POR MARES POUCAS VEZES NAVEGADOS.
Cecília Meireles e a literatura infantil.

Margarida de Souza Neves


1. Viagens: [1]

“Mandei armar meu navio.
Volveremos ao mar profundo,
meu navio!”
Cecília Meireles: Prazo de vida
IN: Mar Absoluto.
Poesia Completa p. 270

 

No dia 10 de dezembro de 1964 Tristão de Athaíde publicou no Jornal do Brasil uma crônica em que homenageava duas figuras femininas exponenciais na cultura brasileira e então recentemente falecidas: Anita Malfatti e Cecília Meireles. [2]
Sete anos mais tarde, esta mesma crônica passaria a compor o livro que, com seu nome próprio de Alceu Amoroso Lima, publicou com o título de Companheiros de Viagem[3], fugindo assim, por vontade do autor, ao destino efêmero de sua publicação num jornal diário.
Nela Tristão/Alceu parecia querer acertar contas com um passado remoto, e aplanar, diante da morte, o abismo que sempre se mantivera entre ele e Cecília.
A desavença tivera início em agosto de 1930, quando Alceu havia participado, juntamente com Antenor Nascentes, Coelho Neto e Nestor Vítor[4], como membro da banca do concurso para a cátedra de literatura brasileira da Escola Normal do Distrito Federal, um concurso concorrido e tenso, realizado em meio aos embates entre escola-novistas e católicos pelo controle da trincheira da educação nos anos 30. Oito candidatos se apresentaram, e desses apenas dois chegaram à etapa final constituída pela prova de aula, já que três deles não conseguiram ter suas teses aprovadas e três desistiram do concurso em razão da superioridade nítida das notas obtidas na prova de defesa de tese por dois dos candidatos: Cecília Meireles e Clóvis do Rego Monteiro[5]. Cecília ficou classificada em segundo lugar no concurso.
O resultado do concurso parece ter marcado profundamente tanto a Cecília quanto a Alceu. [6]
A então jovem professora, que em 1910, aos 9 anos, recebera de Olavo Bilac, na qualidade de Inspetor Escolar do Distrito Federal, a medalha de ouro do mérito escolar ao concluir com distinção e louvor o curso primário na Escola Estácio de Sá; que se formara em 1917 pela Escola Normal; que exercera o magistério desde então e que, já em 1925, publicara um livro infantil intitulado Criança meu amor, adotado como livro de leitura escolar pela rede pública desde 1927 [7], parece segura de que o resultado do concurso obedecera sobretudo aos interesses políticos do grupo católico. Por isso, poucos meses após sua estréia como jornalista na Página de Educação do Diário de Notícias [8] escreveu na coluna Comentário:
“ A Escola Normal, para a qual a boa vontade da presente administração conseguiu elevar uma tão suntuosa edificação , parece estar ameaçada de vir a abrigar no seu solene recinto todos os adversários da Escola Nova, instituída pela mesma reforma que a criou. (...) O concurso de literatura ultimamente realizado deixou a Reforma Fernando de Azevedo em muito má situação (...). Depois da desorganização mal intencionada do concurso de Literatura (...) o concurso de Sociologia, cujo mecanismo interno já começa a aparecer, será outra oportunidade para se avaliar o destino que vai ter afinal a nossa magnífica Reforma de Ensino. Já começaram as discussões sobre a mesa organizada. E muito a propósito. Porque os representantes da igreja, que dela fazem parte, não puderam jamais, pela própria dignidade do seu cargo, deixar a batina à porta, como já se disse. Está no seu interesse e na sua obrigação religiosa defender o seu credo. E na sua opinião fazem decerto muitíssimo bem. Mas a opinião dos educadores é outra. E essa é que tem que ser respeitada, porque a Escola Normal é um Instituto Pedagógico e não um seminário.” [9]

Alceu, por sua vez, já convertido ao catolicismo e tendo assumido a liderança do laicato católico através da direção do Centro D. Vital e da revista Ordem, não poupa violência em seu comentário ao Manifesto dos Pioneiros, como ficou conhecido o Manifesto da Nova Educação ao Governo e ao Povo publicado em 19 de março de 1932 na Página de Educação do Diário de Notícias:
“ Já temos também a nossa NEP! Não se trata porém da Nova Política Econômica de Lenin. Trata-se da ‘nova política educacional’, que se apresenta em linhas gerais no resumo do ‘Manifesto dos Pioneiros da Nova Educação assinado por um grupo seleto dos gros bonnets da nova pedagogia oficial.
É anticristão, porque nega a supremacia da finalidade espiritual; é antinacional porque embora referindo-se ao ‘cuidado da unidade nacional’, não leva em conta, em seu racionalismo árido, nenhuma particularidade do temperamento e da tradição brasileira; e é também antiliberal, pois se baseia no absolutismo pedagógico do Estado e na negação de toda liberdade de ensino.” [10]

