POR MARES POUCAS
VEZES NAVEGADOS.
Cecília Meireles e a literatura infantil.
Margarida de Souza Neves
1. Viagens: [1]
“Mandei armar meu navio.
Volveremos ao mar profundo,
meu navio!”
Cecília Meireles: Prazo de vida
IN: Mar Absoluto.
Poesia Completa p. 270
No dia 10 de dezembro de
1964 Tristão de Athaíde publicou no Jornal do Brasil uma
crônica em que homenageava duas figuras femininas exponenciais na
cultura brasileira e então recentemente falecidas: Anita Malfatti e
Cecília Meireles. [2]
Sete anos mais tarde, esta mesma crônica passaria a compor o livro
que, com seu nome próprio de Alceu Amoroso Lima, publicou com o
título de Companheiros de Viagem[3], fugindo assim, por vontade do
autor, ao destino efêmero de sua publicação num jornal diário.
Nela Tristão/Alceu parecia querer acertar contas com um passado
remoto, e aplanar, diante da morte, o abismo que sempre se mantivera
entre ele e Cecília.
A desavença tivera início em agosto de 1930, quando Alceu havia
participado, juntamente com Antenor Nascentes, Coelho Neto e Nestor
Vítor[4], como membro da
banca do concurso para a cátedra de literatura brasileira da Escola
Normal do Distrito Federal, um concurso concorrido e tenso,
realizado em meio aos embates entre escola-novistas e católicos pelo
controle da trincheira da educação nos anos 30. Oito candidatos se
apresentaram, e desses apenas dois chegaram à etapa final
constituída pela prova de aula, já que três deles não conseguiram
ter suas teses aprovadas e três desistiram do concurso em razão da
superioridade nítida das notas obtidas na prova de defesa de tese
por dois dos candidatos: Cecília Meireles e Clóvis do Rego Monteiro[5]. Cecília ficou classificada em segundo
lugar no concurso.
O resultado do concurso parece ter marcado profundamente tanto a
Cecília quanto a Alceu. [6]
A então jovem professora, que em 1910, aos 9 anos, recebera de Olavo
Bilac, na qualidade de Inspetor Escolar do Distrito Federal, a
medalha de ouro do mérito escolar ao concluir com distinção e louvor
o curso primário na Escola Estácio de Sá; que se formara em 1917
pela Escola Normal; que exercera o magistério desde então e que, já
em 1925, publicara um livro infantil intitulado Criança meu amor,
adotado como livro de leitura escolar pela rede pública desde 1927
[7], parece segura de que o resultado do concurso
obedecera sobretudo aos interesses políticos do grupo católico. Por
isso, poucos meses após sua estréia como jornalista na Página de
Educação do Diário de Notícias
[8] escreveu na coluna Comentário:
“ A Escola Normal, para a qual a boa vontade da presente
administração conseguiu elevar uma tão suntuosa edificação , parece
estar ameaçada de vir a abrigar no seu solene recinto todos os
adversários da Escola Nova, instituída pela mesma reforma que a
criou. (...) O concurso de literatura ultimamente realizado deixou a
Reforma Fernando de Azevedo em muito má situação (...). Depois da
desorganização mal intencionada do concurso de Literatura (...) o
concurso de Sociologia, cujo mecanismo interno já começa a aparecer,
será outra oportunidade para se avaliar o destino que vai ter afinal
a nossa magnífica Reforma de Ensino. Já começaram as discussões
sobre a mesa organizada. E muito a propósito. Porque os
representantes da igreja, que dela fazem parte, não puderam jamais,
pela própria dignidade do seu cargo, deixar a batina à porta, como
já se disse. Está no seu interesse e na sua obrigação religiosa
defender o seu credo. E na sua opinião fazem decerto muitíssimo bem.
Mas a opinião dos educadores é outra. E essa é que tem que ser
respeitada, porque a Escola Normal é um Instituto Pedagógico e não
um seminário.”
[9]
Alceu, por sua vez, já convertido ao catolicismo e tendo assumido a
liderança do laicato católico através da direção do Centro D. Vital
e da revista Ordem, não poupa violência em seu comentário ao
Manifesto dos Pioneiros, como ficou conhecido o Manifesto
da Nova Educação ao Governo e ao Povo publicado em 19 de março
de 1932 na Página de Educação do Diário de Notícias:
“ Já temos também a nossa NEP! Não se trata porém da Nova Política
Econômica de Lenin. Trata-se da ‘nova política educacional’, que se
apresenta em linhas gerais no resumo do ‘Manifesto dos Pioneiros da
Nova Educação assinado por um grupo seleto dos gros bonnets
da nova pedagogia oficial.
É anticristão, porque nega a supremacia da finalidade espiritual; é
antinacional porque embora referindo-se ao ‘cuidado da unidade
nacional’, não leva em conta, em seu racionalismo árido, nenhuma
particularidade do temperamento e da tradição brasileira; e é também
antiliberal, pois se baseia no absolutismo pedagógico do Estado e na
negação de toda liberdade de ensino.”
[10]
Numa segunda oportunidade, ainda no fragor das batalhas que marcaram
os anos 30 no campo da educação, Alceu votou contra o parecer de
Cassiano Ricardo, que propunha que o prêmio da Academia Brasileira
de Letras de 1938 fosse conferido unicamente ao livro de poesias
Viagem, de Cecília Meireles, naquela que, segundo Manuel
Bandeira foi “uma das sessões mais tumultuosas que nela [na Academia
Brasileira de Letras] já se realizaram”[11].
O parecer gerou uma polêmica que extravasou os muros da Academia e
tornou-se pública pela imprensa. Cecília recebeu o prêmio de poesia,
mas a proposta de Cassiano foi derrotada, tendo a Academia concedido
também prêmios às demais modalidades literárias.
Cecília, escolhida pelos demais premiados para falar em nome de
todos, viu seu discurso ser modificado pela Comissão de Censura da
Academia e preferiu o silêncio.[12]
No entanto o Alceu dos anos 60 não era o mesmo Alceu ortodoxo e
atrabiliário da década de 30. No elogio fúnebre de sua
crônica de dezembro de 64, reconhece a estatura intelectual e
literária de Cecília:
“Foram-se ao mesmo tempo as duas figuras femininas, as únicas que a
primeira vaga modernista trouxe às nossas praias estéticas: Anita
Malfatti e Cecília Meirelles. (...)
No plano das artes e das letras, quem marcou o início da nova era
foi, sem dúvida, essa dupla de tão alto estilo – Anita Malfatti e
Cecília Meireles.
“ A primeira foi a lançadora da pintura moderna entre nós. Cecília a
da poesia moderna” [13]
Muitas afirmações da breve crônica de 64, assim como alguns de seus
silêncios, são eloqüentes. Em primeiro lugar a reiterada valorização
do caráter moderno de Cecília, tanto por sua identificação como
“lançadora,entre nós, da poesia moderna“ quanto pelo paralelismo
estabelecido, na vida como na morte, com Anita.
“ O colorido violento das telas de Anita e a sonoridade velada dos
versos de Cecília abriram uma nova era na vida cultural do Brasil”[14]
Em segundo lugar pela relativização de seu caráter pioneiro, e a
afirmação da especificidade de seu modernismo, de clara filiação
simbolista e incorporador da tradição
“(...) sua poesia não vinha propriamente quebrar tabus. Outros já o
haviam feito antes dela. Prolongava – com uma originalidade toda
individual e sem nenhuma preocupação inovadora ou revolucionária – a
linha simbolista. Participara do grupo espiritualista de Tasso da
Silveira, Andrade Murici, Henrique Abílio, Barreto Filho e seus
companheiros de revista Festa, que operavam a transição sem
violência, do passado ao presente, através das corredeiras agitadas
do movimento de 1922”[15]
Em terceiro lugar por relacionar as conquistas de Cecília – e de
Anita – no mundo da literatura e das artes a “(...) um dos novos
sinais dos tempos: a importância da contribuição feminina à vida
intelectual brasileira” [16], afirmando sua especificidade no
universo letrado como representantes de um gênero até então objeto
da segregação “(...)do gueto, da reclusão, do gineceu (...) em que
eram cuidadosamente guardadas as castelãs inacessíveis,”[17]
e assinalando, assim, no mesmo movimento, nova e sutil segregação
das mulheres na cidade das letras, já que seu valor era reconhecido
em si mesmo, mas exponenciado pelo fato de serem mulheres.
Por fim, Alceu resume, situa e define o papel que, a seus olhos,
Cecília desempenhara no universo intelectual da arte brasileira:
“Essa sílfide da imponderabilidade poética foi crescendo em
estatura, de poema em poema, até se tornar a maior figura feminina
da poesia continental. Sua universalidade se baseava numa
triangulação em que três mundos se encontravam para dar a nota
típica de sua universalidade: Portugal, Brasil, Índia. Ásia, Europa
e América representavam três pontos-chaves dessa poética sutil e
tipicamente feminina que, durante trinta anos, ressoou em todos os
corações e nos aliviou de tantas aflições, com sua espiritualidade
transcendente e sua verbalidade cristalina.”[18]
Para Alceu Cecília é vista, tal como até bem recentemente por grande
parte de sua fortuna crítica[19]
e pela memorialística da época, como “a sílfide da imponderabilidade
poética”, cujas marcas de identidade são reiteradamente afirmadas
como sendo a “poética sutil”, o virtuosismo no uso da palavra, uma
específica inserção no movimento moderno e por traços não muito
definidos e que seriam o eterno feminino, a espiritualidade, a
transcendência e a “universalidade”. As entrevistas dadas por
Cecília à imprensa[20],
seus escritos direta ou indiretamente autobiográficos[21],
e a iconografia que dela nos chega, em especial suas fotografias que
parecem sempre por em destaque a figura delgada e seus olhos claros,
quase sempre fitos em algum lugar do infinito, estão longe de
desmentir essa imagem da autora.
No reverso do elogio fúnebre traçado por Alceu, algumas observações
e silenciamentos são reveladores. Em primeiro lugar o corte
cronológico por ele escolhido em 64, os últimos “30 anos” e que
deixa fora da história intelectual de Cecília o ano do conflitivo
concurso de 1929; a polêmica Página de Educação do Diário
de Notícias
por ela dirigida entre 1930 e 1933; seus primeiros livros de poesia,
Espectros, de 1919, Nunca mais e Poema dos poemas,
publicados em 1923, e Baladas para El-Rei, de 1925; sua
participação nas revistas Árvore Nova, Terra do Sol e
Festa, que curiosamente aparece no mesmo texto afirmada como um
elemento definidor de sua trajetória; seu primeiro livro infantil,
Criança meu amor, de 1925 e, ainda, o fato de sua assinatura
constar no Manifesto dos Pioneiros da Educação Brasileira, de 19 de
março de 1932.
Em segundo lugar, a exclusiva sinalização de seu papel como poeta
maior, em detrimento de outras muitas atividades por ela
desempenhadas, como figura pública e como intelectual.
Por fim, o apagamento explícito de seu conflito com Cecília
Meireles, já que destaca como elemento de contraste entre Anita e
Cecília o fato da primeira, ao contrário da segunda, ter enfrentado
fortes polêmicas, destacando o fato de Anita ter tido ”contra si ,
de entrada, uma voz que representava um obstáculo quase insuperável,
a de Monteiro Lobato”[22]:
“Anita, neste sentido, sofreu muito mais que Cecília. Primeiramente
porque foi a primeira a quebrar os tabus da arte acadêmica. Os
primeiros são sempre, naturalmente as primeiras vítimas do eterno
filisteu. Em seguida porque o ambiente paulista é mais duro de
convencer do que o carioca.” [23]
Diante do absoluto da morte, Alceu, o antigo opositor de Cecília,
fala de si ao falar daquela que homenageia. Refaz a biografia da que
via como sua inimiga até morrer [24], sublinha a espiritualidade
transcendente e o universalismo e silencia o conflito entre ambos,
apaga boa parte de sua trajetória, e contribui para fixar uma imagem
que a fortuna crítica de Cecília só muito recentemente começa a
relativizar: Cecília Meireles, morta, será imortalizada por sua pena
– como de resto por grande parte dos que escrevem na ocasião textos
análogos[25] - como poeta maior, com um lugar
todo seu na construção do moderno na cultura brasileira, mestra da
sensibilidade e da magia da palavra e, definitivamente, “sílfide da
imponderabilidade poética”.
Também Cecília fala de si ao render homenagem póstuma a Mário de
Andrade, intelectual e poeta que admirava e respeitava, amigo de
quem se aproximara através de uma carta simultaneamente tímida e
ousada escrita em 1935[26],
a quem dedica o 2º Motivo da Rosa, soneto publicado em Mar
Absoluto[27], por escolha aliás do próprio Mário[28].
Quando morre Mário de Andrade, em 1945, Cecília dedica a ele uma
elegia em crônica na qual sublinha um de seus traços, justamente
aquele que espelha a referência ao universal que, se para ela era
sempre ponto de partida e de chegada, no caso de Mário só poderia
ser encontrado no âmago daquilo que fosse genuinamente brasileiro.
No retrato de Mário traçado por Cecília, a dor da perda é o
contraste para a escrita luminosa:
“Macunaíma arteiro sempre se recuperando, e tão abundante em
doçura, tão louco e tão tímido, tão de bondade discreta e capitosa -
tão seu, tão dos outros, tão de todos, tão do universo em cujo colo
se aninhava como uma criança que sorri dormindo.”
[29]
Em 1960 a prefeitura do Distrito Federal encomenda a Cecília
Meireles a organização de uma antologia de poesias de Mário de
Andrade, por ocasião do décimo quinto aniversário de sua morte.
Cecília empreendeu um exaustivo estudo da obra poética de Mário,
traçando cuidadosamente uma cartografia de sua escrita poética ao
realizar um inventário que pretendia ser exaustivo dos temas
visitados, das expressões utilizadas, do vocabulário, do relevo das
rimas e figuras de estilo, dos autores citados e de mil outros
detalhes a seus olhos significativos na poesia de Mário. Foi tão
detalhado o estudo prévio que a obra não foi entregue a tempo e por
essa razão não foi então publicada. Na Introdução
que preparou para a Antologia Cecília escreveu:
“Malgrado o pouco tempo decorrido sobre a sua morte, e a nitidez de
sua presença viva, malgrado a clareza de sua obra e a vastidão da
sua bibliografia, não é fácil traçar-se uma síntese de Mário de
Andrade, dada a riqueza de sua personalidade; suas audácias e
cóleras de homem tímido e bom, sua agressividade e seus
arrependimentos; seu feitio grave e brincalhão; seu regionalismo,
seu brasileirismo e seu universalismo; seus contrastes de corpo e de
espírito e ‘aquela forma de inteligência que o distinguia, do ser
humano que encarnou, do amigo, do irmão que foi para a quase
totalidade dos intelectuais do tempo’ – no dizer tão lúcido e
sensível de Henriqueta Lisboa. (...) É nos seus versos que Mário de
Andrade faz refletir com mais prodigalidade, e simultaneamente, os
inúmeros aspectos de sua sensibilidade e a multiplicidade de seus
motivos de interesse. (...)
Não se trata, do ponto de vista poético de um autor muito uniforme,
mas, ao contrário do participante de uma época de renovação
literária, que a ela se entregou com todas as curiosidades do seu
temperamento. Entraram nessa experiência todos os elementos que
compunham a sua versatilidade: o gosto musical, as pesquisas
folclóricas, interesses históricos e linguísticos, o seu
brasileirismo, o seu paulistanismo, e mais as qualidades que
caracterizavam a sua especialíssima personalidade: um sentimental,
um enternecido, um discreto e quase tímido, a brincar de audacioso,
a aventurar-se em invectivas político-sociais, a tentar entregar-se
a um curioso sensualismo, em que de súbito se sente intervir fastio,
sonho, arrependimento – qualquer coisa que desloca essa entrega para
um plano de reflexão que não ousamos dizer mística, mas em que a
consideração espiritual tem a sua importância.”[30]
Por contraste ou por sintonia, não é difícil identificar indícios da
identidade da leitora na leitura feita do perfil de Mário por
Cecília Meireles. Também de Cecília não é fácil “traçar uma
síntese”. Mais talvez do que na poesia de Mário, é nos versos da
Cecília-poeta que os contemporâneos e os críticos encontram toda a
largura e a profundidade de sua sensibilidade e de seus “múltiplos
interesses”. Também ela é vista e se vê como “participante de uma
época de renovação literária” porque, a seu modo, é tida como
moderna. Como Mário, ainda que por caminhos e em momentos
diferentes, Cecília “aventurou-se em invectivas político-sociais” ,
e, tal como o autor de Macunaíma
destacou-se pelo “gosto musical, as pesquisas folclóricas, e os
interesses históricos e linguísticos” . E, se as análises da obra de
Cecília parecem sublinhar, mais que as de Mário, a sensibilidade
mística e a “consideração espiritual” como traços de sua identidade
poética, certamente Mário de Andrade não se reconheceria no primeiro
termo da tríade “regionalismo, brasileirismo, universalismo” que,
segundo Cecília, o caracterizava, e não é evidente o que poderia ser
“o brasileirismo” no caso de Cecília.
A Mário, na cumplicidade criada por anos de troca de
correspondência, Cecília advertia em 1943
“Não se esqueça de que sou marinha. Como um fenício.”[31]
Cecília, com efeito, parece conhecer os segredos do mar, e, em
crônica escrita no mesmo ano da carta a Mario em que se declara
marinha como um fenício, reconhece-se em seu elemento ao visitar um
barco – pequeno e ancorado, é preciso dizê-lo – , talvez por nele
encontrar ecos de seu universo simbólico. Na crônica, curiosamente
ancorada entre uma série de doze semanas em que tratou apenas de
contos do mundo inteiro que se estruturam em torno de adivinhações
em seu texto semanal e outras série dedicada aos pregões populares,
Cecília abre espaço para aquilo que ela própria chama de seu
“coração marinheiro”:
“ (...) o ambiente despertava um gosto de aventura saudável, por
mares difíceis, assaltados por monstros bravos, com vento salgado
pelos cabelos, turbulência de ondas no convés, e a música das
roldanas, áspera e forte, que tem estranho poder sobre os que
verdadeiramente amam viajar.
