeira. - "No Dicionário do Folclore Brasileiro (2ed, Rio de Janeiro, 1962) reuni quanto pude na espécie, inclusive bibliografia essencial. Lá está toda a minha ciência capoeira"(p.180). 8. No tempo de murici (pp.190-194) - Estudo sobre um "provérbio brasileiro" – em tempo de murici, cada um cuide de si -, em que Cascudo busca o significado da palavra muirici, percorrendo textos como os de garcia Orta e Marcgrave e contrapondo a interpretações de outros estudiosos que analisaram o significado do provérbio. Finaliza o curto capítulo: "Assim entendo o provérbio. Legítimo adágio brasileiro, referindo-se a uma fruta popular no Brasil"(p.193). 9. Banhos de cheiro. Defumações. Defesas mágicas. (pp.194-246) - Cascudo fala sobre esses banhos, que são preparados com ervas e plantas, atendendo a diferentes objetivos. Inclui neste capítulo um texto inteiro de Machado Coelho e outro de Bruno Menezes. Como diz, o primeiro "Regista a industrialização do banho de cheiro e defumadores nas fábricas locais e do sul do Brasil, com mercado consumidor, inevitável e normal", enquanto o segundo é fruto de uma visita ao "mercado tentador do Cheiro-Cheiroso em Belém"(p.195). Cascudo inclui ainda um documentário com receitas de banhos de cheiro, enviado pela senhora C.C.G., preocupando-se em não realizar alterações ortográficas no texto que lhe foi enviado. - Sobre seu inetresse sobre o tema:"Interessou-me sempre a cultura popular amazônica, entrevista nas confidências naturalistas do século XIX. E mais ainda os elememtos independentes da defesa letrada, mantidos pelo povo na predileção consuetudinária, inalterada e teimosa. Não apenas os mitos e as lendas, mas o cotidiano sempre esteve para mim na classe preferencial. A terapêutica, as fórmulas tradicionais de guardar a saúde, os remédios que provocam a intervenção sobrenatural, o homem, bicho da terra tão pequeno, subalternizando os deuses ao serviço da conservação pessoal, dispondo as forças mágicaspara seu estado de tranquilidade, impunham-me poderosa atração pesquisadora. Todas essas regras mergulham no Tempo e perdem as raízes na imensidade da quarta dimensão. Mais ignorante é quem ri do que quem usa…"(p.194) 10. Informação indispensável (pp.247-252) - Um dos mais importantes capítulos do livro, em que define seu método – convivência - e expõe as intenções dos estudos presentes neste livro: "Aqui deixo um a visão essencial do panorama folclórico brasileiro. Um tanto de cada espécie. O fundamento bibliográfico consta para evidenciar a importância do material exibido."(p.249) - Começa com um pequeno relato autobriográfico em que Cascudo conta escreve sobre sua infância no Sertão e relembra Natal dos anos 30. Como diz, "Com essas reminiscências quero explicar que não encontrei o folclore nos livros e nas viagens. Não o estudei depois de vê-lo valorizado pelo registo. Encontrava nele as estórias do meu pai e de minha mãe, da velha Bibi, dos pescadores, rendeiras e cantedores, familiares."(p.248) - Província - vantagem metodológica: "Ter permanecido na Província, provinciano incurável, dizia-me Afrânio Peixoto, constituiu-me uma fonte de informação, na mesma autoridade das outras, com a vantagem de não poder ser enganado pela imaginação da burla, podendo confrontar as notícias no processo da equivalência." - "Tentei situar no tempo cada elemento tratado neste livro para não fazê-lo reportagem. Foi esse o critério fundamental." - Origem: "O critério desta minha resenha é a fixação do elemento popular quando em maior área de função, e não no plano do indiscutido interesse local. / Atendeu-se essencialmente ao exame daspossíveis origens e um tanto de análise, acima da sugestão descritiva, imediata e colorida."(p251) - Na p.250 expõe o assunto tratado por cada um dos capítulos do livro. - Sobre o estudo do folclore no Brasil – críticas: "O folclore brasileiro merecerá maioridade doutrinária quando possuir o conhecimento em extensão nacional. Com várias zonas surdas, parcialmente revelada aos estudiosos de outras paragens, não deverá fixar o cardápio sem saber o que existe no seu mercado popular. / Estamos preocupados com a cúpula do nosso edifício ainda nos primeiros andares. Ainda na colheita e armazenamento dos materiais. Namorados, discutindo o sexo do primeiro neto".(p251) - "…a concordância plena é no Brasil uma forma de submissão intelectual e a exceção arguida é atitude de libertação…"(p.251) - Finaliza o capítulo criticando a ausência do folclore do currículo universitário e visão de certos letrados e educadores acerca do folclore, defendendo a necessidade de estudos sérios dedicados ao folclore. "A necessidade de valorizar o estudo da cultura popular deveria orientar-se na evidência de sua utilidade indispensável. A impressão comum, entre letrados e educadores no exercício da orientação pedagógica, é que o folclore é um documentário de curiosidades. De exotismos e material plástico proporcionador de matutismos regionalismos, sobrevivências do falso inetrior, do falso rosseiro, do inexistente tabaréu das revistas teatrais de outrora, farto, pascácio e lorpa. Sugere uma exposição de salvados resíduos, restos mortos de culturas defuntas, boiando inconscientes, à tona da memória