CÂMARA CASCUDO, Luis da : Tradição, ciência do povo. Pesquisas na cultura popular do Brasil. São Paulo, Editora Perspectiva, 1971; por Margarida de Souza Neves

Coleção Debates. (199 pp.)

• Ementa:

Livro composto por oito ensaios etnográficos, segundo o autor "algumas investigações na Ciência do Povo Brasileiro" p 10, feitos de forma a privilegiar "não bibliotecas, mas convivência" p. 10 , e a partir do que foi visto e vivido "na adolescência sertaneja e maturidade urbana".

A tese central pode ser encontrada na primeira frase da "introdução", que justifica o título do livro: "A Memória é a Imaginação do Povo, mantida comunicável pela Tradição, movimentando as Culturas, convergidas para o Uso, através do Tempo." P. 9. Assim como no trecho que destaca a relação entre o particular das manifestações da cultura popular com o Universal e atemporal: " O Povo guarda e defende sua Ciência Tradicional, secular patrimônio onde há elementos de todas as idades e paragens do Mundo". P. 29

O primeiro ensaio, "Notícias das chuvas e ventos do Brasil" (pp. 11 a 27), recolhe ditos, tradições, superstições, provérbios e costumes brasileiros sobre chuvas e ventos. O segundo, "Meteorologia tradicional do sertão" (Pp. 28 a 54), analisa as tradições sertanejas sobre nuvens, tempestades, nevoeiros, arco-iris, remoinhos, fogos-fátuos, estrelas cadentes e previsão de chuvas; o terceiro, "Botânica supersticiosa no Brasil" (pp 55 a 83) registra o significado atribuído pelo povo às plantas; o quarto "Respingando a ceifa" (pp. 85 a 92), parece simplesmente um adendo aos três ensaios anteriores. O quinto ensaio , "O morto brasileiro" (pp. 93 a 105 recolhe expressões, práticas e costumes sobre a morte e os mortos no Brasil. O sexto, "Folclore do Mar Solitário (pp. 107 a 115, procura justificar a hipótese de que essa é uma das "zonas brancas" (p. 107) do mapa do conhecimento etnográfico brasileiro, dado o pequeno número de análises sobre o tema. O sétimo ensaio, "Os quatro elementos" (pp 117 a 144 , estuda as tradições populares relativas à terra, à água, ao ar e ao fogo, sustentando que, para o povo, "todo o elemento que possuir forma definida, limites no espaço, ação percebível (sic), características de permanência foi feito por Deus, tendo vontade, consciência e autonomia" p. 117. O oitavo ensaio, já publicado em 1966 pela UFPa, "Para o estudo da superstição" (pp. 145 a 195), é o mais alentado, e nele o autor tenta definir as condições de contorno para o estudo da superstição trazendo elementos teóricos, metodológicos e material empírico sobre a superstição no Brasil.

• Interlocução:

Etnógrafos:

Clássicos da etnografia: Boas (epígrafe); Frazer (30, 80; 115, 123 – The folk-lore 1n the old testament – 1918,); Lubbock, Tylor, Lang, Mannhardt, Saint Yves (30, 128), Axel Munthe (39); Paul Sebilot (127); Van Gennep (127); Mistral (129); Walter Hough Fire and the origin Myths of the New World – 143).

Etnógrafos portugueses: Augusto Cesar Pires de Lima (11, 95); Francisco Carreiro da Costa (11); J. Leite de Vasconcelos (Tradições populares de Portugal30, 108; 119, 130); Teófilo Braga (108); Claudio Basto (119).