Numa segunda oportunidade, ainda no fragor das batalhas que marcaram os anos 30 no campo da educação, Alceu votou contra o parecer de Cassiano Ricardo, que propunha que o prêmio da Academia Brasileira de Letras de 1938 fosse conferido unicamente ao livro de poesias Viagem, de Cecília Meireles, naquela que, segundo Manuel Bandeira foi “uma das sessões mais tumultuosas que nela [na Academia Brasileira de Letras] já se realizaram”[11]. O parecer gerou uma polêmica que extravasou os muros da Academia e tornou-se pública pela imprensa. Cecília recebeu o prêmio de poesia, mas a proposta de Cassiano foi derrotada, tendo a Academia concedido também prêmios às demais modalidades literárias.
Cecília, escolhida pelos demais premiados para falar em nome de todos, viu seu discurso ser modificado pela Comissão de Censura da Academia e preferiu o silêncio.[12]
No entanto o Alceu dos anos 60 não era o mesmo Alceu ortodoxo e atrabiliário da década de 30. No elogio fúnebre de sua crônica de dezembro de 64, reconhece a estatura intelectual e literária de Cecília:
“Foram-se ao mesmo tempo as duas figuras femininas, as únicas que a primeira vaga modernista trouxe às nossas praias estéticas: Anita Malfatti e Cecília Meirelles. (...)
No plano das artes e das letras, quem marcou o início da nova era foi, sem dúvida, essa dupla de tão alto estilo – Anita Malfatti e Cecília Meireles.
“ A primeira foi a lançadora da pintura moderna entre nós. Cecília a da poesia moderna” [13]

Muitas afirmações da breve crônica de 64, assim como alguns de seus silêncios, são eloqüentes. Em primeiro lugar a reiterada valorização do caráter moderno de Cecília, tanto por sua identificação como “lançadora,entre nós, da poesia moderna“ quanto pelo paralelismo estabelecido, na vida como na morte, com Anita.
“ O colorido violento das telas de Anita e a sonoridade velada dos versos de Cecília abriram uma nova era na vida cultural do Brasil”[14]

Em segundo lugar pela relativização de seu caráter pioneiro, e a afirmação da especificidade de seu modernismo, de clara filiação simbolista e incorporador da tradição
“(...) sua poesia não vinha propriamente quebrar tabus. Outros já o haviam feito antes dela. Prolongava – com uma originalidade toda individual e sem nenhuma preocupação inovadora ou revolucionária – a linha simbolista. Participara do grupo espiritualista de Tasso da Silveira, Andrade Murici, Henrique Abílio, Barreto Filho e seus companheiros de revista Festa, que operavam a transição sem violência, do passado ao presente, através das corredeiras agitadas do movimento de 1922”[15]

Em terceiro lugar por relacionar as conquistas de Cecília – e de Anita – no mundo da literatura e das artes a “(...) um dos novos sinais dos tempos: a importância da contribuição feminina à vida intelectual brasileira” [16], afirmando sua especificidade no universo letrado como representantes de um gênero até então objeto da segregação “(...)do gueto, da reclusão, do gineceu (...) em que eram cuidadosamente guardadas as castelãs inacessíveis,”[17] e assinalando, assim, no mesmo movimento, nova e sutil segregação das mulheres na cidade das letras, já que seu valor era reconhecido em si mesmo, mas exponenciado pelo fato de serem mulheres.
Por fim, Alceu resume, situa e define o papel que, a seus olhos, Cecília desempenhara no universo intelectual da arte brasileira:
“Essa sílfide da imponderabilidade poética foi crescendo em estatura, de poema em poema, até se tornar a maior figura feminina da poesia continental. Sua universalidade se baseava numa triangulação em que três mundos se encontravam para dar a nota típica de sua universalidade: Portugal, Brasil, Índia. Ásia, Europa e América representavam três pontos-chaves dessa poética sutil e tipicamente feminina que, durante trinta anos, ressoou em todos os corações e nos aliviou de tantas aflições, com sua espiritualidade transcendente e sua verbalidade cristalina.”[18]