coletiva." "Assim, vemos a exclusão sistemática da cultura brasileira do currículo universitário, nas faculdades de filosofia e letras e dos próprios cursos de Jornalismo. O diplomado deveráimprovisar conhecimento sempre que estiver olhando um elemento comum da vida tradicional. Técnico em tudo. Autodidata na cultura vulgar e secular, normal e diária, do seu país. (…) Professores e jornalistas, e mesmo rapaz-que-fez-um-curso, não encontrarão oportunidades maiores para informar sobre civilizações clássicas mas o cotidiano brasileiro obriga-o a opinar sobre as constantes e permanentes da própria vida nacional. (…) A resposta será um aimprovisação hábil, uma convergência de leituras despreocupadas e de intuições ocasionais, sob a égide, nem sempre feliz da agilidade mental. Mas nunca a curiosidade se limita ao plano material e sim ao encanto misterioso da origem. Por que isso é assim? Vezes o informador é um erudito, noutras disciplinas e para quem o Folclore é uma pilhéria, e dá resposta digna de gigante-de-pedra estremacer. Estamos diante de fatos. É tempo de atendê-los, como merecem. É indispensável lembrar que, no domínio da Cultura Popular, não há o direito de substituir a verdade pela imaginação…"(p.252) - Data e assina: Cidade do Natal, outubro de 1964. 377, Av. Junqueira Aires Luís da Câmara Cascudo • Observações: - Como nos dois livros já lidos, as epígrafes são muitas e significativas: - Je n’ensegne point, je raconte. Montaigne (p.9) - Le Créateur, en obligeant l’homme à manger pour vivre, l’y invite par appétit et l’en recompense par le plaisir. Brillat-Savarin (p.100) - O medo é crédulo. Padre Antônio Vieira (p.121) - Après la panse, la danse. (p.155) - Camarada, tóme sintido, Capoera tem funadamento. Cantiga de Capoeiras Baianos (Manuel Querino) (p.179) - …julgo ser melhor curar-se a gente com um tapuia do sertão, que observa a natureza com mais desembaraçado instinto e com mais evidente felicidade. D. Frei de São Joseph Queiroz, 4o Bispo do Grão-Pará (1760). (p.194) - On va au loin et l’on délesse ce qui est proche. Henri Dontenville (p.247) - É fortíssima no livro a presença da tese das três raças, com a sobreposição da influência portuguesa sobre as outras duas. - O livro parece reunir assuntos já tratados por Cascudo anteriormente, algumas vezes com mais detalhes, em outros livros frequentemente citados. O livro a que mais se refere é o Dicionário do Folclore Brasileiro. - Ainda que em alguns capítulos, Cascudo traga bastante fontes bibliográficas, o método da convivência parece ser o essencial. A respeito da bibliografia é interessante o comentário feito no último capítulo: "O fundamento bibliográfico consta para evidenciar a importância do material exibido."(p.249). A convivência diz respeito mais `a vivência cotidiana, do que a experimentação e observação esporádicas como as propiciadas por viagens – cf.p.248. - Presença de coloquialismos. Exemplo: "Mahezu, como dizem em Luanda: acabei."(p.18) - Contraposição (já notada em Tradição, ciência do povo) entre povo e elite, cultura popular e cultura letrada, ainda que elementos populares estejam presentes na cultura da elite, o povo não possui a formação letrada desta. Confira a metáfora do basalto (p.125) e os dois lados da cultura a que Cascudo se refere na p.18 (citados no fichamento dos cap.5 e 1). - A modernização não parece ser vista negativamente, apesar das mudanças que provoca. Cf. p.10, 51,143. - É frequente a idéia de conservação e permanência associada a povo. - Por relacionar-se ao popular e, assim, conservando-se ‘na medida do possível’, o folclore parece ser revelador das ‘continuidades’ que ‘nos fazem’. Ainda que não saibamos, está presente em nossa identidade; revelador de nós mesmos e de nossas origens e filiações. - O folclore é associado à autenticidade: "…somente o tempo, dando-lhe a pátina da autenticidade a fará folclórica. A autenticidade é o resumo constante e sutil das colaborações anônimas e concorrentes para sua integração na psicologia coletiva nacional"(p.14). - O Folclore aparece como essencial na integração nacional e sentido de identidade – p.128. - É forte a presença da busca pela origem dos elementos folclóricos. Esta busca leva a um ‘rastreamento’ da ‘irradiação’ desses elementos no tempo e no espaço geográfico. - Defende tanto no capítulo inicial quanto no final o estudo do folclore nas universidades. - São importantes as idéias de permanência e continuidade, contemporaneidade e convergência. "Nós somos, em alta percentagem, uma continuidade com raras mutações"(p.10) "Essas pequeninas citações apenas positivam a convergência de elementos que ajudam a formar o nosso cotidiano."(p.10) "Deixo o encanto de ouvir como contemporânea uma estoriazinha que já era antiga há oito séculos."(p.80). - A província lhe é uma fonte de autoridade -"Ter permanecido na Província, provinciano incurável, dizia-me Afrânio Peixoto, constituiu-me uma fonte de informação, na mesma autoridade das outras, com a vantagem de não poder ser enganado pela imaginação da burla, podendo confrontar as notícias no processo da equivalência." - A província (‘velha Natal’) também parece ser, ao lado do Sertão, elemento de identidade brasileira cf.p.248. |