(...) porque a gente do mar tem seus hábitos, sua fome segue outros
ritos; no mundo das águas se esquecem os usos fixados em terra; a
mesa tem uma plenitude diferente, e reparte-se de outra maneira.
(...) Os homens do mar têm seus luxos: o binóculo, os mapas abertos,
a leitura que vai armando paisagens e conversas no fumo doce do
cachimbo. (...)
Íamos todos enobrecidos de sonho, unidos em amor àquele que conosco
tanto amara perder-se e encontrar-se nessa experiência do oceano,
tão igual à da vida.
Os homens do mar têm seus luxos: grandes silêncios, percursos
variados, súbitas aparições...
E quem navega tem suas esperanças tranqüilas: vencidos os mares, há
sempre um lugar de encontros imaginários, em porto feliz. (...)
De mar em mar chegaremos ao nosso destino.”
[32]
Sem cair na obviedade de assinalar a recorrência do mar e da viagem
como temas de sua obra em verso e em prosa, sem insistir na
variedade das latitudes que visitou em suas viagens físicas,
assinaladas por todos os seus biógrafos[33], sem ceder à tentação de assinalar os roteiros
simbólicos por ela percorridos, cabe salientar a pertinência da
viagem como metáfora do itinerário intelectual de Cecília Meireles,
já amplamente reconhecida como “especial viajora”
[34], sempre em busca e sempre
“(...) entre a sua ânsia e o seu desalento , sua concepção de um
ideal e o vazio do mesmo (...)
Por isso ela se move, ‘viaja’, sonha com navios, com nuvens, com
coisas errantes e etéreas, móveis e espectrais, transformando em
pura poesia essa caminhada” [35]
Este estudo, na verdade o entrecruzamento de duas viagens distintas,
aquela das grandes navegações empreendidas por Cecília e essa,
infinitamente mais modesta, de uma das leituras possíveis de alguns
dos seus itinerários menores, distintos daqueles de suas rotas mais
gloriosas pelo “Mar Absoluto” da poesia, pretende ter como lastro
uma advertência da própria Cecília
“O que nós escrevemos passa a ser outra coisa a cada pessoa que nos
lê” [36]
Como nas viagens, é na diferença entre o ponto de partida e os
pontos de chegada que os roteiros ganham sentido, é na tensão entre
o conhecido e o desconhecido que se tecem os significados, e são os
olhos do viajante que desenham os mapas.
No dia 10 de dezembro de 1964 Tristão
de Athaíde publicou no Jornal do Brasil uma crônica em que
homenageava duas figuras femininas exponenciais na cultura
brasileira e então recentemente falecidas: Anita Malfatti e Cecília
Meireles.
[2]
Sete anos mais tarde, esta mesma crônica passaria a compor o livro
que, com seu nome próprio de Alceu Amoroso Lima, publicou com o
título de Companheiros de Viagem[3], fugindo assim, por vontade do
autor, ao destino efêmero de sua publicação num jornal diário.
Nela Tristão/Alceu parecia querer acertar contas com um passado
remoto, e aplanar, diante da morte, o abismo que sempre se mantivera
entre ele e Cecília.
A desavença tivera início em agosto de 1930, quando Alceu havia
participado, juntamente com Antenor Nascentes, Coelho Neto e Nestor
Vítor[4], como membro da
banca do concurso para a cátedra de literatura brasileira da Escola
Normal do Distrito Federal, um concurso concorrido e tenso,
realizado em meio aos embates entre escola-novistas e católicos pelo
controle da trincheira da educação nos anos 30. Oito candidatos se
apresentaram, e desses apenas dois chegaram à etapa final
constituída pela prova de aula, já que três deles não conseguiram
ter suas teses aprovadas e três desistiram do concurso em razão da
superioridade nítida das notas obtidas na prova de defesa de tese
por dois dos candidatos: Cecília Meireles e Clóvis do Rego Monteiro[5]. Cecília ficou classificada em segundo
lugar no concurso.
O resultado do concurso parece ter marcado profundamente tanto a
Cecília quanto a Alceu. [6]
A então jovem professora, que em 1910, aos 9 anos, recebera de Olavo
Bilac, na qualidade de Inspetor Escolar do Distrito Federal, a
medalha de ouro do mérito escolar ao concluir com distinção e louvor
o curso primário na Escola Estácio de Sá; que se formara em 1917
pela Escola Normal; que exercera o magistério desde então e que, já
em 1925, publicara um livro infantil intitulado Criança meu amor,
adotado como livro de leitura escolar pela rede pública desde 1927
[7], parece segura de que o resultado do concurso
obedecera sobretudo aos interesses políticos do grupo católico. Por
isso, poucos meses após sua estréia como jornalista na Página de
Educação do Diário de Notícias
[8] escreveu na coluna Comentário:
“ A Escola Normal, para a qual a boa vontade da presente
administração conseguiu elevar uma tão suntuosa edificação , parece
estar ameaçada de vir a abrigar no seu solene recinto todos os
adversários da Escola Nova, instituída pela mesma reforma que a
criou. (...) O concurso de literatura ultimamente realizado deixou a
Reforma Fernando de Azevedo em muito má situação (...). Depois da
desorganização mal intencionada do concurso de Literatura (...) o
concurso de Sociologia, cujo mecanismo interno já começa a aparecer,
será outra oportunidade para se avaliar o destino que vai ter afinal
a nossa magnífica Reforma de Ensino. Já começaram as discussões
sobre a mesa organizada. E muito a propósito. Porque os
representantes da igreja, que dela fazem parte, não puderam jamais,
pela própria dignidade do seu cargo, deixar a batina à porta, como
já se disse. Está no seu interesse e na sua obrigação religiosa
defender o seu credo. E na sua opinião fazem decerto muitíssimo bem.
Mas a opinião dos educadores é outra. E essa é que tem que ser
respeitada, porque a Escola Normal é um Instituto Pedagógico e não
um seminário.”
[9]
Alceu, por sua vez, já convertido ao catolicismo e tendo assumido a
liderança do laicato católico através da direção do Centro D. Vital
e da revista Ordem, não poupa violência em seu comentário ao
Manifesto dos Pioneiros, como ficou conhecido o Manifesto
da Nova Educação ao Governo e ao Povo publicado em 19 de março
de 1932 na Página de Educação do Diário de Notícias:
“ Já temos também a nossa NEP! Não se trata porém da Nova Política
Econômica de Lenin. Trata-se da ‘nova política educacional’, que se
apresenta em linhas gerais no resumo do ‘Manifesto dos Pioneiros da
Nova Educação assinado por um grupo seleto dos gros bonnets
da nova pedagogia oficial.
É anticristão, porque nega a supremacia da finalidade espiritual; é
antinacional porque embora referindo-se ao ‘cuidado da unidade
nacional’, não leva em conta, em seu racionalismo árido, nenhuma
particularidade do temperamento e da tradição brasileira; e é também
antiliberal, pois se baseia no absolutismo pedagógico do Estado e na
negação de toda liberdade de ensino.”
[10]
Numa segunda oportunidade, ainda no fragor das batalhas que marcaram
os anos 30 no campo da educação, Alceu votou contra o parecer de
Cassiano Ricardo, que propunha que o prêmio da Academia Brasileira
de Letras de 1938 fosse conferido unicamente ao livro de poesias
Viagem, de Cecília Meireles, naquela que, segundo Manuel
Bandeira foi “uma das sessões mais tumultuosas que nela [na Academia
Brasileira de Letras] já se realizaram”[11].
O parecer gerou uma polêmica que extravasou os muros da Academia e
tornou-se pública pela imprensa. Cecília recebeu o prêmio de poesia,
mas a proposta de Cassiano foi derrotada, tendo a Academia concedido
também prêmios às demais modalidades literárias.
Cecília, escolhida pelos demais premiados para falar em nome de
todos, viu seu discurso ser modificado pela Comissão de Censura da
Academia e preferiu o silêncio.[12]
No entanto o Alceu dos anos 60 não era o mesmo Alceu ortodoxo e
atrabiliário da década de 30. No elogio fúnebre de sua
crônica de dezembro de 64, reconhece a estatura intelectual e
literária de Cecília:
“Foram-se ao mesmo tempo as duas figuras femininas, as únicas que a
primeira vaga modernista trouxe às nossas praias estéticas: Anita
Malfatti e Cecília Meirelles. (...)
No plano das artes e das letras, quem marcou o início da nova era
foi, sem dúvida, essa dupla de tão alto estilo – Anita Malfatti e
Cecília Meireles.
“ A primeira foi a lançadora da pintura moderna entre nós. Cecília a
da poesia moderna” [13]
Muitas afirmações da breve crônica de 64, assim como alguns de seus
silêncios, são eloqüentes. Em primeiro lugar a reiterada valorização
do caráter moderno de Cecília, tanto por sua identificação como
“lançadora,entre nós, da poesia moderna“ quanto pelo paralelismo
estabelecido, na vida como na morte, com Anita.
“ O colorido violento das telas de Anita e a sonoridade velada dos
versos de Cecília abriram uma nova era na vida cultural do Brasil”[14]
Em segundo lugar pela relativização de seu caráter pioneiro, e a
afirmação da especificidade de seu modernismo, de clara filiação
simbolista e incorporador da tradição
“(...) sua poesia não vinha propriamente quebrar tabus. Outros já o
haviam feito antes dela. Prolongava – com uma originalidade toda
individual e sem nenhuma preocupação inovadora ou revolucionária – a
linha simbolista. Participara do grupo espiritualista de Tasso da
Silveira, Andrade Murici, Henrique Abílio, Barreto Filho e seus
companheiros de revista Festa, que operavam a transição sem
violência, do passado ao presente, através das corredeiras agitadas
do movimento de 1922”[15]
Em terceiro lugar por relacionar as conquistas de Cecília – e de
Anita – no mundo da literatura e das artes a “(...) um dos novos
sinais dos tempos: a importância da contribuição feminina à vida
intelectual brasileira” [16], afirmando sua especificidade no
universo letrado como representantes de um gênero até então objeto
da segregação “(...)do gueto, da reclusão, do gineceu (...) em que
eram cuidadosamente guardadas as castelãs inacessíveis,”[17]
e assinalando, assim, no mesmo movimento, nova e sutil segregação
das mulheres na cidade das letras, já que seu valor era reconhecido
em si mesmo, mas exponenciado pelo fato de serem mulheres.
Por fim, Alceu resume, situa e define o papel que, a seus olhos,
Cecília desempenhara no universo intelectual da arte brasileira:
“Essa sílfide da imponderabilidade poética foi crescendo em
estatura, de poema em poema, até se tornar a maior figura feminina
da poesia continental. Sua universalidade se baseava numa
triangulação em que três mundos se encontravam para dar a nota
típica de sua universalidade: Portugal, Brasil, Índia. Ásia, Europa
e América representavam três pontos-chaves dessa poética sutil e
tipicamente feminina que, durante trinta anos, ressoou em todos os
corações e nos aliviou de tantas aflições, com sua espiritualidade
transcendente e sua verbalidade cristalina.”[18]
Para Alceu Cecília é vista, tal como até bem recentemente por grande
parte de sua fortuna crítica[19]
e pela memorialística da época, como “a sílfide da imponderabilidade
poética”, cujas marcas de identidade são reiteradamente afirmadas
como sendo a “poética sutil”, o virtuosismo no uso da palavra, uma
específica inserção no movimento moderno e por traços não muito
definidos e que seriam o eterno feminino, a espiritualidade, a
transcendência e a “universalidade”. As entrevistas dadas por
Cecília à imprensa[20],
seus escritos direta ou indiretamente autobiográficos[21],
e a iconografia que dela nos chega, em especial suas fotografias que
parecem sempre por em destaque a figura delgada e seus olhos claros,
quase sempre fitos em algum lugar do infinito, estão longe de
desmentir essa imagem da autora.
No reverso do elogio fúnebre traçado por Alceu, algumas observações
e silenciamentos são reveladores. Em primeiro lugar o corte
cronológico por ele escolhido em 64, os últimos “30 anos” e que
deixa fora da história intelectual de Cecília o ano do conflitivo
concurso de 1929; a polêmica Página de Educação do Diário
de Notícias
por ela dirigida entre 1930 e 1933; seus primeiros livros de poesia,
Espectros, de 1919, Nunca mais e Poema dos poemas,
publicados em 1923, e Baladas para El-Rei, de 1925; sua
participação nas revistas Árvore Nova, Terra do Sol e
Festa, que curiosamente aparece no mesmo texto afirmada como um
elemento definidor de sua trajetória; seu primeiro livro infantil,
Criança meu amor, de 1925 e, ainda, o fato de sua assinatura
constar no Manifesto dos Pioneiros da Educação Brasileira, de 19 de
março de 1932.
Em segundo lugar, a exclusiva sinalização de seu papel como poeta
maior, em detrimento de outras muitas atividades por ela
desempenhadas, como figura pública e como intelectual.
Por fim, o apagamento explícito de seu conflito com Cecília
Meireles, já que destaca como elemento de contraste entre Anita e
Cecília o fato da primeira, ao contrário da segunda, ter enfrentado
fortes polêmicas, destacando o fato de Anita ter tido ”contra si ,
de entrada, uma voz que representava um obstáculo quase insuperável,
a de Monteiro Lobato”[22]:
“Anita, neste sentido, sofreu muito mais que Cecília. Primeiramente
porque foi a primeira a quebrar os tabus da arte acadêmica. Os
primeiros são sempre, naturalmente as primeiras vítimas do eterno
filisteu. Em seguida porque o ambiente paulista é mais duro de
convencer do que o carioca.” [23]
Diante do absoluto da morte, Alceu, o antigo opositor de Cecília,
fala de si ao falar daquela que homenageia. Refaz a biografia da que
via como sua inimiga até morrer [24], sublinha a espiritualidade
transcendente e o universalismo e silencia o conflito entre ambos,
apaga boa parte de sua trajetória, e contribui para fixar uma imagem
que a fortuna crítica de Cecília só muito recentemente começa a
relativizar: Cecília Meireles, morta, será imortalizada por sua pena
– como de resto por grande parte dos que escrevem na ocasião textos
análogos[25] - como poeta maior, com um lugar
todo seu na construção do moderno na cultura brasileira, mestra da
sensibilidade e da magia da palavra e, definitivamente, “sílfide da
imponderabilidade poética”.
Também Cecília fala de si ao render homenagem póstuma a Mário de
Andrade, intelectual e poeta que admirava e respeitava, amigo de
quem se aproximara através de uma carta simultaneamente tímida e
ousada escrita em 1935[26],
a quem dedica o 2º Motivo da Rosa, soneto publicado em Mar
Absoluto[27], por escolha aliás do próprio Mário[28].
Quando morre Mário de Andrade, em 1945, Cecília dedica a ele uma
elegia em crônica na qual sublinha um de seus traços, justamente
aquele que espelha a referência ao universal que, se para ela era
sempre ponto de partida e de chegada, no caso de Mário só poderia
ser encontrado no âmago daquilo que fosse genuinamente brasileiro.
No retrato de Mário traçado por Cecília, a dor da perda é o
contraste para a escrita luminosa:
“Macunaíma arteiro sempre se recuperando, e tão abundante em
doçura, tão louco e tão tímido, tão de bondade discreta e capitosa -
tão seu, tão dos outros, tão de todos, tão do universo em cujo colo
se aninhava como uma criança que sorri dormindo.”
[29]
Em 1960 a prefeitura do Distrito Federal encomenda a Cecília
Meireles a organização de uma antologia de poesias de Mário de
Andrade, por ocasião do décimo quinto aniversário de sua morte.
Cecília empreendeu um exaustivo estudo da obra poética de Mário,
traçando cuidadosamente uma cartografia de sua escrita poética ao
realizar um inventário que pretendia ser exaustivo dos temas
visitados, das expressões utilizadas, do vocabulário, do relevo das
rimas e figuras de estilo, dos autores citados e de mil outros
detalhes a seus olhos significativos na poesia de Mário. Foi tão
detalhado o estudo prévio que a obra não foi entregue a tempo e por
essa razão não foi então publicada. Na Introdução
que preparou para a Antologia Cecília escreveu:
“Malgrado o pouco tempo decorrido sobre a sua morte, e a nitidez de
sua presença viva, malgrado a clareza de sua obra e a vastidão da
sua bibliografia, não é fácil traçar-se uma síntese de Mário de
Andrade, dada a riqueza de sua personalidade; suas audácias e
cóleras de homem tímido e bom, sua agressividade e seus
arrependimentos; seu feitio grave e brincalhão; seu regionalismo,
seu brasileirismo e seu universalismo; seus contrastes de corpo e de
espírito e ‘aquela forma de inteligência que o distinguia, do ser
humano que encarnou, do amigo, do irmão que foi para a quase
totalidade dos intelectuais do tempo’ – no dizer tão lúcido e
sensível de Henriqueta Lisboa. (...) É nos seus versos que Mário de
Andrade faz refletir com mais prodigalidade, e simultaneamente, os
inúmeros aspectos de sua sensibilidade e a multiplicidade de seus
motivos de interesse. (...)
Não se trata, do ponto de vista poético de um autor muito uniforme,
mas, ao contrário do participante de uma época de renovação
literária, que a ela se entregou com todas as curiosidades do seu
temperamento. Entraram nessa experiência todos os elementos que
compunham a sua versatilidade: o gosto musical, as pesquisas
folclóricas, interesses históricos e linguísticos, o seu
brasileirismo, o seu paulistanismo, e mais as qualidades que
caracterizavam a sua especialíssima personalidade: um sentimental,
um enternecido, um discreto e quase tímido, a brincar de audacioso,
a aventurar-se em invectivas político-sociais, a tentar entregar-se
a um curioso sensualismo, em que de súbito se sente intervir fastio,
sonho, arrependimento – qualquer coisa que desloca essa entrega para
um plano de reflexão que não ousamos dizer mística, mas em que a
consideração espiritual tem a sua importância.”[30]
Por contraste ou por sintonia, não é difícil identificar indícios da
identidade da leitora na leitura feita do perfil de Mário por
Cecília Meireles. Também de Cecília não é fácil “traçar uma
síntese”. Mais talvez do que na poesia de Mário, é nos versos da
Cecília-poeta que os contemporâneos e os críticos encontram toda a
largura e a profundidade de sua sensibilidade e de seus “múltiplos
interesses”. Também ela é vista e se vê como “participante de uma
época de renovação literária” porque, a seu modo, é tida como
moderna. Como Mário, ainda que por caminhos e em momentos
diferentes, Cecília “aventurou-se em invectivas político-sociais” ,
e, tal como o autor de Macunaíma
destacou-se pelo “gosto musical, as pesquisas folclóricas, e os
interesses históricos e linguísticos” . E, se as análises da obra de
Cecília parecem sublinhar, mais que as de Mário, a sensibilidade
mística e a “consideração espiritual” como traços de sua identidade
poética, certamente Mário de Andrade não se reconheceria no primeiro
termo da tríade “regionalismo, brasileirismo, universalismo” que,
segundo Cecília, o caracterizava, e não é evidente o que poderia ser
“o brasileirismo” no caso de Cecília.