Etnógrafos espanhóis e hispano-americanos: Jose Ramón y Fernandez Oxea (Galícia) (11); Rigoberto Paredes (Boliviano -152), Julio Vicuña Cifuentes (Chile – 159)

Autores citados como etnógrafos brasileiros: Filgueira Sampaio (CE - 12 ); Comte. Pedro Tupinambá (AM - 12 ); Pereira da Costa (PE - 128, 161 ); Getúlio Cesar – agrônomo nordestino – 25, 76, 51, 161); Peregrino Jr. (50); F. C. Hoehm (ervanário – SP- 58); Pe. Carlos Teschauer (avifauna e flora – 20, 60); Nunes Pereira (índios mauês – 64, 143); Augusto Severo ( RN – 77); João Ribeiro (80); J. Simões Lopes Neto ( RS – 98); Leonardo Mota (Violeiros do Norte – 90); Saul Martins (MG – 124); Rubens de Mendonça (128); Brandão de Amorim (AM - 143); Barão de Studart (Antologia do Folclore Brasileiro – 161); Gonçalves Fernandes (NE – 161), Manuel Quirino (161); Artur Ramos (161); Edison Carneiro (161), Leonardo Mota (161)

Dicionários e obras de referência: Júlio Nogueira: dicionário dos Lusíadas (21); Bernanrdino José de Souza: Onomástica Geográfica Brasileira (21); Moraes e Silva ( muitas citações, 22, por ex.); Alfedo Matta: Vocabulário Amazonense (62); Larrousse (82); Aurélio Buarque de Holanda (citado como "Glossário" 98)A de Chesnel (Dictionnaire des superstitions, erreurs, préjugés et traditions populaires (1679 a 1741 – 152).

Literatura; Camões (21); José de Alencar (22); Carlos Drummond de Andrade (24); Gil Vicente (25, 139,141); Euclides da Cunha ( 25, 52, 98); Renan (30; 146, 148, 155); Vieira (18. 31, 103); José Gomes de Souza Gadelha (31); Alcântara Machado e Luis Edmundo (33); Jacques Voragine (La légende dorée – 35); Gonçalves Dias (epígrafe, 35,150); Emílio de Menezes (82);; Julio Ribeiro (91); Machado de Assis (93); Afrânio Peixoto (96, 97); Jean Cocteau (105); Byron (105); Correa Garção (105); Tomás Antonio Gonzaga (citado como Critilo – 150); Jean Baptiste Thiers (152); Kaarle Krohn (154); Gilberto Amado (164), Erns Robert Curtius (Mistérios e realidades deste e do outro mundo – 166 e 167); Alexandre Herculano (179)

Clássicos: Rousseau (118); Hesíodo (91,109, 125); Aristófanes (31); Lucrécio (32); Plínio (115); Shakespeare (115); Montaigne (148, 167); Ovídio (149), Horácio (155), Pascal (156,183)

Médicos: Fernando São Paulo (Linguagem médica popular no Brasil – 25, 101); Torres Homem (Elementos de clínica Médica – 101); Charcot (epígrafes e 118, 180); Freud (118, 166, 181), Agripa de Nettesheim (tb doutor em Kabala – 1527 – p. 167)

Historiadores e cientistas sociais: Maurice Halbwachs (10) Foustel de Coulanges (103); Tobias Monteiro (102); Gustavo Barroso (O Sertão e o Mundo 80, 92); Carlos Malheiros Dias (112); Menendez y Pelayo (115); Kaarle Krohm p. 118; Levy-Bruhl (118); Capistrano de Abreu (143); Spengler (" na versão de Morente" – 146, 193); Henry Steele Commager (159); Samuel Eliot Morison (159); Ortega y Gasset (193)

Agrônomos: Francisco de Assis Iglésias (89); Galileu (118)

Memorialistas e cronistas: Afonso de Freitas (25); Gastão Cruls (92, 125) João Luso (pseudônimo de Armando Erse de Figueiredo – 103); Rodrigo Otávio (173)

Bíblia: (23, 43, 56, 120, 121, 122", 130, 140)

Documentação Histórica: Diário de Navegação de Pero Lopes de Souza (18; 111, 191); Documentação do Santo Ofício (88); Frei Antonio de Santa Maria de Jaboatão (99); Gabriel Soares de Souza (56. 71; 111); Garcia da Horta (69); Fernão Cardim (90); João Teixeira (111); código de Hamurabi (178)