Para Alceu Cecília é vista, tal como até bem recentemente por grande parte de sua fortuna crítica[19] e pela memorialística da época, como “a sílfide da imponderabilidade poética”, cujas marcas de identidade são reiteradamente afirmadas como sendo a “poética sutil”, o virtuosismo no uso da palavra, uma específica inserção no movimento moderno e por traços não muito definidos e que seriam o eterno feminino, a espiritualidade, a transcendência e a “universalidade”. As entrevistas dadas por Cecília à imprensa[20], seus escritos direta ou indiretamente autobiográficos[21], e a iconografia que dela nos chega, em especial suas fotografias que parecem sempre por em destaque a figura delgada e seus olhos claros, quase sempre fitos em algum lugar do infinito, estão longe de desmentir essa imagem da autora.
No reverso do elogio fúnebre traçado por Alceu, algumas observações e silenciamentos são reveladores. Em primeiro lugar o corte cronológico por ele escolhido em 64, os últimos “30 anos” e que deixa fora da história intelectual de Cecília o ano do conflitivo concurso de 1929; a polêmica Página de Educação do Diário de Notícias por ela dirigida entre 1930 e 1933; seus primeiros livros de poesia, Espectros, de 1919, Nunca mais e Poema dos poemas, publicados em 1923, e Baladas para El-Rei, de 1925; sua participação nas revistas Árvore Nova, Terra do Sol e Festa, que curiosamente aparece no mesmo texto afirmada como um elemento definidor de sua trajetória; seu primeiro livro infantil, Criança meu amor, de 1925 e, ainda, o fato de sua assinatura constar no Manifesto dos Pioneiros da Educação Brasileira, de 19 de março de 1932.
Em segundo lugar, a exclusiva sinalização de seu papel como poeta maior, em detrimento de outras muitas atividades por ela desempenhadas, como figura pública e como intelectual.
Por fim, o apagamento explícito de seu conflito com Cecília Meireles, já que destaca como elemento de contraste entre Anita e Cecília o fato da primeira, ao contrário da segunda, ter enfrentado fortes polêmicas, destacando o fato de Anita ter tido ”contra si , de entrada, uma voz que representava um obstáculo quase insuperável, a de Monteiro Lobato”[22]:
“Anita, neste sentido, sofreu muito mais que Cecília. Primeiramente porque foi a primeira a quebrar os tabus da arte acadêmica. Os primeiros são sempre, naturalmente as primeiras vítimas do eterno filisteu. Em seguida porque o ambiente paulista é mais duro de convencer do que o carioca.” [23]

Diante do absoluto da morte, Alceu, o antigo opositor de Cecília, fala de si ao falar daquela que homenageia. Refaz a biografia da que via como sua inimiga até morrer [24], sublinha a espiritualidade transcendente e o universalismo e silencia o conflito entre ambos, apaga boa parte de sua trajetória, e contribui para fixar uma imagem que a fortuna crítica de Cecília só muito recentemente começa a relativizar: Cecília Meireles, morta, será imortalizada por sua pena – como de resto por grande parte dos que escrevem na ocasião textos análogos[25] - como poeta maior, com um lugar todo seu na construção do moderno na cultura brasileira, mestra da sensibilidade e da magia da palavra e, definitivamente, “sílfide da imponderabilidade poética”.
Também Cecília fala de si ao render homenagem póstuma a Mário de Andrade, intelectual e poeta que admirava e respeitava, amigo de quem se aproximara através de uma carta simultaneamente tímida e ousada escrita em 1935[26], a quem dedica o 2º Motivo da Rosa, soneto publicado em Mar Absoluto[27], por escolha aliás do próprio Mário[28].
Quando morre Mário de Andrade, em 1945, Cecília dedica a ele uma elegia em crônica na qual sublinha um de seus traços, justamente aquele que espelha a referência ao universal que, se para ela era sempre ponto de partida e de chegada, no caso de Mário só poderia ser encontrado no âmago daquilo que fosse genuinamente brasileiro. No retrato de Mário traçado por Cecília, a dor da perda é o contraste para a escrita luminosa:
“Macunaíma arteiro sempre se recuperando, e tão abundante em doçura, tão louco e tão tímido, tão de bondade discreta e capitosa - tão seu, tão dos outros, tão de todos, tão do universo em cujo colo se aninhava como uma criança que sorri dormindo.” [29]