A Mário, na cumplicidade criada por anos de troca de
correspondência, Cecília advertia em 1943
“Não se esqueça de que sou marinha. Como um fenício.”[31]
Cecília, com efeito, parece conhecer os segredos do mar, e, em
crônica escrita no mesmo ano da carta a Mario em que se declara
marinha como um fenício, reconhece-se em seu elemento ao visitar um
barco – pequeno e ancorado, é preciso dizê-lo – , talvez por nele
encontrar ecos de seu universo simbólico. Na crônica, curiosamente
ancorada entre uma série de doze semanas em que tratou apenas de
contos do mundo inteiro que se estruturam em torno de adivinhações
em seu texto semanal e outras série dedicada aos pregões populares,
Cecília abre espaço para aquilo que ela própria chama de seu
“coração marinheiro”:
“ (...) o ambiente despertava um gosto de aventura saudável, por
mares difíceis, assaltados por monstros bravos, com vento salgado
pelos cabelos, turbulência de ondas no convés, e a música das
roldanas, áspera e forte, que tem estranho poder sobre os que
verdadeiramente amam viajar.
(...) porque a gente do mar tem seus hábitos, sua fome segue outros
ritos; no mundo das águas se esquecem os usos fixados em terra; a
mesa tem uma plenitude diferente, e reparte-se de outra maneira.
(...) Os homens do mar têm seus luxos: o binóculo, os mapas abertos,
a leitura que vai armando paisagens e conversas no fumo doce do
cachimbo. (...)
Íamos todos enobrecidos de sonho, unidos em amor àquele que conosco
tanto amara perder-se e encontrar-se nessa experiência do oceano,
tão igual à da vida.
Os homens do mar têm seus luxos: grandes silêncios, percursos
variados, súbitas aparições...
E quem navega tem suas esperanças tranqüilas: vencidos os mares, há
sempre um lugar de encontros imaginários, em porto feliz. (...)
De mar em mar chegaremos ao nosso destino.”
[32]
Sem cair na obviedade de assinalar a recorrência do mar e da viagem
como temas de sua obra em verso e em prosa, sem insistir na
variedade das latitudes que visitou em suas viagens físicas,
assinaladas por todos os seus biógrafos[33], sem ceder à tentação de assinalar os roteiros
simbólicos por ela percorridos, cabe salientar a pertinência da
viagem como metáfora do itinerário intelectual de Cecília Meireles,
já amplamente reconhecida como “especial viajora”
[34], sempre em busca e sempre
“(...) entre a sua ânsia e o seu desalento , sua concepção de um
ideal e o vazio do mesmo (...)
Por isso ela se move, ‘viaja’, sonha com navios, com nuvens, com
coisas errantes e etéreas, móveis e espectrais, transformando em
pura poesia essa caminhada” [35]
Este estudo, na verdade o entrecruzamento de duas viagens distintas,
aquela das grandes navegações empreendidas por Cecília e essa,
infinitamente mais modesta, de uma das leituras possíveis de alguns
dos seus itinerários menores, distintos daqueles de suas rotas mais
gloriosas pelo “Mar Absoluto” da poesia, pretende ter como lastro
uma advertência da própria Cecília
“O que nós escrevemos passa a ser outra coisa a cada pessoa que nos
lê” [36]
Como nas viagens, é na diferença entre o ponto de partida e os
pontos de chegada que os roteiros ganham sentido, é na tensão entre
o conhecido e o desconhecido que se tecem os significados, e são os
olhos do viajante que desenham os mapas.
2. Itinerários
“Muitas velas, muitos
remos.
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.”
Cecília Meireles: O rei do mar
IN: Vaga música.
Poesia Completa p. 182
2.1. No
rumo do futuro:
Entre os
itinerários menores percorridos por Cecília Meireles, aqueles feitos
fora do mar-oceano da poesia em tom maior, esta o de suas viagens
pela literatura infantil. É uma viagem muito particular a que
empreende por esse continente da infância, e nela seu barco parece
equipado com uma bagagem que sintetiza sua memória infantil, sua
identidade de professora e de poeta, sua paixão pelos livros, sua
convicção do papel da leitura, da educação e da escola e seu projeto
de futuro, que em alguns momentos aparece através de sua faceta de
militante aguerrida, empenhada na construção de um tempo que há de
vir e, em outros de contemplativa serena do tempo que flui e mestra
do ritmo das palavras.
Em sua memória infantil, tão
surpreendentemente exposta em livro, que, ainda que narrado na
terceira pessoa, é um mergulho na introspecção contemplativa em que,
pelo milagre da imaginação, escapa da condenação de um mundo
presidido pela onipresença da morte que lhe chega através de todos
os sentidos [37], Cecília vai buscar na lembrança a
menina solitária revivida em seu primeiro contato com os livros
“E para separar-se definitivamente do mundo de todos, construiu um
muro de livros, e declarou: ‘Eu agora moro ali dentro.’ “
[38]
E por morar dentro da muralha feita dos livros que ainda não lê,
como os que amam os livros[39],
a menina que “de bruços no tapete virava as folhas dos livros”
associa suas doces lembranças da avó a um livro muito especial
“ Boquinha de Doce sentava-se na sua cadeira de vime, abria
também seu livro, que era pequenino, mas grosso, e de beiras
douradas, e ali ficava, entre nuvens. E a menina ajoelhava-se,
levantava-se, chegava-se para perto dela, aninhava-se no seu colo,
ficava entre o seu rosto e o livro. E as figuras passavam: homens de
outros tempos abriam os braços falando para multidões; a cabeça do
santo gotejava sangue, sob os espinhos ; o corpo do santo se
arrastava entre os soldados; o santo morria na cruz e as mulheres
choravam ajoelhadas.”[40]
assim como associa a livros o que via de belo
“como uma figura de livro, a noiva, parecia apenas um desenho”[41]
e seus sonhos
“Esses seus sonhos de música, ela mesmo não os entende. Mas pensa,
pensa em certos sons muito finos, espaçados, extremamente
agradáveis, como em alguma coisa inesquecível que se ouviu
remotamente com infinito prazer. Virá das gravuras dos livros?” [42]
Também nas entrevistas que concede a lembrança infantil dos livros é
uma constante:
“Quando eu ainda não sabia ler, brincava com livros e imaginava-os
cheios de vozes, contando o mundo.”
[43]
E, se soma à sua vasta obra poética uma produção específica para
crianças é porque está convencida que
(...) “Escrever para crianças tem de ser uma ciência e uma arte, ao
mesmo tempo. (...)
[Ciência] porque é necessário conhecer as íntimas condições dessas
pequenas vidas, o seu funcionamento, as suas características, as
suas possibilidades. (...)
[arte porque] O artista é uma criatura que se distingue das outras
pela sua intuição, pela sua sensibilidade e pelo poder de criar de
acordo com a vibração especial que lhe transmite cada ambiente. Por
isso mesmo, há neles como uma faculdade divinatória, que os faz
pressentir acontecimentos e épocas. Eles são, também, capazes de
escrever para as crianças, embora ignorando as verdades que sobre
elas vêm fixando a ciência: orientados apenas pela delicadeza do seu
tato espiritual e pelo desejo superior de um convívio íntimo com a
alma infantil. Modernamente, aliás, se está verificando uma enorme
similitude psicológica da criança com o artista; quer na vivência
subjetiva; quer nas realizações objetivas.
Escrever para criança é, ao mesmo tempo, difícil e fácil. É, como um
dia, ouvi dizer: o ovo de Colombo. O difícil é a gente ser
Colombo. Ser, de fato. Não, apenas, pensar que é...”
conforme escreve na Página de Educação do dia 11 de novembro
de 1930, preferindo o comentário sobre a ciência e a arte de
escrever para crianças no dia em que o jornal noticia que seria
assinado, ainda naquela semana, o decreto dissolvendo o Congresso
Nacional, na semana da posse de Getúlio Vargas como presidente, três
dias depois da publicação da notícia de um sério conflito entre
hitleristas e a polícia nas ruas do Rio de Janeiro: no mesmo
Diário de Notícias que registra os acontecimentos que cercam a
consolidação do golpe de 30, Cecília afirma que os livros de
crianças se constituem na ciência e na arte dos que são, ou pensam
ser, descobridores.
Por essa razão escreve para crianças e sobre o que para elas se
escreve.
Por isso ao traçar o perfil de Cecília em seus arquivos
Implacáveis, João Condé anota, hierarquizando as preferências
pela prioridade como pela tríplice repetição:
“ – Coisas que ama: crianças, objetos antigos, flores, música de
cravo, praia deserta, livros, livros livros, noite com estrelas e
nuvens ao mesmo tempo.”[44]
Para crianças, Cecília escreve livros e promove a leitura, “sâo os
livros naus que arma para o descobrimento, porque são os livros que
permitem ler não apenas o que em suas páginas está escrito, mas o
mundo” [45]
“Ah! Tu, livro despretencioso, que , na sombra de uma prateleira um
dia uma criança livremente descobriu, pelo qual se encantou, e, sem
figuras, sem extravagâncias, esqueceu as horas, os companheiros, a
merenda... tu sim és um livro infantil e o teu prestígio será na
verdade imortal.”[46]
É interessante assinalar que uma de suas primeiras publicações,
aquelas feitas antes que completasse 25 anos e iniciasse sua
presença no debate público sobre a Escola Nova e sua produção
poética mais reconhecida, está um livro infantil, Criança, meu
amor [47], publicado
no mesmo ano em que Walter Benjamin publica seu primeiro texto sobre
livros infantis[48], em
1924, e que será adotado pela Diretoria Geral de Instrução Pública
do Distrito Federal e aprovado pelo Conselho Superior de Ensino dos
Estados de Minas Gerais e Pernambuco e amplamente utilizado como
livro de leitura escolar a partir de então. Como se fechasse um
ciclo, sua última publicação em livro, feita em 1964, ano de sua
morte, é também um livro infantil, desta vez de poesias, Ou isto
ou aquilo,[49] até hoje utilizado nas escolas.
Nos quarenta anos que separam 1924 de 1964, a produção de Cecília
para crianças, sobre crianças e sobre literatura para crianças é
significativa, ainda que não constante ou uniforme.
Para crianças escreve também A Festa das Letras
[50]em 1937, Rute e Alberto resolveram ser turistas
[51], em 1938; a Nau Catarineta[52]
e O menino atrasado [53]
em 1946, e Rui, pequena história de uma grande vida
[54], em 1949.
Para o público infanto-juvenil serão publicados, depois de sua
morte, livros que recolhem textos de Cecília inicialmente não
destinados exclusivamente ao público infantil, como é o caso de
Escolha seu sonho[55],
coletânea de crônicas extraídas dos programas radiofônicos de que
participou com outros escritores da época na Rádio Ministério da
Educação e Cultura, intitulado “Quadrante” e na Rádio Roquete Pinto,
denominado “Vozes da cidade”; A janela mágica
[56], crônicas retiradas de coletâneas anteriormente
publicadas e dos textos preparados para os mesmos programas
radiofônicos que serviram de base para Escolha seu sonho;
Ilusões do mundo[57] também composto por crônicas
originalmente escritas para programas radiofônicos produzidos entre
1961 e 1963; O que se diz e o que se entende
[58], também uma coletânea de crônicas por vezes utilizada
em escolas, e
Giroflê, Giroflá [59], que recolhe algumas crônicas do
livro homônimo publicado em 1956, em edição limitada, e que reúne,
sobretudo, crônicas de viagens pela ìndia e Itália, precedidas da
cantiga de roda tradicional que dá nome ao livro. Surpreendentemente
também é indicado para leitura infantil o livro Olhinhos de gato
[60], seu livro de
memórias de infância, que se abre com a narrativa densa e complexa
de suas lembranças do beijo dado no rosto frio da mãe morta, quando
ela tinha apenas 3 anos de idade.
[61]
Todos os que foram escritos e publicados pela autora para crianças[62] estão, de alguma forma, ligados à escola e às
atividades escolares, porque, para ela
“A escola é o centro da vida”[63].
E todos são livros de leitura, os que são escritos em verso como os
que são em prosa, mesmo aqueles destinados a cumprir o programa de
uma determinada disciplina escolar, como Rute e Alberto
resolveram ser turistas, que contem o “programa de ciências
sociais do terceiro ano elementar”, como esclarece o subtítulo.
Para a promoção da leitura entre as crianças, idealiza e cria, no
período em que Anísio Teixeira dirigia o Departamento de Educação do
Distrito Federal, a primeira Biblioteca Infantil especializada do
Brasil, localizada no Pavilhão Mourisco de Botafogo, cuja curta vida
será por ela sempre presidida:
“Em 1934 , é designada pela Secretaria de Educação da Prefeitura do
Distrito Federal Para dirigir um Centro Infantil, a ser instalado no
Pavilhão do Mourisco. Cria então a primeira biblioteca infantil da
cidade e aproveita ao máximo as possibilidades arquitetônicas do
Pavilhão, para oferecer às crianças múltiplas atividades educativas
e recreativas. Naquele clima de magia tão essencial à mente
infantil, as torres passam a abrigar, entre refúgio e descoberta,
coleções de selos e estampas e uma discoteca. O porão, decorado por
Fernando Correia Dias, é uma espécie de cidade encantada onde as
crianças possam exercitar livremente sua imaginação. Nas datas
especiais, imprimem-se folhetos educativos, com figuras, poemas,
textos breves e fotos, para distribuir aos pequenos usuários do
Centro. Foi curta, porém, a vida desse paraíso infantil. Novamente
armaram-se as intrigas políticas, e a entidade foi fechada, sob a
alegação de que a biblioteca continha livros perigosos para a
formação das crianças. A evidência foi a presença de As Aventuras
de Tom Sawyer, de Mark Twain. Mais evidente, entretanto, foi a
má repercussão do episódio, tanto nos Estados Unidos da América
quanto no Brasil.”[64]
Dez anos mais tarde, em crônica sobre uma entrevista dada em
Washington a uma jovem jornalista ávida em ressaltar seu
pioneirismo, Cecilia, reconhecendo que a biblioteca “foi a primeira
a existir, dentro dos seus moldes, no Brasil”, abre um parênteses
para um comentário irônico sobre o episódio:
“ ( A história seria longa de contar, embora servisse para
ensinamento de muitos, espanto de vários, e divertimento de todos)”
[65]
Sobre a criança e a infância como idade da vida e potencialidade de
futuro para o país e para a humanidade, são muitos os escritos de
Cecília, tanto aqueles dispersos em sua vasta produção de crônicas
publicadas em jornais como seu texto em prosa de síntese sobre a
nova educação, a literatura e sua função na educação de um povo, sua
tese apresentada ao concurso para a cátedra de literatura brasileira
da Escola Normal em 1929 intitulada O Espírito vitorioso
[66]
certamente um escrito de juventude, assertivo e polêmico, generoso e
retórico, mas sempre fiel a algumas das características e convicções
que manteve ao longo da vida.
Sobre literatura infantil escreve, além de vários Comentários
na “Página de Educação” e crônicas[67],
um texto fundamental, publicado em 1951 com o título de Problemas
da Literatura Infantil [68],
na verdade o resultado de três conferências num curso de férias dado
aos professores da rede pública de Belo Horizonte em janeiro de
1949, a convite do então Secretário de Educação dessa cidade, Abgard
Renault.
Nessa publicação, com a paciência e o detalhe dos armadores das
grandes expedições, Cecília desenvolve o tema, de tal forma que o
livro permite encontrar uma Cecília Meireles que teoriza sobre a
literatura infantil, aprofunda seu significado na educação daqueles
que ela via como o Brasil do futuro, define a relação entre
literatura infantil e escola, insiste na importância das
bibliotecas, propõe um cânon para esse tipo de literatura num
capítulo intitulado “Como fazer um bom livro infantil”[69] e, também ao desenvolver o tema da
literatura para crianças, volta a afirmar suas convicções
humanistas, universalistas e estéticas.
O argumento central é sua explicitação do que é a literatura:
“A Literatura não é, como tantos supõem, um passatempo. É uma
nutrição.”[70]
A autora de versos sobre a importância da bertalha, do espinafre e
das frutas frescas para a saúde dos corpos infantis, faz, nesse
escrito, a sua segunda festa das letras, agora em prosa e
referida à saúde dos corações e das mentes das crianças. São os
livros o alimento básico do espírito, e por isso os que se escrevem
para crianças devem ser, sobre tudo, Literatura, ou seja uma escrita
maiúscula que deve obra de grandes literatos, porque será a pedra
angular do intelecto, da formação moral e da educação do gosto
estético. E porque é alimento para a vida deve estar sustentada pelo
que haja de mais perene – a grande tradição -, de mais sólido – o
humanismo – e de mais amplo – o universal.
Com essa referência como base, que constantes e que elementos de
diferenciação é possível encontrar na literatura infantil de Cecília
Meireles? E, se para escrever para crianças é preciso ser – ou
pensar ser, como ela esclarece – um descobridor, que descobrimentos
essa leitura permitiria a seus pequenos leitores?
Para que a resposta não seja simplista, é importante buscar alguns
elementos de contraste.