Astrônomos: Pe. Jorge O’Grady de Paiva (47);

Relatos de viagem: Afonso Lopes Vieira (46); D. Pedro II (na BA – 59); W Dampier e Paulus Van Caarden (70); Raymond Mauny (70); Martius (71, 139, 161, 162); Frei João dos Santos (87); Koster (99, 139, 161); Joan Nieuhof (115); Saint Hilaire (133, 162); Karl von Steinen (133); Franz Casper (133); Henry Walter Bates (136, 139,142); Wied-Neuwied (139), Naterer (139); Spx (139); Wallace (139); Spruce (139); Karl von den Steinen (139, 143); Ehrenreich (139), Debet (162); Rugendas (161), Luccock (161), Emanuel Pohl (161,162) Tolenare (161)

Revistas especializadas: 30.

Informantes: 86; 87; Gal. Cordeiro de Faria (14); D. Carolina Michaelis de Vasconcelos (40); Msgr. Alfredo Pegado de Castro Cortez (67); "minha mãe" (75); o pescador Chico-Preto (Francisco Ildefonso, 1894-1966 P. 119); o poeta Deolindo Lima (126); Mestre Filó e os jangadeiros Benjamim e Francisco Camarão (...) José Justino e Manaus (128 e 129); prof. Celestino Pimentel (134), José Gomes da Maia Monteiro (farmacêutico em Natal – 163)

Mario de Andrade: 86; 87. Alusão memorialística importante p. 171

Benditos, rezas (35); cantigas (113)

"Doutores da Seca": "Jerônimo Rosado, Desembargador Filipe Guerra (89), Eloy de Souza, Joaquim Inácio de Carvalho Filho (...) esses tinham os sertão nas veias." (42)

Pesquisadores de literatura oral na Africa: Chatelain, Bleek, Callaway, Buttner, Koelle, Junod (todos p. 160)

• Fichamento:

[Introdução] pp. 9 e 10

A Introdução é breve (duas pp.) e particularmente significativa do ponto de vista das teses do autor.

"A Memória é a Imaginação do Povo, mantida comunicável pela Tradição, movimentando as Culturas, convergidas para o Uso, através do Tempo. Essas Culturas constituem quase a Civilização nos grupos humanos. Mas existe um patrimônio de observações que se tornam Normas. Normas fixadas no Costume, interpretando a Mentalidade popilar. (...) Não lhe sentimos a poderosa e onímoda influência como não percebemos a pressão atmosférica em função normal. Nem provocam atenção porque vivem no habitualismo quotidiano" P. 9.
  • Vem datada e assinada da seguinte forma:

Cidade de Natal

Março de 1970

Luis da Camara Cascudo

  • Apresenta o livro e seu significado, na visão do autor:

"Aqui reuno algumas investigações na Ciência do Povo Brasileiro. Ciência no plano da concordância e da compreensão geral. Constituem bases inamovíveis para o Julgamento anônimo, para a apreciação e mesmo percepção do fato social e econômico. Fundamentos na Memória, a "Memória Coletiva" de Halbwachs.

Falará o brasileiro dos sertões, cidades-velhas, e praias, sem constrangimento e disfarce." P 10

  • Define o método usado:

(...) "Não bibliotecas, mas convivência" p10

  • Já de início destaca que a tradição, entendida como ciência do povo, é caracterizada pela permanência, por ser quase intangível pelo tempo e por remeter, através de cada particular, ao Universal:

"Essas observações fixam imagens sem idade, resultados de longos e obscuros processos de raciocínio, critérios-soluções, herdadas, inderfomáveis, e reproduzidas íntegras, ante o automóvel e o avião. Comunicações sobre os fenômenos meteorológicos e a visão do Mundo natural numa recepção fiel a si mesmo. E gestos, frases, que perderam explicações e resistem na velocidade anterior, quase sem os atritos do Tempo" . p. 10

  • Esclarece que o ensaio sobre a superstição (o oitavo do livro), já havia sido publicado anteriormente (em 1966) pela Universidade Federal da Paraíba, e que é reeditado com "algumas alterações, sem modificação nas conclusões" p. 10.
  • Define, na última frase da Introdução, o objetivo do livro (e talvez de todo o seu trabalho):

"Ouviremos a Tradição, Ciência do Povo..." p. 10.