Em 1960 a prefeitura do Distrito Federal encomenda a Cecília Meireles a organização de uma antologia de poesias de Mário de Andrade, por ocasião do décimo quinto aniversário de sua morte. Cecília empreendeu um exaustivo estudo da obra poética de Mário, traçando cuidadosamente uma cartografia de sua escrita poética ao realizar um inventário que pretendia ser exaustivo dos temas visitados, das expressões utilizadas, do vocabulário, do relevo das rimas e figuras de estilo, dos autores citados e de mil outros detalhes a seus olhos significativos na poesia de Mário. Foi tão detalhado o estudo prévio que a obra não foi entregue a tempo e por essa razão não foi então publicada. Na Introdução que preparou para a Antologia Cecília escreveu:
“Malgrado o pouco tempo decorrido sobre a sua morte, e a nitidez de sua presença viva, malgrado a clareza de sua obra e a vastidão da sua bibliografia, não é fácil traçar-se uma síntese de Mário de Andrade, dada a riqueza de sua personalidade; suas audácias e cóleras de homem tímido e bom, sua agressividade e seus arrependimentos; seu feitio grave e brincalhão; seu regionalismo, seu brasileirismo e seu universalismo; seus contrastes de corpo e de espírito e ‘aquela forma de inteligência que o distinguia, do ser humano que encarnou, do amigo, do irmão que foi para a quase totalidade dos intelectuais do tempo’ – no dizer tão lúcido e sensível de Henriqueta Lisboa. (...) É nos seus versos que Mário de Andrade faz refletir com mais prodigalidade, e simultaneamente, os inúmeros aspectos de sua sensibilidade e a multiplicidade de seus motivos de interesse. (...)
Não se trata, do ponto de vista poético de um autor muito uniforme, mas, ao contrário do participante de uma época de renovação literária, que a ela se entregou com todas as curiosidades do seu temperamento. Entraram nessa experiência todos os elementos que compunham a sua versatilidade: o gosto musical, as pesquisas folclóricas, interesses históricos e linguísticos, o seu brasileirismo, o seu paulistanismo, e mais as qualidades que caracterizavam a sua especialíssima personalidade: um sentimental, um enternecido, um discreto e quase tímido, a brincar de audacioso, a aventurar-se em invectivas político-sociais, a tentar entregar-se a um curioso sensualismo, em que de súbito se sente intervir fastio, sonho, arrependimento – qualquer coisa que desloca essa entrega para um plano de reflexão que não ousamos dizer mística, mas em que a consideração espiritual tem a sua importância.”[30]

Por contraste ou por sintonia, não é difícil identificar indícios da identidade da leitora na leitura feita do perfil de Mário por Cecília Meireles. Também de Cecília não é fácil “traçar uma síntese”. Mais talvez do que na poesia de Mário, é nos versos da Cecília-poeta que os contemporâneos e os críticos encontram toda a largura e a profundidade de sua sensibilidade e de seus “múltiplos interesses”. Também ela é vista e se vê como “participante de uma época de renovação literária” porque, a seu modo, é tida como moderna. Como Mário, ainda que por caminhos e em momentos diferentes, Cecília “aventurou-se em invectivas político-sociais” , e, tal como o autor de Macunaíma destacou-se pelo “gosto musical, as pesquisas folclóricas, e os interesses históricos e linguísticos” . E, se as análises da obra de Cecília parecem sublinhar, mais que as de Mário, a sensibilidade mística e a “consideração espiritual” como traços de sua identidade poética, certamente Mário de Andrade não se reconheceria no primeiro termo da tríade “regionalismo, brasileirismo, universalismo” que, segundo Cecília, o caracterizava, e não é evidente o que poderia ser “o brasileirismo” no caso de Cecília.
A Mário, na cumplicidade criada por anos de troca de correspondência, Cecília advertia em 1943
“Não se esqueça de que sou marinha. Como um fenício.”[31]