Entre os estudiosos do livro e da leitura estão Anne-Marie Chartier
e Jean Hébrard. Em livro recentemente publicado entre nós, esses
dois autores analisam os manuais de leitura na França entre 1880 e
1960. Sem pretender uma apropriação mecânica da análise feita,
certamente inadequada para o caso brasileiro em geral e para a
literatura infantil de Cecília Meireles em particular, é sempre útil
incorporar a observação feita por esses autores no sentido de
sublinhar a relevância do estudo dos livros para a leitura das
crianças:
“ Os manuais de leitura são a verdadeira estrada para se entrar no
mundo escrito. (...) Dentre todos os livros, o de leitura escolar é
aquele sobre o qual uma pessoa terá passado a maior parte de sua
vida” [71]
É igualmente importante refletir sobre as mudanças que situam o que
de moderno se afirma na materialidade, na didática e na textualidade
dos livros de leitura na França, a partir de 1925 e até 1960: a
passagem de
“um modelo único, firmemente estabelecido, que faz da leitura a via
de acesso a todas as vias do conhecimento, a uma situação mais
complexa, na qual coexistem três tendências: o modelo enciclopédico
universal, o modelo que transforma o manual de leitura em um
compêndio de narrativas morais, e, por fim, o que tenta fazer entrar
a literatura na leitura primária”.[72]
Chartier e Hébrard apontam, no período, um movimento em três
direções. A primeira tendência é aquela que consolida o “modelo
enciclopédico das leituras instrutivas”
[73], que, segundo os autores, é aquele que pretende, ao
relacionar organicamente leitura e instrução. Esse tipo de livro
pretende visitar e compendiar os mais distintos domínios do saber,
sintetizando num texto narrativo o inventário, detalhado e
escrupuloso, dos conhecimentos de higiene, geografia, economia
doméstica, história, e o que mais for possível. O tipo mais
freqüente de narativa é o da viagem de duas crianças, que, ao sabor
da aventura, vão descobrindo a pátria, suas riquezas e os valores
morais dos que a constróem, formando-se assim, no prazer da leitura
ao mesmo tempo que são iniciados, como catecúmenos, na religião
leiga do nacionalismo e do patriotismo. O paradigma desse tipo de
livro de leitura é o livro Le tour de la France par deux enfants,
cuja autora se esconde sob o pseudônimo de G. Bruno, e que já foi
objeto de várias análises, inclusive do importante texto de Mona e
Joseph Ouzouf[74]
. Lição das coisas, portanto.
Por sua vez, “o modelo educativo da narrativa moralizante”
[75] , em grande parte o resultado da introdução de
compêndios especializados por disciplinas que retira do “livre de
lecture courante” o monopólio da leitura instrutiva nas escolas que,
de certa forma, exercia. Os livros que pertencem a esse conjunto
concentram-se em conteúdos morais e relativos à vida quotidiana dos
futuros cidadãos. São, sobretudo, lições de vida. Seu objetivo é
formar o coração e a vontade, e, se na maioria das vezes segue o
roteiro da vida de uma criança que, surpreendida por um
acontecimento transformador de sua rotina, transforma-se e assume
seu destino. Alguns deles são narrativas em verso, e todos procedem
à escolha de determinados temas para fins de moralização e se tornam
livros obrigatórios das bibliotecas escolares, e tem como
denominador comum a aventura palpitante.
Por fim o terceiro tipo de livro na taxonomia de Chartier e Hébrard,
é aquele que os autores denominam de “ modelo cultural das leituras
literárias” [76]. São antologias de grandes autores
literários postos ao alcance dos pequenos. Trata-se, no caso, de uma
lição eminentemente estética. O objetivo é formar o gosto das
crianças e não a transmissão de conhecimentos, quer sobre os
autores, quer sobre alguma disciplina ou sobre a moral. A
exemplaridade pretendida é a do domínio da palavra escrita e da
regra culta, da arte de escrever bem, do domínio da língua vernácula
e de seu patrimônio constituído pela literatura.
Seria simplista o exercício classificatório das obras infantis de
Cecília Meireles nesses três domínios. Alguns matizes e
diferenciações podem sugerir caminhos talvez mais ricos, porque
menos mecânicos e mais atentos à história, essa eterna
relativizadora de modelos.
Com efeito, a primeira diferença a ser destacada é que os livros
infantis de Cecília não se enquadram, ao menos em sua totalidade, na
categoria de “livres de lecture courante”, tão específica das
práticas escolares francesas. Com a exceção de Criança meu amor,
adotado como primeiro livro de leitura em não poucas escolas,
são livros para a leitura, por vezes para a encenação
dramatizada em ocasiões bem determinadas, como no caso do auto de
Natal O menino atrasado; em alguns casos são temáticos ou
disciplinares, como
A Festa das Letras e o livro que contem o programa de
Ciências Sociais do terceiro ano elementar, Rute e Alberto
resolveram ser turistas; pertencem à categoria das leituras
recomendadas pela escola, como no caso de Ou isto ou aquilo,
Rui, pequena História de uma grande vida e de alguns livros que,
sem que tivessem sido escritos para o público infantil, foram e são
usados nas escolas, como as antologias de crônicas, e mesmo
Olhinhos de gato e, ainda que como tais possam ser utilizados,
não são manuais de leitura cuja confecção seja presidida por essa
intenção e que possam ser considerados adequados ao que Chartier e
Hébrad chamam da “inelutável lei do gênero”:
“ler na escola, aprender a ler na escola, significa dizer um texto
na convivência de um grupo, com a lentidão decorrente das trocas,
com a meticulosidade das verificações, com a paciência ditada pela
necessidade do emprego do tempo” [77]
Mesmo que, de fato, assim fossem utilizados nas escolas e
eventualmente continuem a sê-lo, não parecem estar escritos para a
leitura em voz alta, que se orienta para a construção da
coletividade e reforça os laços comunitários, que pressupõe uma
certa ética societária e que remete para a esfera pública. Parecem
estar escritos para a leitura silenciosa na intimidade do lar ou na
solidão da biblioteca, aquela que permite aos leitores subtrair-se
do mundo, entrar no mistério do universo interior, dar asas soltas à
imaginação e construir a individualidade, para operar com uma
diferenciação proposta por Roger Chartier[78].
Não sem razão Cecília, quando convoca o pequeno leitor para o
diálogo, o faz sempre no singular, referindo-se a um leitor único
com quem dialoga com exclusividade e grande intimidade, como no caso
do texto de abertura que cumpre as vezes de breve prólogo
programático em Criança meu amor
“Como te chamas? Que idade tens? Onde estás? Não sei quem és, mas eu
te amo.
Sem te conhecer compus este livro que te ofereço, querendo fazer-te
feliz.”[79]
ou no postfácio do livro Rui. Pequena história de uma grande vida:
“Se vires uma casa pobre e, lá dentro, um menino que estuda,
sozinho, e se encanta com o seu estudo e não quer saber de mais
nada, - pergunta pelo herói, que decerto, passou por ali.”
[80]
À semelhança dos livros franceses que servem de base para a análise
de Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard, os livros que Cecília escreve
para crianças são livros para serem guardados não apenas na
biblioteca de cada criança e de cada escola, mas também em seus
corações, e para serem levados, indeléveis, pela vida a fora. Ela o
explicita com toda clareza:
“ Pois não basta um pouco de atenção dada a uma leitura para revelar
uma preferência ou uma aprovação. É preciso que a criança viva a sua
influência, fique carregado para sempre através da vida, essa
paisagem, essa música, esse descobrimento, essa comunicação.”[81]
Textos para serem lidos e lembrados, para que cumpram a função
iniciática e soteriológica de que fala Menguel a partir de sua
experiência pessoal de leitor,
“ Um texto lido e lembrado passa a ser, nessa releitura redentora,
como o lago gelado no poema que decorei há tanto tempo, tão sólido
quanto a terra e capaz de sustentar a travessia do leitor, contudo,
ao mesmo tempo, sua única existência está na mente, tão precária e
fugaz como se suas letras fossem escritas na água.” [82]
No entanto, à diferença dos livros franceses da república, que
iniciam um processo de diferenciação clara entre os livros de
narrativas literárias e os livros de instrução, os que Cecília
Meireles para crianças jamais abrem mão de aliar o cuidado com a
forma ao conteúdo instrucional, e, mesmo no caso extremo da pauta
rígida do alfabeto constrangendo os versos breves da Festa das
Letras a transmitirem a crianças muito pequenas – as que estão
sendo alfabetizadas - duras lições de saúde e higiene, tantas vezes
na contramão dos hábitos alimentares profundamente arraigados no
povo brasileiro. Ainda que em boa parte do texto os versos estejam
longe de revelar a melhor poesia de Cecília, em algumas ocasiões
deixam perceber sua maestria de equilibrista das palavras no jogo
das aliterações e das onomatopéias. No primeiro caso, estão, por
exemplo, os absurdos e dificilmente defensáveis, qualquer que seja o
canon estético utilizado, versinhos da letra E,
“Mas que E,
Engraçado!
E – de Estômago bom – menino Excelente.
E – de Estômago mau – menino Enjoado!
E – de prato de Espinafre!
Eta! – maravilha!”[83]
que contrastam com os
versos finais em torno a letra F:
-
“Ó menina da menina da Face vermelha
onde viu
Maior Formosura
Que na pela da Fruta madura?
Ó menina da Face vermelha
Veja como a abelha
Se agita
Por não Ter certeza
Se essa cor tão bonita
É da sua Face
Ou da Framboesa!” [84]
É o caso também, não tanto pela forma mas pelo conteúdo, do elogio
da poesia embutido entre as lições de Ciências Sociais em Rute e
Alberto Resolveram Ser Turistas,[85] curiosamente subtraído da edição
americana do livro[86],
e discretamente presente no livro Criança meu amor
[87].
A terceira e mais significativa diferença entre os livros infantis
de Cecília Meireles e os manuais da república francesa, é que longe
de pretender formar em seus leitores o espírito nacional e a
cidadania republicana, o que aparece sublinhado em todos eles é o
desejo de construir homens e mulheres que, sem deixar de ser
Brasileiros, se reconheçam como universais e encontrem na humanidade
sua verdadeira pátria. Essa parece ser a religião leiga a que
Cecília presta culto e rende homenagem: a do universalismo e do
humanismo, e não a do nacionalismo e do patriotismo definido por
fronteiras territoriais.
Em seus livros para as crianças o Brasil é mais um elemento de
identidade que um projeto, sempre referido em sua grandeza e
potencialidade[88]. Em
seus escritos mais combativos, o Brasil é futuro a ser conquistado
através da educação:
“O que o Brasil tiver de ser, depende do modo pelo que resolva o
problema educacional.”[89]
Tanto nos seus escritos sobre a educação quanto na educação para a
qual quer que seus livros infantis colaborem, o Brasil é o nosso
solo de universalidade. É para abrir horizontes do tamanho do mundo
que se destina a educação:
“Não se pode compreender o indivíduo completamente educado senão
quando seus sentimentos já se estenderam além da órbita familiar,
além da órbita nacional, até os pontos mais vários do mundo em que
viviam homens, seus irmãos. O espírito de fraternidade transpõe
fronteiras, atravessa o mistério das línguas, esquece as diferenças
da raça. Ele é o fim da educação, porque só vale a pena viver para
uma coesão total de esforços entre povos pacificados pelo amor.”[90]
É essa a “Consagração”, que Cecília anuncia às crianças leitoras ser
a glória de Rui Barbosa, a que reunia a defesa da pátria e o
sentimento do mundo:
“Um dia – há quanto tempo? – a Argentina o recebera como um foragido
político. Vira-o partir depois, para mais longe, melancólico
exilado.
E agora recebia um Herói, carregado de glória, que aos antigos
padecimentos em defesa da Pátria, juntara padecimentos novos, em
defesa do mundo.”
[91]
Ainda que de forma confusa e generalizadora, talvez fosse essa a
tese que defendera aos vinte e oito anos para o ingresso frustrado
no magistério na Escola Normal do Distrito Federal, propondo um
sistema tridimensional para a percepção de cada coisa no mundo como
método para destacar o valor da palavra e da literatura:
“Cada fenômeno objetivo e cada coisa pode ter três vidas: a que se
limita à sua forma exterior; a que lhe emprestamos, subjetivamente,
e que está em relação com as nossas próprias paixões; e ainda uma
terceira, que é a generalização dessas duas, generalização em
imagem, imagem universalizada, - a idéia repousando num símbolo .”
[92]
Para Cecília, o “Espirito Vitorioso” deve ser universal.
“Espírito Vitorioso: olhar frente a frente o Universo!”[93]
E o poeta deve estar a seu serviço.
“O poeta será o unificador dos destinos, o construtor da
solidariedade universal.” [94]
Para alguns, esse é o ponto vulnerável em que a militância que a fez
combater por uma educação moderna porque defendia ser do Estado o
dever e a responsabilidade de uma educação para todos, leiga e
gratuita se tornava idealista. Para outros, essa é sua particular
marca de grandeza de espírito. Para ela própria, essa é a sua
confissão de fé:
“Eu creio que se a humanidade se conhecesse bem melhor se amava. Ela
encontraria em todas as raças, no fundo de todos os países, a mesma
fisionomia de vida e sonho (...)
“Eu creio também que essa revelação de identidade humana se pode
fazer mediante a obra poética. Os poetas só são verdadeiramente
poetas quando possuem esse Dom do universal que os liberta da
fatalidade do tempo e do espaço, imortalizando-os no coração de
todos os séculos e todos os homens.
Eu creio, por fim, que a obra de educação terá de ser uma obra de
alta poesia, e que chegará um momento em que as vocações pedagógicas
se terão de definir como missões civilizadoras do espírito, de
atividade quase especialmente artística, a atividade que está mais
diretamente ligada à vida, que a procura definir, que a sugere, que
a interpreta, que dá às criaturas essa noção de presença de si
mesmo, no cenário universal .”[95]
3. Os
pequenos navios obstinados:
Em 1945 Cecília Meireles publica Mar
absoluto. Nele Cecília nos fala de “grandes navios obstinados”
num longo poema, intitulado “Compromisso”. Talvez pudessemos pensar
nos seus sete escritos publicados para crianças como uma armada de
“pequenos navios obstinados”.
Ela, que afirmara que
“ a educação é a única das coisas deste mundo em que acredito de
maneira inabalável. “[96],
ela que acreditava na potencialidade educadora da leitura,
possivelmente pensava, ao escrever para o público infantil, algo
semelhante ao que dissera sobre o escrever em jornais:
“porque é uma esperança obstinada esta, que se tem, de que o público
leia e compreenda.”[97]
Unindo a fé à esperança – ambas obstinadas - , Cecília escreve
também para que as crianças leiam, e, pela leitura, compreendam o
mundo.
Esses livros são, com freqüência, mencionados nas análises
que dispomos sobre literatura infantil
[98]. Sua reflexão de cunho teórico sobre a literatura
infantil, o livro
Problemas da literatura infantil, é referência obrigatória.
No entanto, são poucas as análises da produção de Cecília para
crianças.[99]
Pretendemos, aqui, fazer uma incursão exploratória por esses mares
até agora pouco navegados, tomando como carta de marear algumas das
reflexões de Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard sobre a leitura.
Se é verdade, como já ficou indicado, que identificar as diferenças
entre, por um lado, os livros infantis e as propostas educativas de
Cecília Meireles para a educação e, por outro, as propostas
presentes nos livros de leitura da França republicana é um exercício
indispensável para o estudo histórico dos primeiros, é importante
assinalar que outro exercício, simétrico e complementar, é o de
explorar a hipótese de que, se bem a produção de Cecília para
crianças não possa ser classificada em nenhum dos três modelos
propostos por Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard, ou sequer
distribuída pelo conjunto dos três tipos de livros de leitura
propostos por esses autores, talvez seja possível encontrar, em cada
um dos livros que Cecília escreveu para crianças, não como modelos,
mas como dimensões presentes em todos eles, o caráter enciclopédico
e instrutivo, a conotação educativa e moralizante e a preocupação
estético-literária.
Numa primeira aproximação, possivelmente o que mais se destaca na
leitura dos livros que Cecília escreveu para crianças é seu caráter
fortemente moralizante, talvez porque surpreenda ao leitor adulto
encontrar nesses escritos pouco freqüentados daquela que sempre se
distinguiu pela autonomia pessoal em relação às escolas literárias,
da participante ativa do marco democrático que, com as contradições
próprias do tempo, representou o movimento escola-novista, daquela
que fez da palavra “liberdade” uma das constantes de sua poesia e de
sua atividade jornalística, um tom tão marcadamente moralista e,
hoje, com acentuado teor reacionário.
É em Criança meu amor e Rui, pequena história de uma
grande vida que essa característica é mais marcante. Entre a
publicação dos dois há uma distância de 25 anos que não deve ser
esquecida.
No primeiro, o moralismo é uma constante, e se revela,
particularmente nos textos “O bom menino” e “O mau menino”, que
constróem uma oposição de um maniqueísmo extremado. O bom menino é
descrito – com um certo abuso de diminutivos – como um ser
angelical, e ao final da descrição não falta um quase exame de
consciência
“Sei de um menino que vem todos os dias à escola, com a sua roupinha
asseada e as suas lições bem sabidas.
(...) ele não vem aos pulos e aos gritos, como os outros colegiais.
Vem como uma criança ajuizada, bem direitinho, muito direitinho...
(...) Nunca ninguém se queixou deste menino. É ele que aconselha os
mais turbulentos a não brigarem; é ele enfim, que explica aos mais
atrasados as lições que não compreenderam bem...
Sei de um menino modelo, cujo nome não digo, porque ele não
gostaria, se eu dissesse...
Qual de vocês conhece esse menino?
Qual de vocês é ele?”[100]
No polo oposto as crianças encontrarão, páginas e semanas de leitura
depois, o “mau menino”, que ao contrário do “bom menino” tem nome e
cuja maldade principal é não gostar de sua professora. O “mau menino
não é descrito, mas sim objeto de acusação e de uma repreensão na
que não falta um certo tom de chantagem, pela voz de um narrador que
tudo vê e tudo sabe, e que conhece as ações e os sentimentos mais
íntimos do menino e de sua abnegada professora, à imagem e
semelhança do olho de Deus que aterrorizou tantas vidas infantis:
“Oh! Tu não gostas da professora, Julinho! Não gostas...
Quando ela explica a tabuada, rabiscas bonecos no papel. À hora da
leitura, não sabes nunca onde deves ler. Ela pede silêncio e tu
conversas, e fazes bulha com os pés...