  1. Notícia das chuvas e dos ventos do Brasil. Pp 11 a 27.

Chuvas:

  • Denominações dos vários tipos de chuva no Brasil, tradições ligadas às chuvas no Brasil.

Ventos:

  • Idem em relação aos ventos.
  • Afirma a ausência na tradição dos "nossos avós amerabas" (26) de uma mitologia ligada ao vento. Na cultura popular, a maior referência "é relativa aos famigerados "Ares", portadores de todos os Bens e de todos os Males, sob o complexo da tradição supersticiosa" p 26
  1. Meteorologia tradicional do sertão:
  • Frase de abertura do ensaio: " O Povo guarda e defende sua Ciência Tradicional, secular patrimônio onde há elementos de todas as idades e paragens do Mundo". P. 29
  • Na introdução, além de citar autores os mais variados, invoca sua memória de menino sertanejo como argumento de autoridade: "Pertenço a famílias do Sertão onde vivi e deixei já rapazinho. O material desse depoimento constitui cenário de infância e juventude. Gado, cavalo, vaqueiros e cantadores. Residindo em Natal, a casa de meu Pai era o ‘Consulado do Sertão’ , cheia de exilados das caatingas e derrubadas. Como não entender a referência temática de minha Raça? A imagem que me aplicavam na inquietação menina, ainda emprego, maquinalmente, aos netos inocentes de Sertão: ‘Você está adivinhando chuva’? p. 30

Viagens, leituras, convivência, a cátedra, não apagaram o menino sertanejo. Essas informações são quase autobiográficas." p. 30

Nuvens:

  • Assinala que as imagens populares a respeito das nuvens, que as imaginam como um receptáculo finos, incolores e transparentes que bebem a água através de um filamento como uma tromba, não são originárias dos " ameríndios, ou negros africanos sudaneses e bantos, que a sabiam também. Era o classicismo em Roma. Atenas. Índia." P. 32.
  • Tradições a respeitos de nuvens.

Nevoeiro:

Remoinhos:

Calor e frio:

Arco-Iris

Fogo Santelmo ou Corpo-Santo:

Estrêla cadente:

Fogo Fátuo:

  • Tradições, ditados, versos populares e explicações sobre esses fenômenos. Comparações entre as tradições brasileiras e outras tradições a esse respeito.

Adivinhando chuva:

  • O Universal no particular: "Existem no Brasil, e universalmente, fórmulas da previsão tradicional para o conhecimento do futuro Inverno. Deduz o Povo o prognóstico de vegetais, animais, aspectos atmosféricos, nuvens, estrêlas, constelações, incidência pluvial em determinados dias. Além dos recursos rogatórios aos ‘Santos que fazem chover", os sancti pluviali na Itália." P. 50
  • Ao trazer uma reminiscência familiar sobre a seca de 1915, prevista pelos parentes sertanejos porque os formigueiros apareciam no leito dos rios mortos e enchente não alcança formigueiro povoado: "A dura escola do Sertão ensina aos seus filhos num curso universitário vitalício." P. 53

III. Botânica Supersticiosa no Brasil: pp 55 a 83

  • Elenco de flores, plantas e suas propriedades na tradição popular.
  • Assinala que "na mitologia brasileira não existe uma égide defensora dos vegetais" p. 78.
  • Cita o estudo de Frazer (O ramo de ouro – citado na edição francesa de 1908) p. 80 e 81)
  • Linguagem das flores

IV Respingando a ceifa... pp. 85 a 92

Metereologia e botânica: vento e chuva na toponimia brasileira; recepção ao rio depois da estiagem; comedor de roçados (quando o rio come a plantação feita no leito seco, mas que ainda conserva a humidade; mangação do tempo; tradições ligadas á plantação, e tempo.