Oh! Tu não gostas da tua professora!
E no entanto ela te quer muito...
Ela vem à escola por tua causa, nos dias de chuva, nos dias de
doença...
Ela pensa em ti... Pensa no que vais ser quando cresceres e fores um
homenzinho...
Não sentes como a entristeces, sendo mau? Parece que ela te
pergunta, ás vezes, com o olhar:
Por que és ingrato assim, Julinho?
Oh! Tu não sabes ainda que dor nos causa a ingratidão , meu filho...
Mas não sejas ingrato!”[101]
O livro é composto de trinta textos curtos, e, como que marcando o
compasso do conjunto da leitura, por cinco vezes as crianças lerão
páginas presididas por um mesmo título, “Mandamento”, os únicos que
são seguidos de subtítulos que, invertendo a lógica das fábulas,
condensam a moral da história antes mesmo de sua leitura. São os
seguintes os mandamentos que Cecília inscreve nas tábuas da lei da
leitura escolar: “I - Devo amar a Escola como se fosse meu lar”, “II
– Devo amar e respeitar a professora como se fosse a minha mãe”,
“III – Devo fazer dos meus colegas meus irmãos” e “IV – Devo ser
verdadeiro”, “V – Devo ser dócil”.[102]
Já o livro sobre Rui Barbosa segue uma lógica distinta e é leitura
para crianças um pouco mais velhas, ainda que a idade dos leitores
para os quais foi escrito não esteja definida. Na verdade é uma
biografia edificante, nos moldes da hagiografia que freqüentava as
prateleiras das bibliotecas de classe das escolas religiosas, com a
mesma intenção de formar almas pelo método da exemplaridade ética. O
segredo de sua vida exemplar é o estudo e o amor que transborda dos
livros para a família, da família para a pátria, e da pátria para o
mundo.
Como nas vidas de santos, Rui sofre muito pela vida afora para
receber a coroa da glória nos altares da pátria e, no final do
livro, é canonizado como um herói. Como um predestinado, parece ser,
desde a mais tenra infância, a águia de Haia em ponto pequeno: o
primeiro capítulo que trata do biografado, na verdade o terceiro
capítulo do livro, intitula-se “Um menino prodígio”.
Na arquitetura do livro, é possível verificar dois deslocamentos
interessantes: em primeiro lugar, a Bahia – objeto dos dois
primeiros capítulos – aparece como uma projeção do Brasil, não
apenas porque
“Olhando-se no mapa , é como um Brasil pequenino: miniatura do
Brasil.”[103]
mas também porque é apresentada como sua origem:
“(...) era a mais antiga terra do Brasil,! A primeira a ser avistada
pelos descobridores...” [104]
Em segundo lugar, Rui aparece como uma projeção – em escala
superlativa - do brasileiro ideal, o que, presente de forma
implícita na totalidade do livro, se revela com uma clareza
meridiana, pois se quisermos encontrar hoje o herói, devemos seguir
os passos “do menino que estuda sozinho”, “do adolescente que medita
sobre a perfeição do homem, a salvação do mundo, a caridade e o
amor”, “no moço grave e discreto que acredita na Justiça, na
Liberdade e na Lei”, “no homem que se disponha a trabalhar noite e
dia para ajudar a construir uma Pátria digna e grandiosa, onde o
Direito proteja a todos, e a Ignorância e a Opressão sejam palavras
desconhecidas”[105]
Também nos outros livros a conotação moralizante está presente. É
fácil encontrá-la na constante oposição entre o bom e o mau, no tom
normativo e no elogio da moderação da Festa das Letras
“Ninguém com
de menos
Nem trabalhe de mais
Tenha Nervos serenos
Seja simples como o N
Das coisas Naturais!”[106]
É possível descobrí-la no desfecho do
auto de Natal escrito para teatro de fantoches, um final feliz em
que o próprio menino Jesus passa por cima da autoridade do porteiro
e vai ao encontro do Menino atrasado, barrado na festa do
presépio porque não trazia nenhum presente e chegava fora de hora,
porque reconhece a bondade no coração puro do menino pobre, ouve no
chamado do menino a voz do amigo e do irmão que busca um companheiro
para suas brincadeiras, e vai a seu encalço:
“Quem foi que chamou
por mim?
Ouvi, levantei-me e vim.
Quem disse que me quer bem?
Eu lhe quererei também
Quem quer ser o meu irmão?
Estenda-me a sua mão.”[107]
Também na família, ampliada e exemplar,
de Rute e Alberto está presente o tom moralizante: pai
trabalhador, mãe compreensiva, crianças ávidas de saber e bem
comportadas, tio que sabe ensinar valores e conhecimentos enquanto,
nas férias de verão, passeia pela cidade do Rio de Janeiro com os
meninos, empregadas solícitas que aprendem com a família e contam
histórias nas que, por sua vez, também os meninos aprendem. Mesmo no
último dos livros de Cecília para crianças, aquele em que sua exímia
arte da palavra é mais evidente e onde a fantasia conduz o jogo dos
fonemas, não falta uma “palmada bem dada” na menina manhosa que
parece não ter aprendido a lição da Festa das Letras:
“É a menina manhosa
que não gosta da rosa,
que não quer a borboleta
porque é amarela e preta,
que não quer maçã nem pêra
porque tem gosto de cera,
que não toma leite,
porque lhe parece azeite,
que mingau não toma,
porque é mesmo goma,
que não almoça nem janta
porque cansa a garganta,
que tem medo do gato,
e também do rato,
e também do cão
e também do ladrão,
que não calça meia
porque dentro tem areia,
que não toma banho frio
porque sente arrepio,
que não toma banho quente
porque calor sente,
que a unha não corta,
porque sempre fica torta,
que não escova os dentes,
porque ficam dormentes,
que não quer dormir cedo,
porque sente imenso medo;
que também tarde não dorme,
porque sente um medo enorme,
que não quer festa nem beijo
nem doce nem queijo...
Ó menina levada,
Quer uma palmada?
Uma palmada bem dada
Para quem não quer nada!”[108]
-
Em resumo: é um moralismo maniqueísta,
disciplinador e normativo o que se apresenta nos livros de Cecília
para crianças. Neles “os bons meninos” vão encontrar reforçadas as
hierarquias básicas presentes na sociedade através de sua
reafirmação no âmbito familiar e na escola. E se é verdade que
Cecília afirma o lugar dos pobres e o valor do respeito à pobreza,
também é certo que, em seus livros, os pobres e os excluídos não se
movem de seu lugar de subordinação. É assim com os sonhos de futuro
dos meninos de Criança meu amor, em que Oswaldo pretende ser
médico como seu pai, enquanto Adosinda,
“que é uma pobre menina, ficaria contente se, depois de moça pudesse
coser bem.” , e
“Antônio, um pretinho muito engraçado, queria ser cocheiro.”[109]
O mesmo ocorre com a multidão de pobres, escravos e desvalidos que
Rui Barbosa protege e cuida ao longo da vida, e com Georgina e Maria
da Glória, as empregadas da casa de Rute e Alberto,
aparentemente incluídas na família e tratadas com carinho, mas que
convivem com tranqüilidade com os gracejos do menino a respeito do
fato de serem negras[110]. A primeira dá prova cabal de sua
subordinação quando Alberto, encantado com os armários embutidos
encontrados em todos os quartos do apartamento alugado em Copacabana
para as férias, entra na cozinha e lhe pergunta se também tem um
armário, ao que Georgina responde:
“ – Tenho sim; olhe aí, em baixo da pia.”
É assim, por fim, com os “roceiros”, e as “pretinhas” do auto do
Menino atrasado, temerosos de que seus presentes de pobreza não
sejam aceitos, e mesmo sejam objetos de troça do menino-Deus e com a
anônima personagem da linda “Cantiga da babá” de
Ou isto ou aquilo, poesia que provavelmente Cecília escreveu
pensando em Pedrina, a babá querida de sua infância de menina orfã e
para a qual dedica muitas páginas de Olhinhos de gato. Na
poesia, todo o desejo da babá, condensado no “eu queria” que abre
cada estrofe, se volta para “pentear”, “calçar” e “dar asinhas de
arame e algodão” ao menino-anjo que cuida com desvelo e que dela
troça.
A leitura dos livros infantis de Cecília Meireles permite perguntar
como “preparam as criaturas que serão os adultos do futuro”[111],
para usar palavras suas na lúcida Página de Educação,
trincheira de seu próprio exercício de cidadania, em que faz da
defesa da Escola Nova o baluarte de seu sonho de uma sociedade
igualitária e democrática. A resposta encontrada em suas páginas
parece indicar que é para uma moral estritamente individual, toda
feita de virtudes pessoais e não há indícios de uma moral societária
e que aponte para a construção da cidadania em moldes mais
consistentes e democráticos.
A dimensão moral e moralizante é uma constante que salta aos olhos
em todos os livros de Cecília. Uma leitura mais atenta permite
verificar que, para além de educar numa determinada perspectiva
moral, todos os livros também instruem seus leitores, respondendo
assim, cada um deles a seu modo, ao ideal enciclopédico e
instrutivo.
No primeiro de seus livros, Criança meu amor, o aprendizado
é, primeiramente, o da leitura. Nele a criança encontrará, mesmo sem
que saiba disso, lições elementares sobre formas, figuras e gêneros
literários: a prosa e o verso; a carta, o diálogo, a fábula e o
conto; a metáfora, a metonímia, a aliteração e a honomatopéia.
Aprenderá também a apreciar o livro e a leitura, pela prática que o
livro possibilita e pela exortação reiterada, tanto no primeiro
quanto no último texto lido.
No texto de abertura, intitulado “Criança”, aquele em que a autora
se dirige diretamente à criança que a lê para dizer-lha que mesmo
sem conhecê-la a ama e para ela compôs o livro. A modo dos prefácios
programáticos, a autora pede:
“Dá-me um pouco do teu tesouro, oh criança!
-Como? Perguntarás.
Amando este livro que é teu, procurando entendê-lo e procurando
guardá-lo na memória do teu coração, que eu beijaria de joelhos, se
o pudesse beijar!...”[112]
Na “carta” que fecha o livro, e que cumpre as vezes de um posfácio,
uma madrinha escreve à sua afilhada, que talvez as crianças possam
reconhecer como a versão feminina do “bom menino”:
“Afilhadinha
Como sei que tens estudado muito, e que enches cada vez mais de
alegria a casa de teus pais, mando-te com a minha carta uma pequena
biblioteca infantil, onde a tua curiosidade encontrará muita coisa
útil e interessante.
Não te recomendo ordem e cuidado com os livros de que te faço
presente, porque sei que és uma menina modelo e que dobrada atenção
terás pelo que o meu carinho te envia.
Desejando que sejas cada vez melhor do que tens sido, abraça-te bem
sobre o coração,
A tua madrinha.”[113]
O livro real se desdobra assim na
“pequena biblioteca” imaginária, prêmio, tesouro e prova de carinho,
ensinando assim aos pequenos leitores algo mais sobre a leitura.
Mas o pequeno primeiro livro de leitura encerra ainda outras lições
além daquela da leitura: rudimentos de conhecimento sobre o tempo
(passado, presente e futuro; horas do dia e estações do ano; idades
da vida; tempo de trabalho e tempo de descanso; tempo de festa -
Carnaval e Natal - e tempo de rotina) sobre o espaço (a casa e a
rua; a escola; o jardim e o pomar; a terra e o mar) sobre higiene e
saúde (asseio, boa alimentação, ordem) e sobre a vida em sociedade
(a família, as profissões, a riqueza e a pobreza).
Encerra também um ensinamento sobre o emprego do tempo, síntese de
lição moral, aprendizado das horas, aquisição de noções de hábitos
de saúde e alimentação e aula sobre a hierarquia básica da sociedade
que se apresenta cindida entre “pobrinhos” e ricos. O texto se
intitula “A brincadeira do relógio”, ainda que faça o dia das
crianças assemelhar-se à vida na caserna.
“Meia-noite. Uma hora. Duas...Três...
E as crianças todas estão dormindo.
Cinco...Seis...Sete...
Zequinha Pôs a cabeça fora do lençol...
E Manuel e Antonio, e aquela lourinha, e Célia, e os outros de que
não sei o nome...
Oito horas. E as crianças todas estão bebendo o seu café com leite,
ou o seu café sem leite, se são pobrinhas...
Nove horas... Dez... E as crianças todas jé estudaram as suas
lições: a Elisa, o Eduardo, a Marina...
Onze horas. E as crianças todas estão almoçãndo.
Meio-dia, As crianças todas vão para a escola.
Uma, duas, três horas...
E as crianças todas estão trabalhando nas classes...
Cinco... Lá se vão todas as crianças...
Seis horas... Sete...
E as crianças estão jantando: o Luís, a Vera, o Plínio...
Oito horas, nove... As crianças brincam...
Dez horas... E as crianças todas adormecem...
Onze horas... Meia-noite. Uma hora.
E as crianças estão quase acordando outra vez...”[114]
Em A Festa das Letras a lição é outra. Espécie de cartilha em
versos curtos e livres, segundo o modelo formal das enciclopédias e
dicionários segue a pauta do alfabeto para ensinar hábitos
alimentares e de higiene[115],
listar alimentos de todo tipo – incluídas algumas frutas insólitas
como cambucá, grumixama e guabiraba - , instruir sobre práticas
saudáveis, esclarecer sobre o funcionamento do aparelho digestivo.
Aplamente ilustrado por João Fahrion, o livro foi escrito para
compor uma série didática e como parte de uma campanha nacional
capitaneada por Josué de Castro, médico e grande autoridade em
questões relativas à alimentação, co-autor do livro.
O livro Rute e Alberto resolveram ser turistas é um livro
didático de uma disciplina específica: as ciências sociais. As
crianças podem lê-lo como um “livro de histórias” e não perceberão,
ao seguir as aventuras dos dois irmãos, o que salta ao olhos do
leitor adulto: o conteúdo programático claramente identificável:
noções de tempo e de espaço mais sistematizadas e complexas que nos
livros escritos para crianças menores (semana, mês, ano, ano
bissexto, estações do ano; pontos cardeais, orientação na cidade e
no campo, meios de transporte, representações do espaço), o planeta
tera (esfericidade, movimentos de rotação e translação, a linha do
equador, polo Norte e polo Sul, hemisférios), acidentes geográficos,
o Brasil (extensão e riquezas, diversidade regional, atividades
econômicas) e a História do Brasil (descobrimento do Brasil,
fundação da cidade do Rio de Janeiro, período colonial, a vinda da
corte portuguesa, monarquia e república).
Mas o livro ensina também algumas coisas surpreendentes.
Em primeiro lugar, todo o aprendizado se dá fora da escola e nas
férias, e o grande pedagogo não é um professor, mas o tio Alberto.
Mais ainda: o método de aprendizagem supõe sempre a participação
ativa das crianças: responde à sua curiosidade, implica em ação (as
crianças fazem maquetes, exploram os monumentos como documentos,
localizam na cidade a cidade colonial, descobrem nos lugares que
sempre visitaram um sentido novo a partir do conhecimento que vão
adquirindo.
Em segundo lugar, se o tio Alberto dar todas as informações
solicitadas pelos sobrinhos com detalhes e precisão assombrosos, não
é só de sua erudição que os meninos aprendem coisas interessantes.
Georgina, a cozinheira, também tem a sua sabedoria, e dela os
meninos aprendem sobre festejos, cantigas, histórias fantásticas,
lendas, provérbios e crenças da tradição popular. Conforma-se assim
um duplo aprendizado, o do conhecimento letrado e o da sabedoria
popular.
Em terceiro lugar, uma lição verdadeiramente inesperada, sobretudo
se pensarmos que o livro foi publicado no Rio Grande do Sul: o
“turismo” que resolvem fazer, que os leva a descobrir o Brasil e a
descobrir-se como brasileiros é feito na cidade do Rio de Janeiro, e
não através do Brasil.
Ao contrário de André e Julien, os dois meninos de Le tour de la
France par deux enfants, que, órfãos de pai, cruzam
clandestinamente a fronteira alemã e circulam pela França inteira
numa aventura rocambolesca em busca da mãe e de um tio, Rute e
Alberto, sem nenhum sobressalto ou desgraça familiar, aprendem o
Brasil ao percorrer alguns pontos da zona sul da cidade-capital.
Enquanto os meninos franceses, segundo Jacques e Mona Ouzouf,
procedem a “uma apropriação do território francês”[116]
referida à construção da unidade nacional da França, neles mesmos e
através de duas operações: o percurso no espaço físico do país e a
aprendizagem que o ato de percorrer possibilita, uma vez que
“percorrer [...] é evidentemente unir”[117], os dois irmãos empreendem um
descobrimento do Brasil percorrendo fisicamente apenas alguns pontos
da cidade que metonimiza o país e percorrendo, mentalmente, o tempo
da História do Brasil, que é um contínuo do descobrimento aos nossos
dias, é obra de heróis individuais sempre ligados ao Estado e se
torna cognoscível através de documentos (a carta de Caminha) e
monumentos (o aqueduto da Lapa, o monumento comemorativo do quarto
centenário do descobrimento do Brasil no Jardim da Glória, o Jardim
Botânico, o túmulo de Estácio de Sá).
O percurso de Rute e Alberto é muito distinto daquele feito por
André e Julien, mas não deixa de permitir também uma união: aquela
da nacionalidade considerada como um dado que se recebe das mãos dos
heróis da pátria e dos governantes do Estado. O aprendizado que
fazem será também distinto. Ainda que se movam fisicamente, não pelo
país mas pela cidade do Rio de Janeiro que o representa e sintetiza,
o aprendizado do que seja o Brasil pelas duas crianças brasileiras é
sobretudo intelectual, e é pelo intelecto que comove seus corações
enquanto seus corpos se movem pela cidade. No caso dos meninos
franceses, o aprendizado é pela experiência de um constante
deslocamento físico que a aprendizagem intelectual se opera, e é
essa experiência que faz que em seus corações o drama pessoal abra
espaço para um sentimento novo: o da França como uma nação
construída por todos e tão viva no coração de cada um que “o nome da
mãe, balbuciado pelo pai ao morrer, último desejo e palavra final é
França”[118]
Algumas das lições de Rute e Alberto encontram seu
desdobramento no auto de Natal O menino atrasado: aquelas que
a cozinheira Georgina, iletrada professora das tradições imemoriais
do povo que nela ecoavam, transmitia sem método, sem conteúdo
programático e sem consciência de que ensinava algo. Para Cecília
Meireles, é nas formas, nos temas e nos ritmos do folclore que essa
sabedoria se condensa.
O menino atrasado e – supõe-se - A nau catarineta[119] permitem que as crianças que os leram ou as
que assistiram à sua encenação como peça de fantoches nas escolas a
saboreiem e com ela aprendam.
Em ambos, a forma do texto – um auto -, os temas específicos, e o
fato de estarem destinadas ao teatro de marionetes e fantoches já se
constituem em formas de aprendizado.
Na “nota” que precede o texto do auto de Natal em sua Segunda
edição, consta a alusão a sua freqüente encenação “em vários
estabelecimentos de ensino”, assim como o esclarecimento que
“A autora classificou o Auto de ‘Peça para marionetes e fantoches,
sobre motivos tradicionais brasileiros”
[120]
Musicado por Luis Cosme, os trechos de benditos cantados pelos
sertões do país, as cirandas, os fragmentos de folias de reis, bumba
meu boi e de reisados, põem as crianças em contato com esses ritmos
e folguedos. Os personagens são personagens encontrados no folclore
brasileiro com assiduidade: o violeiro, as pastorinhas, as ciganas,
a baiana, o roceiro e até o boi barroso. E o auto menciona objetos
(jacá, cancela), instrumentos musicais (viola, pandero, gaita)
comidas (melado, rapadura, cocada, cuscuz, bolo de milho, quindim,
bombocado, pé de moleque e até agardente) e brincadeiras (papagaio,
pião, gude e amarelinha) brasileiríssimos e tradicionais.
É interessante assinalar que o texto de João Cabral de Melo Netto,
Morte e Vida Severina recolhe dos cantos populares alguns
trechos que coincidem com aqueles recolhidos por Cecília, como é o
caso do estribilho
“Todo o céu e a terra
Vos cantam louvor,”[121]
O mesmo ocorre como alguns elementos dos autos populares de Natal
recolhidos pelos dois autores, como o da entrada de homens e
mulheres do povo que apresentam ao menino Deus os presentes de sua
pobreza, e a voz de profecia das ciganas. É impossível não
reconhecer que os dois autores beberam da mesma fonte da tradição
popular ao lermos no Auto de Cecília trechos como os que se seguem:
“Trago um queijo
no jacá.
o menino comerá?
Eu trago melado,
porém essa gente
não ficará rindo
desse meu presente?”[122]
ou então
“Nós somos ciganas,
E lemos a sorte
Nasceu um menino
Que manda na morte
Longe num presépio
Nasceu um menino,
Nós três já sabemos
Qual é seu destino!”[123]
O menino atrasado ensina
basicamente duas coisas: a primeira é a riqueza e a beleza do
folclore e daquilo que Cecília chamou de “os motivos tradicionais
brasileiros”. A Segunda é sua perfeita sintonia e harmonização com a
tradição universal, no caso representada pelo presépio e o relato
bíblico do nascimento de Cristo.
Em Rui, pequena História de uma grande vida é possível
encontrar novos desdobramentos das lições de Rute e Alberto, que
nesse livro se complementam e se explicitam por um viés diferente.
Em suas páginas é possível conhecer o Brasil, assim como distintos
países da América do Sul e da Europa - ampliando assim o
conhecimento do espaço geográfico - através dos passos do herói,
assim como também é possível conhecer a História do Brasil ao
perceber como ela atravessa a vida individual de Rui Barbosa,
artífice ele mesmo dessa mesma História porque assume um
protagonismo individual apoiado em dois alicerces inabaláveis: a
virtude pessoal e o estudo constante.
No livro as crianças aprendem ainda a lição de que os grandes
homens, se por um lado constituem-se em glória e coroa da pátria e
por ela tudo sacrificam, são tão maiores quanto mais seus corações,
seus interesses e sua ação se abrirem para o universal, e seu
horizonte for o mundo inteiro.
Por fim em Ou Isto ou Aquilo, escrito em momento tão distante e tão
distinto de seus quatro primeiros livros infantis , Cecília escreve,
brincando e ensinando a brincar com as palavras, de forma a que cada
uma das poesias possibilite o domínio de um determinado fonema, como
em “Bolhas”:
“Olha a bolha d’água
no galho!
Olha o orvalho!
Olha a bolha de vinho
Na rolha!
Olha a bolha!
Olha a bolha na mão
que trabalha!
Olha a bolha de sabão
na ponta da palha:
brilha, espelha
e se espalha.
Olha a bolha!
Olha a bolha
Que molha
A mão do menino.
A bolha da chuva da calha!”[124]
Algumas das antigas lições contidas nos
outros livros são repassadas, e o método de elaboração de A festa
das letras parece reaparecer nos versos de “O Passarinho no
sapé”[125] Mas o que seus pequenos leitores aprenderão de
fato ao lê-lo, é poesia.
Porque, se em todos os livros de Cecília é possível encontrar a
dimensão educativa em seu caráter moralizante e em sua dimensão
instrutiva, todos educam também porque são escritos segundo o modelo
das leituras literárias, ou seja, daqueles que eram escritos para
iniciar os pequenos leitores na chamada boa literatura e educar seu
gosto estético.
Em primeiro lugar, era a assinatura de Cecília a que dava o aval
literário a essa produção. Quando publica seu primeiro livro
infantil em 1925, já havia publicado três livros de poesia que
mereceram críticas elogiosas e, sobretudo, já participava dos acesos
debates literários acerca do moderno no Brasil através da revista
Festa. Todos os demais foram obra de poeta premiada pela
Academia Brasileira de Letras e consagrada pela crítica .
Escrever e publicar para crianças, fazer livros para a escola, ter
seus livros adotados na rede pública de ensino, participar da
campanha nacional pela alimentação chefiada por Josué de Castro
escrevendo para os menores leitores do país eram modos de
concretizar alguns de seus sonhos[126]
mais obstinados.
É ela mesma quem o afirma:
“Um livro de literatura infantil é, antes de mais nada, uma obra
literária.” [127]
E deve ser escrito por
“alguém que sabe usar as palavras com maestria, pela vasta
experiência de uma longa carreira literária”[128]
Não é de estranhar que na prosa de seus livros infantis a evidência
do manejo magistral da palavra seja menos evidente que na poesia que
escreve para crianças, desde a “Ciranda”, a “Cantilena”, a “Cantiga”
e a “Canção dos tamanquinhos” publicados em 1925 até a musicalidade
do virtuosismo linguístico de seu último livro publicado em vida,
Ou isto ou aquilo. É a poesia a sua linguagem.
4. Com o lastro da tradição.
Marinheiro de regresso
com seu barco posto a
fundo,
às vezes quase me esqueço
que foi verdade esse mundo.
(ou talvez fosse mentira...)
Cecília Meireles: Desejo de regresso
IN: Mar Absoluto. Poesia Completa. P. 282.
A busca da identidade do Brasil e do
brasileiro, tão presente nas indagações e na produção dos que,
pertencentes a diferentes linhagens intelectuais e grupos, afirmavam
seu desejo de serem modernos a partir da década de 20, também
norteou as preocupações de Cecília Meireles.
Desde muito cedo, é possível identificar sua preocupação em
registrar, anotar, desenhar, comentar e incorporar em sua poesia
como em todos os outros gêneros a que se dedicou aspectos e formas
da tradição cultural popular, na certeza de que nelas estava a
“alma”[129]
do povo, aquilo que, por um lado, permitia encontrar o Brasil e, por
outro, soldar essa identidade com o universal, já que os temas, as
formas, os ritmos, tudo o que era criação do povo enfim, permitia
identificar aquilo que ela considerava o âmago do humano, constante,
em sua essência, no tempo e no espaço.
Também para Cecília o Brasil estava por ser descoberto, e, por seu
gigantismo, pela complexidade de sua formação e pelo emaranhado
cultural que considerava sua característica principal, esse
descobrimento estava longe de ser tarefa trivial.
“bem sabemos como o Brasil é grande e como são intrincados ainda os
seus caminhos.”[130]
Foi no folclore, tal como entendido e valorizado no seu tempo, que
Cecília pretendeu encontrar o fio de Ariadne que a conduzisse pelo
labirinto gigante dos caminhos intrincados do Brasil, para assim
realizar um duplo descobrimento: o do Brasil e o da manifestação, na
feição particular desse país e de sua cultura, daquilo que chamava
de universal.
Entre 1926 e 1934 seu interesse pelos estudos de folclore levam-na a
um tipo de produção bastante distinta daquela que tem na palavra a
sua matéria prima principal: são dessa época seus desenhos que
tentam captar gestos e ritmos de matriz africana no Rio de Janeiro,
uma série de mais de 100 aquarelas e nanquins tendo como temas
baianas, entidades do candomblé, cordões carnavalescos, sambistas e
instrumentos musicais que leva consigo a Lisboa em 34 quando, a
convite do Governo Português, visita o país e faz conferências em
Lisboa e Coimbra.[131]
Na série de crônicas que escreveu para A Manhã, o tema do
folclore é uma constante, em especial na longa série intitulada
“Infância e folclore” que, iniciada em 2 de fevereiro de 1942 e
compreendendo boa parte de seus textos desse ano para o jornal,
continuará, com menos freqüência, é verdade, a ser publicada em 43 e
44. Muitas dessas crônicas se constituem num inventário, cuidadoso e
detalhista, de adivinhações, de provérbios, de cantigas de roda, de
aspectos do folclore brasileiro e de outros países, destacando a
relação entre tradições por vezes provenientes de lugares e culturas
muito distintas: é a recorrência que, com paciência de
colecionadora, Cecília parece querer por em evidência, na medida em
que as coincidências e variações em torno aos mesmos temas
sustentam, na sua perspectiva, o argumento das tradições locais,
regionais e nacionais como caudatárias da grande Tradição que ela vê
como manifestação do humano universal.
No pós guerra o Brasil responde às diretrizes da UNESCO no sentido
do incentivo aos estudos e atividades ligados à valorização do
folclore através da criação da Comissão Nacional do Folclore criada
em 1947 como uma das comissões temáticas do Instituto Brasileiro de
Educação e Cultura, subordinada ao Ministério das Relações
Exteriores. A C.N.F. terá a dupla função. Internamente era seu
objetivo coordenar o assim chamado Movimento Folclórico favorecendo
e incentivando eventos, publicações e iniciativas que deveriam se
multiplicar por todo o país, mobilizando a opinião pública e
buscando delimitar, no Brasil o folclore como campo intelectual.
Externamente a C.N.F. representava o Brasil junto à UNESCO para
assuntos de folclore.[132]
Não é de estranhar que já em 1947 Cecília fosse convidada a integrar
a recem-criada Comissão Nacional de Folclore[133].,
e participasse ativamente do Movimento Folclórico, tendo inclusive
secretariado o I Congresso Brasileiro de Folclore do qual Renato
Almeida foi o presidente. [134]
A partir de 47 o tema da cultura popular, sempre associado ao da
identidade nacional, assume relevância nos meios intelectuais, e,
sobretudo, entre os estudiosos do folclore. Segundo Luís Rodolfo
Vilhena,
“(...) a análise do desenvolvimento dessa área de estudos durante o
período em que alcançou maior prestígio e maior publicidade, nos
levará também a acompanhar o engajamento de um expressivo
contingente de intelectuais na valorização da cultura popular,
concebida por eles não apenas como um objeto de pesquisa, mas
principalmente como lastro para a definição de nossa identidade
nacional”[135].
Já amplamente reconhecida por seus estudos e atividades relacionadas
ao folclore, Cecília é convidada por Rodrigo Melo Franco de Andrade
para participar do grupo que, sob sua coordenação, escreveria uma
História das Artes Plásticas no Brasil em vários volumes. Em 1952
publica, no âmbito dessa iniciativa, o livro As artes plásticas
no Brasil. Artes Populares[136],
que terminaria por ser o único livro da coleção publicado.
Desdobramento e síntese de alguns de seus estudos sobre folclore
brasileiro, nele analisa manifestações as mais variadas da cultura
popular, dos ex-votos às colchas e bordados, do Carnaval como festa
síntese da cultura popular aos brinquedos esculpidos, da
“sitoplástica”[137] – esculturas comestíveis – aos
“postais amatórios”[138]
e sintetiza seu pensamento sobre a arte popular como uma “linguagem
cifrada”, condensação da tradição e memória viva de um povo e
elemento essencial de sua identidade nacional:
“A arte popular manifesta a sensibilidade geral dos que a praticam,
por uma seleção de motivos que são uma espécie de linguagem cifrada.
Por trás desses elementos, aparentemente simples, - aparentemente
desconexos, muitas vezes, ao observador desavisado, - estão as
infinitas e variadíssimas experiências, realizadas por muitas
gerações.”[139]
ou ainda:
“A arte popular, em termos modestos, com os recursos mais moderados,
resume os grandes trabalhos humanos, — é a História em ponto
pequeno, é a vida em reminiscência”.[140]
É portanto o recurso a essa “linguagem cifrada”, a referência à
“vida em reminiscência” , a valorização do que vê como capacidade de
tradução da “sensibilidade geral” , o significado desse dom de
remeter, a partir de “elementos aparentemente simples” não só ao
nacional mas “a variadíssimas experiências” que resumem “os grandes
trabalhos humanos” que justificam a inclusão e a importância dada
por Cecília a temas, formas e agentes da cultura popular em seus
livros para crianças, que não devem perder a oportunidade de
aprender as lições dessa “história em ponto pequeno” e de soldar sua
vida, ainda só potencialidade, à “vida em reminiscência” de “muitas
gerações”.
Para ela é fundamental o empenho em conservar e transmitir esse
patrimônio, uma vez que um dos problemas que identifica no mundo e
no homem moderno é, precisamente, o desenraizamento, já que esse
homem
“Entrega-se à rotina utilitária, facilitada por um mundo em crise,
que lhe oferece coisas agradáveis e vulgares, alheias às suas
verdadeiras emoções, ao seu natural crescimento humano. Participa de
experiências que não são as suas, que não são as de ninguém, que
pertencem à máquina, à indústria. Vive em superfície. Pensa que seus
horizontes são mais vastos. Crê nesses motivos de falso prazer. E
morre de tédio, sem raízes, sem coerência, sem ressonância”.
[141]
Por querer buscar ressonância, coerência e raizes – na contramão do
encantamento com a máquina impessoal e a indústria uniformizadora –
Vai buscar em suas memórias de menina o que aprendeu dos pregões dos
ambulantes; das histórias açorianas contadas pela avó; das rezas de
Maria Maruca, a cozinheira; do som dos “tambores que batiam um ritmo
certo. E incansável”[142]
e das “estranhas coisas” que, em certas manhãs, apareciam na
esquina; das cantigas de sua babá Pedrina; das brincadeiras das
crianças da rua; coisas que ela, por sua vez, reconta à outras
crianças em seus livros.
Por vezes são apenas alusões perdidas no meio do texto, como aquela
ao rei da Prússia e à procissão que passa[143]
ou ao gigante Luluru[144].
Outras, retira do folclore temas, música, personagens e citações com
as quais tece seu texto com o desejo explícito de fazer conhecer
“motivos tradicionais brasileiros” e formas artísticas universais,
como nas peças para teatro de fantoches e marionetes[145]. Outras vezes faz entrar na
narrativa a sabedoria popular como complemento e contraponto do
conhecimento letrado, como em Rute e Alberto e na biografia
de Rui. Outras ainda reforça figuras que povoam o imaginário
infantil de todas as latitudes, como com a multidão de palhaços,
mágicos e equilibristas que nos seus versos como nos desenhos de
Fahrion povoam as páginas da Festa das Letras.
Para Cecília o folclore é a primeira das fontes vivas da tradição. A
segunda é o que ela considera a grande literatura.
Seu sonho para a literatura infantil é não apenas que os escritores
consagrados se dediquem a escrever para crianças, como já ficou
dito, mas que as grandes obras da literatura mundial tenham versões
para crianças,que se produzam antologias com textos de qualidade
literária ao alcance dos leitores infantis; que se consolide o que
chama de uma biblioteca clássica das crianças, com obras
selecionadas pelas próprias crianças através dos tempos, e que, por
gerações, encantaram seus leitores; que se busque na memorialística
dos grandes escritores suas preferências de leitura; que a criança
aprenda na escola o amor à leitura; que se multipliquem as
bibliotecas públicas infantis[146], sonho em que empenhou talento e
esforço na experiência pioneira da Biblioteca Infantil do Mourisco e
que foi abafado pela intolerância e o preconceito.
Para Cecília as bibliotecas infantis são fundamentais, uma vez que o
elo que unia o universo infantil à grande tradição transmitida
oralmente pelos narradores de geração em geração tendia a
desaparecer,
“A formação das Bibliotecas Infantis corresponde a uma necessidade
do nosso tempo, visto não existirem mais amas nem avós que se
interessem pela doce profissão de contar histórias”.[147]
Mas o que seria para ela a boa literatura, aquela que permite
definir uma grande tradição literária, fosse ou não essa literatura
destinada a um público infantil??
Por contraste, define o que não considera boa literatura para
crianças, criticando com dureza justamente aquele que, seu
contemporâneo, escrevia para crianças de carne e osso, e não para
seres idealizados, adultos em miniatura: Monteiro Lobato.
Ao menos em duas ocasiões critica os livros do criador do Sítio do
Pica-Pau Amarelo, que, se fizermos prevalecer o argumento da própria
Cecília segundo o qual um clássico infantil é um livro que as
crianças escolhem como tal, tornou-se o grande clássico de gerações
de leitores que descobriram através das traquinagens da Emília o
prazer da leitura.