  • Aparentemente é o que não teve lugar nos ensaios anteriores sobre os mesmos temas.

IV (sic) O morto brasileiro: pp. 93 a 105

  • Rito e tradições em relação à morte como constante de todas as culturas. A especificidade brasileira, seria apenas uma variante, " criados no leite maternal português, com proteínas amerabas e africanas, os brasileiros conservam um longo patrimônio verbal, digníssimo de registro e lembrança" p. 94.
  • Adagios sobre a morte e os agonizantes. Tabu do morto como herança portuguesa, conservado no Brasil, mas "a formação católica do povo brasileiro foi mais triste, severa, temerosa que em Portugal" p. 103.
  • "Nós, mentalmente, `continuamos. Somos uma seqüencia, embora haja quem se julgue inicial. Nada do que existe, culturalmente, é contemporâneo. Flores de raízes milenárias". p. 103
  • comparando, com alguma nostalgia o tradicional e o moderno (casas antigas e apartamentos atuais): önde a tradição do morto irá se aninhar?"p. 104

VI (sic) Folclore do mar solitário: pp.107 a 115

  • "quando os folcloristas estudam o mar, referem-se unicamente aos pescadores e marinheiros, barcos e navios, e Aos peixes infinitos, de ação e forma." P. 107
  • analisa as tradições clássicas em relação ao mar-oceano, o caso português e o brasileiro, assinalando que índios e africanos não eram povos que se afastassem da costa, portanto sem uma mitologia marinha.
  • Folclore sobre o homem do mar, as tradições marinheiras, peixes.

VII Os quatro elementos: pp. 117 a 144.

  • "O Povo, como as crianças e os `videntes` , têm a coexistência com o Impossível, para nós. O incrível é uma fronteira na ignorância assimiladora. A imaginação popular é memória viva das Ciências aposentadas pela Notoriedade". P. 118
  • Registro de folclore e tradições sobre a terra, o mar, o ar e o fogo.
  • As epígrafes das 4 partes são estrofes do "Cântico das criaturas"se S. Francisco de Assis.
  • No final (p.144) cita 3 publicações suas sobre o fogo, em nota: "Prometeu"; Ä luz trêmula"; e os verbetes fogo e fogo-morto no dicionário de Folclore.

VIII Para o estudo da superstição: pp. 145 a 195.

  • ensaio em XV ítens, já publicado com o título "Voz de Nessus"em 1966 pela UFPb
  • dados auto-biográficos importantes pp147 a 150
  • falando de uma tradição ligada ao parto, que supunha que em quarto de parturiente ninguém cruzasse as pernas, que mais tarde encontrará em Ovídio (Metamorfoses IX) Ä `comadre`sertaneja de Santa Cruz ajudava Ilitia, como todas as mães gregas e romanas, milênios antes de Cristo. .... – Meninos eu vi!... Vira um rito sagrado em plena função defensiva, da Tebas grega ao sertão do Rio Grande do Norte. Indiscutível. Típico. Real."p 150.
  • superstições comuns a distintas classes, religiões, espaços, temposetc...
  • superstição = "sobrevivência de cultos desaparecidos"(150) üma técnica de caráter defensivo, no plano mágico" p. 152
  • Observações:
  • As epígrafes são muitas (04) e significativas:
  • O Costume é o melhor intérprete das Leis

Direito Canônico II, 29.

  • Devemos compreender o indivíduo vivendo em sua Cultura, e a Cultura como vivida por indivíduos."

Franz Boas

  • E à noite nas tabas, se alguém duvidava do que ele contava

Do que êle contava,

Tornava prudente: _ ‘Meninos, eu ví!’ "

Gonçalves Dias, Y-Juca-Pyrama

  • Ça n’empêche pas d’exister.