Na primeira ocasião a crítica é pública, em matéria por ela incluída
na Página de Educação, que para introduzir a carta de um
leitor reclamando de um descuido de Lobato na localização do rio em
“O garimpeiro do Rio das Garças, a Página comenta:
“Monteiro Lobato , que produziu os livros infantis mais belos, do
ponto de vista gráfico, mas lamentavelmente em desacordo com o
moderno espírito de educação, apesar do seu formoso talento e da sua
brilhante inteligência, incorreu também num desses desagradáveis
descuidos, como nos mostra a carta abaixo,— o que, se não empana a
sua reputação literária, serve ao menos de aviso prudente aos que se
aventurarem ‘pelas regiões difíceis’ da boa literatura infantil.”[148]
A segunda observação em relação a Monteiro Lobato é mais contundente
e muito mais reveladora, já que Cecília se auto-define como a
antítese de Lobato e situa o que vale fazer – inclusive portanto
publicar para crianças - a partir do tríplice critério de qualidade
literária, espiritual e de requinte. A crítica é feita numa carta
privada a Fernando de Azevedo:
“Recebi os livros do Lobato. Preciso saber o endereço dele para lhe
agradecer diretamente. Ele é muito engraçado, escrevendo. Mas
aqueles seus personagens são tudo o que há de mais malcriado e
detestável no território da infância. De modo que eu penso que os
seus livros podem divertir (tenho reparado que divertem mais os
adultos que as crianças) mas acho que deseducam muito. É uma pena. E
que lindíssimas edições! Devo confessar-lhe que uma das coisas que
me estão constrangendo na elaboração deste livro é o seu próprio
feitio, em relação aos demais, o seu feitio literário, espiritual,
requintado. Creio que só vale a pena fazer as coisas assim. Por
nenhuma fortuna do mundo eu assinaria um livro como os do Lobato,
embora não deixe de os achar interessantes.”[149]
O canon do que, para Cecília, seria boa literatura é mais difícil de
definir. Por um lado, há a possibilidade de considerar sua
observação sobre a boa literatura infantil como um indício de que,
para ela, boa literatura é aquela feita por quem escreve bem, o que
seria tautológico. Por outro, a indicação de que a boa literatura
são os livros que a decantação do tempo e o crivo da crítica
considera como clássicos. Há sobretudo a observação sobre o
espiritual e o requintado exponenciando o literário.
O que é certo é que a boa literatura infantil tem, na compreensão de
Cecília uma função salvífica próxima à da escola, pela qual tanto se
empenhava: a de garantir o futuro por proteger as crianças num
momento de crise profunda como a que reconhecia em seu tempo:
“(...) só as boas, as grandes, as eternas leituras poderão atenuar
ou corrigir o perigo a que se expõe a criança na desordem de um
mundo completamente abalado, e em que os homens vacilam até nas
noções a seu próprio respeito”.[150]
E, se sua militância pela Escola Nova pode parecer incoerente com
sua insistência no valor da tradição, ela própria se encarrega de
esclarecer a particular lógica desse paradoxo, porque para ela
“Só há duas maneiras de aprender as coisas:
ou pela tradição ou pela escola.”[151]
Para aprender com a tradição, além de recorrer ao folclore e ao que
considera o patrimônio literário do país e da humanidade, Cecília
parece acreditar também no valor estético e pedagógico das formas
literárias tradicionais que utiliza com freqüência tanto na sua
poética consagrada como nos autos que escreve para o público
infantil. E recria cantigas de ninar[152]
e cirandas[153] para
as crianças, porque
“ (...) As cantigas de roda põe-nos todos de mãos dadas. E ao ritmo
da tradição comum todos nos sentimos compreendidos mutuamente e
mutuamente amados."[154]
Tradutora sensível de Ibsen, de Dickens, de Bernard Shaw, de Tagore,
de Garcia Lorca, de Rilke, de Virgínia Wolf
[155]
e de poetas chineses do século VIII como Li Po e Tu Fu[156],
Cecília procura traduzir também para as crianças, a “linguagem
cifrada” da tradição, que encontra nas formas literárias
tradicionais, no que entende ser a grande tradição da literatura
universal e nas tradições populares,. Essa tradução permitirá ao
futuro dar as mãos ao passado e ao Brasil cantar a ciranda do
Universal.
5. Descobrimentos:
- “E até sem barco navega
quem para o mar foi fadada.”
Cecília Meireles: Beira-mar
IN: Mar Absoluto.
Poesia Completa p. 294
A Leitura e análise dos livros escritos e publicados por Cecília
Meireles para crianças permitiria situá-la na linhagem dos modernos
descobridores do Brasil? Teria ela escrito para formar, pela
leitura, uma geração de descobridores, capazes de inventar o novo no
país?
Dificilmente seria possível responder positivamente a essas duas
questões sem tomar as árvores pela floresta, ao fazer o exercício de
contabilizar e glosar as vezes que utiliza a palavra
“descobrimento”, seus sinônimos ou derivados na literatura infantil
que escreveu ou mesmo ao tentar encontrar, num espectro mais amplo
de sua produção um projeto para o Brasil. Cecília Meireles não está
entre os escritores que esboçaram “um Brasil para as crianças”
[157]na literatura que para elas fizeram.
Cecília participa ativamente do projeto e das lutas pela Escola
Nova, do projeto de implementar o folclore como campo intelectual, e
, a seu modo, do projeto de uma poética moderna, mas seu
descobrimento pessoal é outro, e ao escrever sobre sua infância ela
o projeta nos seus primeiros anos, quando, muito pequena ainda,
“Na cadeirinha de vime continuava a menina a olhar para a rua e a
ver o mundo. (...)
Dessa cadeira, e debruçada para o mundo, foi que ela realizou o seu
imenso descobrimento: (...) Sem sair do lugar andou por estranhos
lugares e passou para dentro de todas as vidas.”[158]
“Todo mundo é duplo: visível e invisível.
O visível de resto, interessa muito menos”
[159]
É a interioridade, são todas as vidas e é o mundo – o universal -
os mares absolutos de seus descobrimentos pessoais e, pela
palavra poética, procura associá-los às buscas estéticas modernas.
O que a leitura dos livros que Cecília Meireles escreveu para
crianças nos permite é um outro descobrimento: o das
particularidades, diferenças e contradições do moderno no Brasil que
ela expressa e encarna em seu momento. E, ao descobrí-las, descobrir
também as nossas próprias contradições.
-
[1] Este texto é produto do Projeto Integrado de Pesquisa
financiado pelo CNPq e intitulado “Monteiro Lobato, Cecília Meireles
e outros ‘descobrimentos do Brasil’” . Devo muito à equipe de
pesquisa como um todo. Em primeiro lugar, à parceria antiga e sempre
nova com Ilmar Rohloff de Mattos, que coordenou comigo a equipe de
pesquisa, e com Selma Rinaldi de Mattos, que dela participou. A
Alexandre Affonso de Miranda Pereira, bolsista de Aperfeiçoamento;
Luciana Borgerth Vial Corrêa, bolsista de Auxílio Técnico; Renata
Corrêa Tavares Barbosa, Rafael Aragón Guerra, Joana Cavalcanti de
Abreu, Mirella De Santo Faria e Luiza Laranjeira da Silva Mello,
bolsistas de Iniciação Científica agradeço o trabalho sério e o
entusiasmo pela pesquisa que me permitem acreditar no futuro.
Na pesquisa, contei com a amizade e a generosidade intelectual de
muitos colegas. Anna Chrystina Venâncio Mignot, do Departamento de
Educação da UERJ, me permitiu utilizar seu próprio material de
pesquisa sobre a “Página de Educação” que Cecília Meireles escreveu
no Diário de Notícias; Silvia Petersen, do Departamento de
História da UFRGS, não poupou esforços para localizar o livro
escolar publicado por Cecília Meireles em Porto Alegre, Rute e
Alberto resolvem ser turistas e Regina Zilbermann, do
Departamento de Letras da PUC-RS, me enviou uma cópia desse texto e
de Rui. Pequena História de uma grande vida, bem como textos
seus sobre literatura infantil no Brasil. Bert Barickman, do
Departamento de História da Universidade do Arizona, fez chegar às
minhas mãos a edição norte-americana de Rute e Alberto. Marta
Abreu Esteves, do Departamento de História da UFF, me forneceu
material sobre os folcloristas brasileiros e me fez intuir o
significado do trabalho de Cecília Meireles sobre folclore. Marcelo
Timótheo da Costa, atualmente doutorando do Programa de História
Social da Cultura da PUC-Rio, localizou textos preciosos de Alceu
Amoroso Lima a respeito de Cecília Meireles. Maria Laura Viveiros de
Castro Cavalcanti, do Departamento de Ciências Sociais da UFRJ, fez,
com toda a equipe de pesquisa, um seminário sobre o folclore como
campo intelectual no Brasil e a atuação dos folcloristas
contemporâneos de Cecília, e discutiu com a equipe o magnífico texto
de Luiz Rodolpho Vilhena intitulado Projeto e missão. A todos
agradeço não apenas o auxílio precioso, mas, sobretudo, a
comprovação de que a colaboração entre pesquisadores, áreas
acadêmicas e instituições de pesquisa é uma realidade grata e mais
forte do que as dificuldades que o presente parece criar a cada dia
para as Universidades e os pesquisadores do país.
[2] Anita Malfati morreu
em 6 de novembro de 1964, aos 68 anos e Cecília Meireles em 9 de
novembro desse mesmo ano, dois dias após ter completado os 63 anos.
[3] Alceu Amoroso LIMA:
“Cecília e Anita”. IN: Companheiros de viagem. Rio de
Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1971. Pp. 230 a 232. Devo a
íntegra dessa crônica a Marcelo Thimótheo da Costa.
[4] Cfr. Antonio Carlos
VILLAçA: O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro,
Zahar Editores, 1971. P. 73.
[5] Cfr. Alceu Amoroso
LIMA:
Memórias Improvisadas. Petrópolis, Vozes, 1973. P. 223 e
Yolanda Lima LOBO: “Memória e Educação: O Espírito Victorioso
de Cecília Meireles.” IN: Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos.
Brasília, setembro – dezembro de 1996. Vol. 77. Nº 187. Pp. 532 e
533.
[6] Cfr. , a respeito do
permanente mal-estar entre ambos, o comentário de Alceu em
Memórias Improvisadas: “O resultado do concurso, com a vitória
de Clóvis Monteiro, com mínima diferença de pontos sobre cinco ou
seis concorrentes, inclusive Cecília Meireles, me valeu a inimizade
desta até morrer.” Op. Cit. P. 223.
[7] Cfr. Norma Seltzer
GOLDSTEIN e Rita de Cássia BARBOSA: Cecília Meireles. Seleção de
textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico e exercícios.
São Paulo, Abril Educação, 1982.
[8] Cecília dirigiu entre
1930 e 1933 uma página diária no Diário de Notícias dedicada
a assuntos ligados à educação, sendo pessoalmente a redatora da
coluna “Comentário” no interior da “Página de Educação”. Sobre essa
atividade jornalística de Cecília, cfr. Valéria LAMEGO:
A farpa na lira. Cecília Meireles na revolução de 30. Rio de
Janeiro/Sâo Paulo, Editora Record, 1996.
[9] Cecília MEIRELES:
“Comentário”. IN: “Página de Educação”. Diário de Notícias.
Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1930. P. 5.
[10] Alceu Amoroso LIMA:
“Absolutismo pedagógico”. IN: O Jornal. Rio de Janeiro, 23 de
março de 1932. APUD Valéria LAMEGO: Op. Cit. P. 104.
[11] Manuel BANDEIRA:
“Cecília Meireles”. IN: Diário de Notícias, Rio de Janeiro,
15 de Novembro de 1964. Apud: Cecília MEIRELES: Poesia Completa.
Rio de Janeiro, Aguilar, 1994. P.71.
[12] Cfr. Yolanda Lima
LOBO: “Memória e Educação: O Espírito Victorioso de Cecília
Meireles.” IN: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos.
Brasília, setembro – dezembro de 1996. Vol. 77. Nº 187. Pp. 532 e
533.
[13] Alceu Amoroso LIMA
. Op. Cit. 1971. P. 230.
[14] Idem. Ibidem. P.
232.
[15] Idem. Ibidem. P.
231.
[16] Idem. Ibidem. P.
231.
[17] Idem. Ibidem. P.
231.
[18] Idem. Ibidem. P.
232.
[19] A imagem
praticamente exclusiva de “sílfide da imponderabilidade poética” foi
recentemente relativizada, sobretudo, pela dissertação de mestrado
de Valéria Lamego publicada em livro em 1996 e pela série de teses
da área de educação sobre o grupo dos pioneiros da educação
brasileira entre as que se destacam as de Marta Chagas de Carvalho,
Zaia Brandão, Clarice Nunes, Anna Waleska Polo de Mendonça, Carlos
Monarca, Marcos Vinicius da Cunha e Anna Chystina Venâncio Mignot. A
obra em prosa de Cecília, organizada por Leodegário A de Azevedo
Filho e da qual a Nova Fronteira publicou dois dos vinte e três
tomos previstos em 1998, certamente permitirá estudos mais
aprofundados sobre a personalidade intelectual múltifacética de
Cecília.
[20] Cfr., em especial,
duas entrevistas dadas à Revista Manchete (5 de outubro de
1953 e 16 de outubro de 64), a entrevista dada a Revista Ler
(Lisboa, junho de 1952, nº 3, a entrevista concedida a Haroldo
Maranhão e publicada na Folha do Norte (Belém do Pará, 10 de
abril de 1949) e o perfil de Cecília publicado por João Condé na
sessão que mantinha na revista O Cruzeiro com o título de
Arquivos Implacáveis (31 de dezembro de 1955)
[21] Entre os primeiros,
cfr. em especial o texto Olhinhos de Gato, primeiramente
publicado por capítulos na revista Ocidente (Lisboa, 1939 -
1940), publicado em livro pela Editora Moderna (São Paulo, 1980) e
atualmente em sua 12ª edição, surpreendentemente classificado e
utilizado nas escolas como literatura infanto-juvenil. Entre os
segundos, cfr. sobretudo a série de crônicas publicadas no jornal
A Manhã entre 1936 e 1938 e entre 1942 e 1945.
[22] Alceu Amoroso LIMA
. Op. Cit. 1971. P. 231.
[23] Idem. Ibidem. P.
231.
[24] Cfr. a afirmação de
Alceu em Memórias Improvisadas, na nota 6 deste trabalho.
[25] Cfr., sobretudo,
Carlos DRUMOND DE ANDRADE: “Cecília” IN Correio da Manhã, Rio
de Janeiro, 11 de novembro de 1964; Walmir AYALA: “Cecília Meireles:
perfil da morte, severo e obstinado”. IN: Correio da Manhã,
Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 1964; Manuel BANDEIRA: “”Cecília
Meireles” IN Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 15 de
Novembro de 1964; Geir CAMPOS: “Meu encontro com Cecília”. IN
Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1964;
Jorge de SENA: “Cecília Meireles e os puros espíritos”. IN:
Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 26 de Novembro de 1964;
Gustavo CORÇÃO: “Homenagem a Cecília Meireles”. IN: O Estado de
São Paulo. São Paulo, 14 de Novembro de 1964; Herman LIMA: “As
gaivotas, o mar...”. IN: Jornal do Comércio.
Rio de Janeiro, 15 de Novembro de 1964; MIRANDA NETO: “Cecília
Meirelles”. IN: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 15
de Novembro de 1964; Augusto Frederico SCHIMIDT: “A grande
Cecília”. IN: O Globo. Rio de Janeiro, 12 de Novembro de
1964.
[26] Carta de Cecília
Meireles a Mário de Andrade, datada de 30 de setembro de 1935. IN:
Cecília MEIRELES: Cecília e Mário. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1996. P. 289.
[27] Cecília MEIRELES:
Mar Absoluto. IN: Poesia Completa. Rio de Janeiro,
Editora Nova Aguilar, 1994. P. 291.
[28] Carta de Mário de
Andrade a Cecília Meireles, datada de 18 de março de 1943. . IN:
Cecília MEIRELES: Op. Cit., 1996. P. 308.
[29] Cecília MEIRELES:
“Elegia a Mario de Andrade” IN: A Manhã. Rio de Janeiro, 28
de Fevereiro de 1945.
[30] Cecília MEIRELES:
“Introdução” [à antologia de poesias de Mário de Andrade, obra
preparada por Cecília em 1960 e publicada apenas em 1994] IN:
Cecília MEIRELES: Op. Cit. (1994) . Pp. 21 e 22.
[31] Carta de Cecília
Meireles a Mário de Andrade, datada de 15 de março de 1943. IN:
Cecília MEIRELES: Op. Cit. (1996) p. 307.
[32] Cecília MEIRELES:
“O Bariloche”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro, 22 de dezembro de
1943. A crônica está reproduzida no primeiro volume das
Crônicas de viagem da Obra em Prosa de Cecília que a Nova
Fronteira vem publicando. (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998. Pp.
63 a 68)
[33] Com efeito, é quase
surpreendente verificar que Cecília viajou com assiduidade, em
particular a partir da década de 40, não apenas por paises
latino-americanos, em especial em suas visitas á Argentina, Uruguai
e Chile; pelos Estados Unidos e pelo México; por Portugal, país a
que estava profundamente ligada através de laços afetivos e
intelectuais e por outros paises europeus, em especial a Holanda, e
a França, mas também aventurou-se por paragens mais distantes, em
especial a Israel e à Índia, com cuja cultura e espiritualidade
identificava-se profundamente.
[34] A expressão é de
Walmir AYALA na “Introdução à 4ª edição revista e ampliada da Poesia
Completa de Cecília Meireles. (cfr. Cecília MEIRELES: Op. Cit.,
1994. P. 16)
[35] MENOTI DEL PICCHIA:
“Vaga Música”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro, 1 de Agosto de
1942. APUD “Fortuna Crítica” IN: Cecília MEIRELES: Op. Cit. 1994. P.
60.
[36] Carta de Cecília
Meireles a Mário de Andrade, datada de 21 de março de 1943. IN:
Cecília MEIRELES: Op. Cit. (1996) p. 294.
[37] O principal escrito
memorialístico de Cecília Meireles estão reunidos em Olhinhos de
gato, primeiramente publicado, por capítulos, na revista
portuguesa
Ocidente entre 1939 e 1940 e reunido em livro pela Editora
Moderna depois da morte da autora. Cfr. Cecília MEIRELES:
Olhinhos de gato. São Paulo, Editora Moderna, s.d. (12ª edição)
[38] Cecília MEIRELES:
Op. Cit. S.d. p. 87.
[39] A respeito da
representação do livro como refúgio e cidadela, ver por exemplo, o
belo livro do argentino naturalizado canadense Aberto MANGUEL:
Uma história da leitura. São Paulo, Companhia das letras, 1997,
onde é possível encontrar, num plano narrativo muito distinto àquele
utilizado por Cecília na passagem citada, observações análogas às da
autora brasileira: “Eu queria viver entre livros. (. ..) Cada livro
era um mundo em si mesmo e nele eu me refugiava.” Pp. 28 e 24.
[40] Cecília MEIRELES:
Idem. Ibidem. P. 106.
[41] Idem. Ibide. P.
112.
[42] Idem. Ibidem. P.
123.
[43] Fagundes de
MENEZES: “Silêncio e solidão. Dois fatores positivos na vida da
poetisa. ” Revista Manchete. Rio de Janeiro, 3 de Outubro de
1953. P. 49.
[44] João CONDÈ:
“Arquivos Implacáveis”. IN: O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 31 de
Dezembro de 1955.
[45] Ilmar Rohloff de
MATTOS e Margarida de Souza NEVES: Cecília Meireles, Monteiro
Lobato e outros descobrimentos do Brasil. Rio de Janeiro,
PUC-Rio / CNPq, 1996. (Projeto Integrado de Pesquisa mimeo). P. 6.
[46] Cecília MEIRELES:
Problemas da Literatura Infantil. São Paulo/Brasília,
Summuus/INL, 1979. (3a edição.). P. 28
[47] Cecília MEIRELLES:
Criança meu amor. Rio de Janeiro, Anuário do Brasil, 1924.
[48] Walter BENJAMIN:
“Velhos livros infantis” IN: Reflexões: A criança. O brinquedo. A
educação. São Paulo, Summus Editorial, 1984. (2ª edição). Pp. 47
a 53.
[49] Cecília MEIRELLES:
Ou Isto ou aquilo. Rio de Janeiro, Giroflá, 1964.
[50] Cecília MEIRELES e
Josué de CASTRO: A Festa das Letras. Porto Alegre, Edições
Globo, 1937.
[51] Cecília MEIRELES:
Rute e Alberto resolveram ser turistas. Porto Alegre,
Livraria do Globo, 1938.
[52] Trata-se, conforme
informação que consta da Poesia Completa da Editora Aguilar
(Op. Cit. p. 95) de uma peça folclórica para teatro de marionetes
que não foi localizada nos acervos pesquisados. Suponho que estará
disponível no acervo pessoal da autora, ainda não aberto ao público.
[53] Cecília MEIRELES:
O menino atrasado. Auto de Natal. Rio de Janeiro, Livros de
Portugal, 1966.
[54] Cecília MEIRELES:
Rui. Pequena história de uma grande vida. Rio de Janeiro,
Livros de Portugal, 1949.
[55] Cecília MEIRELES:
Escolha o seu sonho. Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1969
(3ª edição)
[56] Cecília MEIRELES:
A janela mágica. São Paulo, Editora Moderna, 1983. (16ª
edição).
[57] Cecília MEIRELES:
Ilusões do mundo. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1982. (6ª edição)
[58] Cecília MEIRELES:
O que se diz e o que se entende. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1980. (2ª edição)
[59] Cecília MEIRELES:
Giroflê. Giroflá. São Paulo, Editora Moderna, 1981. (7ª
edição).
[60] Cecília MEIRELES,
Op. Cit. (1983). Existe uma tradução do livro para o espanhol, feita
por Roberto Romero Escalada, e publicada com o título Ojitos de
gato. Buenos Aires, Centro de Estudos Brasileiros, 1981.
[61] O inventário dos
livros infantis e infanto-juvenis escritos por Cecília Meireles ou
utilizados como literatura para crianças, talvez um pouco longo,
justifica-se porque em nenhuma das bibliografias das obras de
Cecília Meireles consultadas esse conjunto de escritos foi
encontrado em sua totalidade.
[62] Apenas os livros
publicados por Cecília para crianças são objeto de análise nesse
trabalho, e não aqueles hoje utilizados nas escolas, mas que não
foram escritos pela autora com esse fim.
[63] Cecília MEIRELES:
“La Maternelle”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro, 01 de Setembro
de 1943.
[64] Eliane ZAGURY:
Cecília Meireles: notícia biográfica, estudo crítico,
antologia, bibliografia, discografia, partituras.
Petrópolis: Vozes, 1973. Pp. 15 e 16.
[65] Cecília MEIRELLES:
“Precursoras brasileiras”. IN: Folha Carioca. Rio de Janeiro,
19 de junho de 1945. APUD. Idem: Crônicas de viagem. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira 1998. P. 227.
[66] Cecília MEIRELES:
O Espírito vitorioso. Rio de Janeiro, Tipografia do Anuário
do Brasil, s.d..
[67] Entre os
“Comentários” da “Página d e Educação” do Diário de Notícias,
ver, sobretudo, os dos dias 28/06/1930, intitulado “Literatura
infantil”; e 14/09/1930, intitulado “Educação moral e cívica”, onde
define o que é escrever para crianças. Ainda no Diário de
Notícias, em 13/07/1930, há uma nota na sessão “Outros” em que
critica Monteiro Lobato. Entre as crônicas publicadas em A Manhã
há duas particularmente importantes sobre o tema da literatura
infantil: a de 15/01/1942, intitulada “Literatura infantil” e a do
dia 18/01/1945, intitulada “À margem da literatura infantil”.
[68] Cecília MEIRELES:
Problemas da Literatura Infantil. São Paulo/Brasília,
Summuus/INL, 1979. (3a edição.)
[69] Cecília MEIRELES:
Problemas da Literatura Infantil. Op. Cit . Pp 93 a 96.
[70] Idem. Ibidem. P.
28. Grifo de Cecília Meireles.
[71] Anne-Marie CHARTIER
e Jean HÉBRARD: Discursos sobre a leitura. – 1880 – 1980.São
Paulo, Editora Ática, 1995. P. 390.
[72] Idem. Ibidem. Pp.
393 e 394.
[73] Cfr. Idem. Ibidem.
Pp. 398 a 402.
[74] Jacques OUSOUF e
Mona OUSOUF: “Le tour de la France par deux enfants. Le petit livre
rouge de la République”. IN: Pierre NORA: Les lieux de mémoire.
Vol. I La République. Paris, Gallimard, 1984. Pp. 291 a 321.
[75] Cfr. Anne-Marie
CHARTIER e Jean HÉBRARD: Op. Cit. Pp. 398 a 402.
[76] Cfr. Idem Ibidem.
Pp. 402 a 408.
[77] Idem. Ibidem. P.
402.
[78] Cfr. Roger
CHARTIER: “As práticas da escrita”. IN: Georges DUBY e Philippe
ARIÉS (orgs): História da vida privada. Vol. 3: Da
renascença ao século das luzes. São Paulo, Companhia das Letras,
1991.
[79] Cecília MEIRELLES:
Op. Cit , 1924. P. 9.
[80] Idem. Op. Cit.,
1949. P. 93.
[81] Cecília MEIRELES:
Problemas da Literatura Infantil. Op. Cit. P. 28.
[82] Alberto MANGUEL:
Op. Cit. P. 83.
[83] Cecília Meireles:
A Festa das Letras. Op. Cit. s.p.
[84] Idem. Ibidem. S.p.
[85] Cfr. Idem: Rute
e Alberto resolveram ser turistas. Op. Cit., sobretudo P. 203.
[86] Idem: Rute e
Alberto. Boston, D.C. Heath and Company, 1945. Trata-se de uma
edição abreviada, com notas, vocabulário e exercícios, editada pelas
professoras Virgina JOINER, da Trinity University e Eunice JOINER
GATES do Texas Technological College, e destinada ao aprendizado do
português para americanos. Talvez por destinar-se prioritariamente a
um público adulto, a seleção feita retira a maior parte das duas
primeiras sessões do livro em português, dedicadas às noções de
tempo e espaço, higiene e hábitos alimentares, moral e boas
maneiras. Dos capítulos selecionados, os que caracterizam aquela
família – possivelmente vista como uma família brasileira típica - ,
o país e sua história e a cidade do Rio de Janeiro são retiradas
algumas partes, e, meticulosamente subtraídas algumas situações,
palavras e personagens: no primeiro caso está o apagamento
cuidadosíssimo de todas as referências ao fato dos dois irmãos, um
menino e uma menina, dormirem no mesmo quarto. No segundo, a curiosa
substituição sistemática da palavra “criança” por outras , que só
escapa em três ocasiões (p.30, p.37, p. 60), ainda que o epíteto
“malandrinho” , como Alberto é seguidamente tratado no livro, seja
mantido, bem como as lexias “criada” e “patroa” . No terceiro caso
está o (não tão) estranho desaparecimento de Maria da Glória, a
segunda empregada da família. A Edição americana é fartíssimamente
ilustrada com fotografias do Rio de Janeiro, enquanto que na
brasileira há desenhos alusivos às aventuras dos dois irmãos, ou que
reproduzem monumentos, quadros célebres, e locais turísitcos do Rio.
[87] Cecília MEIRELES:
Criança meu amor. Op. Cit. p. 41.
[88] Em Rute e
Alberto
[89] Cecília MEIRELES:
“A formação do Professor”. IN: Diário de Noticias.
Rio de Janeiro, 19 de Junho de 1932.
[90] Cecília MEIRELES:
“Educação e fraternidade universal”. IN: Diário de Notícias.
Rio de Janeiro, 27 de junho de 1930.
[91] Cecília MEIRELES:
Rui. Pequena história de uma grande vida. Op. Cit. p. 84.
[92] Cecília MEIRELLES:
O Espírito Vitorioso. Op. Cit. p. 88.
[93] Idem. Ibidem. P.
107.
[94] Idem. Ibidem. P.
122.
[95] Cecília MEIRELES:
“Ternura chinesa”. IN: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 16
de agosto de 1932.
[96] IDEM: “Conversa
talvez fiada”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro. 06 de setembro de
1943.
[97] Cecília MEIRELES:
Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 8 de Abril de 1931.
APUD Valéria LAMEGO: Op. Cit. p. 58 e 211.
[98] Cfr., por exemplo,
ARROYO, Leonardo: Literatura infantil brasileira. São Paulo.
Edições Melhoramentos, 1968.; Nelly Novaes COELHO: a LITERATURA
INFANTIL. História, teoria, anáside.. São Paulo/Brasília,
Quiron/INL, 1981.; Laura SANDRONI: Retrospectiva da literatura
infantil brasileira. Rio de Janeiro, PUC-Rio, 1980. (Cadernos da
PUC-Rio n 33); Eliana YUNES: “Os caminhos da literatura
infanto-juvenil brasileira” IN: Anais do 1º Encontro de
Professores de Literatura Infantil e juvenil. Rio de Janeiro,
FNLIJ, 1980.; Regina ZILBERMAN: A literatura infantil na escola.
São Paulo, Global, 1981.; Regina ZILBERMAN e Marisa LAJOLO: Um
Brasil para crianças. Para conhecer a literatura infantil
brasileira: histórias, autores e textos. Porto Alegre, Global
Universitária, 1993. (4ª edição). , Literatura infantil
brasileira. História e Histórias. São Paulo, àtica, 1991. (5
edição) e A Formação da Leitura no Brasil. São Paulo, Ática,
1996.
[99] Entre as exceções
esta o texto de Moema RUSSOMANO: “Cecílias Meireles e o mundo
poético infantil”. IN: Letras de Hoje. Porto Alegre, PUCRS,
1979. Tomo 12. Vol. 36.
[100] Cecília
MEIRELES: “O bom menino”. IN: Criança meu amor. Op. Cit. P.
11.
[101] Idem.: “O mau
menino” IN: Ibidem. P.55
[102] Idem. Ibidem.
Pp. 19, 35, 49, 67 e 83..
[103] Cecília
Meireles:
Rui, pequena história de uma grande vida. Op. Cit. P.9
[104] Idem. Ibidem. P.
12.
[105] Cecília
Meireles: Idem. Ibidem. Pp. 93 e 94.
[106] Cecília
MEIRELES:
A festa das letras. Op. Cit. s.p.
[107] Cecília
MEIRELES:
O menino atrasado. Op. Cit. P. 29.
[108] Cecília
MEIRELES: “Uma palmada bem dada”. IN: Ou isto ou aquilo. Op.
Cit. Pp. 42 e 43.
[109] Cecília
MEIRELES: “Para o futuro” IN: Criança meu amor.” Op. Cit. P.
41.
[110] Cecília
MEIRELES:
Rute e Alberto resolveram ser turistas. Op. Cit p. 9.
[111] Idem: “As
qualidades do educador”. IN: Diário de Notícias. Rio de
Janeiro, 30 de Outubro de 1930.
[112] - Cecília
MEIRELES:
Criança meu amor. Op. Cit. P. 9.
[113] - Cecília
MEIRELES:
Criança meu amor. Op. Cit. P. 9.
[114] Idem. Ibidem.
Pp. 23 e 24.
[115] Os temas da
alimentação, dos hábitos alimentares e da hisgiene são recorrentes
na “Página da educação” do Diário de Notícias.
[116] Jacques OUZOUF e
Mona OUZOUF: Op. Cit. p. 294.
[117] Idem. Ibidem. P.
297.
[118] Idem. Ibidem. P.
292.
[119] Conforme já
ficou dito, esse auto, aparentemente nunca publicado, não foi
localizado.
[120] “Nota da Segunda
edição” IN: IDEM: O menino atrasado. Op. Cit.., página não
numerada.
[121] Idem, Ibidem. P.
9.
[122] Idem. Ibidem. P.
14.
[123] Idem. Ibidem. P.
12.
[124] Idem. Ou isto
ou aquilo. Op. Cit. p. 15.
[125] Cecília
MEIRELES:
Ou isto ou aquilo. Op. Cit. p. 58.
[126] A palavra
sonho, tanto na produção jornalística, quanto na correspondência
que foi possível ler, ou na obra literária de Cecília, inclusive nos
livros para crianças, tem uma clara correspondência com a idéia de
projeto, de ideal e de meta a ser alcançada, sendo um equivalente,
em clave poética, de suas convicções e de sua militância.
[127] Cecília
MEIRELES:
Problemas da literatura infantil. Op. Cit. p. 96.
[128] Idem. Ibidem. P.
95.
[129] Cecília
MEIRELES: “Introdução”. IN: As Artes Plásticas no Brasil – Artes
Populares. Rio de Janeiro, Edições Ouro, 1968. P. 17.
[130] Cecília
MEIRELES: “Discurso da Sra. Cecília Meireles’. IN: Folclore,.
Vitória, setembro/dezembro de 1954. Ano VI, nº 32-33. P. 17.
[131] Estes desenhos,
publicados pela primeira vez em Lisboa em 1934, estão hoje
disponíveis em no livro Batuque, Samba e Macumba - estudos de
gesto e de ritmo 1926 - 1934. (Rio de Janeiro, FUNARTE/Instituto
Nacional do Folclore, 1983) do qual existe uma edição em inglês.
[132] Para uma análise
cuidadosa do Movimento e dos folcloristas no Brasil, cfr. o texto
fundamental de Luiz Rodolpho VILHENA: Projeto e Missão: o
movimento folclórico brasileiro. 1947-1964. Rio de Janeiro,
Funarte/Fundação Getúlio Vargas, 1997.
[133] Cfr. Renato
ALMEIDA,. “Cecília Meireles, uma companheira” . IN: Folclore.
Vitória, Dezembro de 1964 e Janeiro de 1965. Ano XV, nº 79-80. P.7.
[134] APUD. Diário
de Notícias. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1951.
[135]Luis Rodolfo
VILHENA: Op. Cit., p.21.
[136] Cecília
MEIRELES:
As Artes Plásticas no Brasil – Artes Populares. Rio de
Janeiro, Edições Ouro, 1968.
[137] Idem. Ibidem Pp.
65 a 71.
[138] Idem. Ibidem.
Pp. 147 a 153.
[139] Idem. Ibidem. P.
18.
[140] MEIRELES,
Cecília.
As Artes Plásticas no Brasil – Artes Populares. Rio de
Janeiro, Edições Ouro, 1968, p.18.
[141] Idem. Ibidem. P.
20.
[142] Cecília
MEIRELES:
Olhinhos de gato. Op. Cit. P. 74. Todas as demais referências
foram retiradas da mesma obra.
[143] Cfr, Idem: Ou
isto ou aquilo p. 49.
[144] Cfr. Idem:
Criança meu amor. P. 87.
[145] Isso certamente
é assim em O menino atrasado, e é de se supor que o mesmo se
verifique em A nau catarineta, não localizada.
[146] Todos esses
tópicos estão desenvolvidos em Problemas da Literatura infantil.
[147] Cecília
MEIRELES:
Problemas da Literatura Infantil. Op. Cit., p. 111.
[148] “Um descuido de
Monteiro Lobato”. IN: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 13
de Julho de 1930.
[149] Carta de Cecília
Meireles a Fernando de Azevedo, datada de 9 de novembro de 1932.
APUD. Valéria LAMEGO: Op. Cit. p. 229.
[150] Cecília
MEIRELES:
Problemas da literatura infantil. Op. Cit. P. 28.
[151] Idem: “Educação
doméstica” IN: A manhã. Rio de Janeiro. 09 de Janeiro de
1942.
[152] Cfr, Idem. “
Cantiga para adormecer Lulu” IN: Ou isto ou aquilo. P. 60 e
61.
[153] Cfr. Idem.
Ibidem. P. 29.
[154] Cecília
MEIRELES: “Encontros”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro, O2 de
junho de 1943.
[155] A referência
dessas traduções pode ser encontrada na Obra Poética. Op.
Cit. Pp. 95 e 96.
[156] Li PO e Tu FU:
Poemas chineses. Rio de Janeiro, Nova fronteira, 1996.
Tradução de Cecília Meireles.
[157] Esse é o título
de um dos livros de Regina ZILBERMAN e Marisa LAJOLO sobre
literatura infantil: Um Brasil para crianças. Para conhecer a
literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos.
Porto Alegre, Global Universitária, 1993. (4ª edição)
[158] Cecília
MEIRELES:
Olhinhos de Gato. Op. Cit. p. 133.
[159] Idem. Ibidem. P.
77.
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