Charcot

(cfr. p. 180 äo jovem Freud)

  • O livro, coerente talvez com o "não bibliotecas" p. 10 de sua definição metodológica, não traz bibliografia, ainda que sim localize fontes ao longo dos ensaios e indique os informantes.
  • Ao definir suas fontes, no primeiro ensaio enumera: " livros, reminiscências, inquéritos nos jangadeiros, pescadores nordestinos e velhos catraieiros, veteranos dorio Potengi." P. 12
  • O livro parece ser um desdobramento do Dicionário, muitas vezes citado (cfr. pp. 43, 49, 76, 92, 159).
  • Há coloquialismos surpreendentes, em particular nos finais – bastante inesperados - de alguns ensaios: "Fim. Aleluia. Après la pluie le beau temps" (18); "quem morre afogado é o homo sapiens" (54).
  • Parece conferir um valor heurístico à sua própria memória pessoal, assim como à memória coletiva do povo: na busca de constantes culturais, confere o mesmo valor à documentação do Sto. Ofício e à sua memória de menino (sobre a chuva como "mijo" de alguém no céu – 88);
  • Parece haver uma certa contraposição entre "Povo" e elite (cfr. pp 67 e 69)., em uma ocasião apresentada como a oposição entre "nós"(os letrados, boa sociedade...) e ö Povo" (p. 119)
  • O uso de maiúsculas é muito generoso e parece ser significativo: talvez indique as noções essenciais para o autor e os conceitos com os quais opera. A mesma lexia (povo, por exemplo), por vezes aparece com maiúscula e por vezes não, e o sentido dessa distinção parece ser o indicado acima. Se a hipótese é válida, os conceitos centrais poderiam ser aquelas lexias mais frequentemente utilizadas com a maiúscula inicial: sertão – povo – cultura popular – tradição - cultura.
  • O Sertão parece ser a referência básica de identidade do Brasil e do brasileiro: por vezes aparece como um eixo contraposto ao mar na definição da cultura (popular?) brasileira. Por vezes essa contraposição aparece também entre o Sertão e a cidade:

"Não há no Sertão o morto por feitiço, quebranto, coisa feita. É privilégio da cidade grande". P. 102.

  • O ator social mais destacado é sem dúvida "o povo" , ás vezes citado como "um homem ou uma mulher do povo" (p. 32), às vezes como "homem-do-povo" (p. 68.)
  • Constante referência às três raças formadoras do brasileiro, sendo que os índios aparecem quase sempre como "amerabas", ou ameríndios.
  • Tese central:
  • A tese central é a da relação entre o particular - expresso em detalhes aparentemente irrelevantes da cultura popular – com o universal - por isso é possível considerar a tradição como ciência do povo:

" O Povo guarda e defende sua Ciência Tradicional, secular patrimônio onde há elementos de todas as idades e paragens do Mundo". P. 29.

"Nós, mentalmente, `continuamos. Somos uma seqüencia, embora haja quem se julgue inicial. Nada do que existe, culturalmente, é contemporâneo. Flores de raízes milenárias". p. 103

"O Povo, como as crianças e os `videntes` , têm a coexistência com o Impossível, para nós. O incrível é uma fronteira na ignorância assimiladora. A imaginação popular é memória viva das Ciências aposentadas pela Notoriedade". P. 118

"Ninguém decreta renovação no seu julgamento, proferido na inflexível fidelidade à Sabedoria dos Antepassados. Quando nós amamos as convicções sucessivas, conforme a vulgarização ocasional de uma doutrina `provisória`, o Povo repercute, inalterável, a sonoridade das vozes avoengas, para Ele digníssimas de comunicação e fé."p. 119

  • também é importanto a questão do Brasil como resultado da contribuição das 3 raças:

" criados no leite maternal português, com proteínas amerabas e africanas, os brasileiros conservam um longo patrimônio verbal, digníssimo de registro e lembrança" p. 94.

  • sobre tradição:

"a tradição precisa possuir coordenadas geográficas ou se evaporará" p. 105

  • para a questão dos descobrimentos: ao distinguir a linguagem das flores para a boa sociedade das tradições populares)

"minha navegação é noutro rumo"p 82.

 



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