Cecília, com efeito, parece conhecer os segredos do mar, e, em crônica escrita no mesmo ano da carta a Mario em que se declara marinha como um fenício, reconhece-se em seu elemento ao visitar um barco – pequeno e ancorado, é preciso dizê-lo – , talvez por nele encontrar ecos de seu universo simbólico. Na crônica, curiosamente ancorada entre uma série de doze semanas em que tratou apenas de contos do mundo inteiro que se estruturam em torno de adivinhações em seu texto semanal e outras série dedicada aos pregões populares, Cecília abre espaço para aquilo que ela própria chama de seu “coração marinheiro”:
“ (...) o ambiente despertava um gosto de aventura saudável, por mares difíceis, assaltados por monstros bravos, com vento salgado pelos cabelos, turbulência de ondas no convés, e a música das roldanas, áspera e forte, que tem estranho poder sobre os que verdadeiramente amam viajar.
(...) porque a gente do mar tem seus hábitos, sua fome segue outros ritos; no mundo das águas se esquecem os usos fixados em terra; a mesa tem uma plenitude diferente, e reparte-se de outra maneira.
(...) Os homens do mar têm seus luxos: o binóculo, os mapas abertos, a leitura que vai armando paisagens e conversas no fumo doce do cachimbo. (...)
Íamos todos enobrecidos de sonho, unidos em amor àquele que conosco tanto amara perder-se e encontrar-se nessa experiência do oceano, tão igual à da vida.
Os homens do mar têm seus luxos: grandes silêncios, percursos variados, súbitas aparições...
E quem navega tem suas esperanças tranqüilas: vencidos os mares, há sempre um lugar de encontros imaginários, em porto feliz. (...)
De mar em mar chegaremos ao nosso destino.” [32]
Sem cair na obviedade de assinalar a recorrência do mar e da viagem como temas de sua obra em verso e em prosa, sem insistir na variedade das latitudes que visitou em suas viagens físicas, assinaladas por todos os seus biógrafos[33], sem ceder à tentação de assinalar os roteiros simbólicos por ela percorridos, cabe salientar a pertinência da viagem como metáfora do itinerário intelectual de Cecília Meireles, já amplamente reconhecida como “especial viajora” [34], sempre em busca e sempre
“(...) entre a sua ânsia e o seu desalento , sua concepção de um ideal e o vazio do mesmo (...)
Por isso ela se move, ‘viaja’, sonha com navios, com nuvens, com coisas errantes e etéreas, móveis e espectrais, transformando em pura poesia essa caminhada” [35]
Este estudo, na verdade o entrecruzamento de duas viagens distintas, aquela das grandes navegações empreendidas por Cecília e essa, infinitamente mais modesta, de uma das leituras possíveis de alguns dos seus itinerários menores, distintos daqueles de suas rotas mais gloriosas pelo “Mar Absoluto” da poesia, pretende ter como lastro uma advertência da própria Cecília
“O que nós escrevemos passa a ser outra coisa a cada pessoa que nos lê” [36]

Como nas viagens, é na diferença entre o ponto de partida e os pontos de chegada que os roteiros ganham sentido, é na tensão entre o conhecido e o desconhecido que se tecem os significados, e são os olhos do viajante que desenham os mapas.

No dia 10 de dezembro de 1964 Tristão de Athaíde publicou no Jornal do Brasil uma crônica em que homenageava duas figuras femininas exponenciais na cultura brasileira e então recentemente falecidas: Anita Malfatti e Cecília Meireles. [2]
Sete anos mais tarde, esta mesma crônica passaria a compor o livro que, com seu nome próprio de Alceu Amoroso Lima, publicou com o título de Companheiros de Viagem[3], fugindo assim, por vontade do autor, ao destino efêmero de sua publicação num jornal diário.
Nela Tristão/Alceu parecia querer acertar contas com um passado remoto, e aplanar, diante da morte, o abismo que sempre se mantivera entre ele e Cecília.
A desavença tivera início em agosto de 1930, quando Alceu havia participado, juntamente com Antenor Nascentes, Coelho Neto e Nestor Vítor[4], como membro da banca do concurso para a cátedra de literatura brasileira da Escola Normal do Distrito Federal, um concurso concorrido e tenso, realizado em meio aos embates entre escola-novistas e católicos pelo controle da trincheira da educação nos anos 30. Oito candidatos se apresentaram, e desses apenas dois chegaram à etapa final constituída pela prova de aula, já que três deles não conseguiram ter suas teses aprovadas e três desistiram do concurso em razão da superioridade nítida das notas obtidas na prova de defesa de tese por dois dos candidatos: Cecília Meireles e Clóvis do Rego Monteiro[5]. Cecília ficou classificada em segundo lugar no concurso.
O resultado do concurso parece ter marcado profundamente tanto a Cecília quanto a Alceu. [6]
A então jovem professora, que em 1910, aos 9 anos, recebera de Olavo Bilac, na qualidade de Inspetor Escolar do Distrito Federal, a medalha de ouro do mérito escolar ao concluir com distinção e louvor o curso primário na Escola Estácio de Sá; que se formara em 1917 pela Escola Normal; que exercera o magistério desde então e que, já em 1925, publicara um livro infantil intitulado Criança meu amor, adotado como livro de leitura escolar pela rede pública desde 1927 [7], parece segura de que o resultado do concurso obedecera sobretudo aos interesses políticos do grupo católico. Por isso, poucos meses após sua estréia como jornalista na Página de Educação do Diário de Notícias [8] escreveu na coluna Comentário:
“ A Escola Normal, para a qual a boa vontade da presente administração conseguiu elevar uma tão suntuosa edificação , parece estar ameaçada de vir a abrigar no seu solene recinto todos os adversários da Escola Nova, instituída pela mesma reforma que a criou. (...) O concurso de literatura ultimamente realizado deixou a Reforma Fernando de Azevedo em muito má situação (...). Depois da desorganização mal intencionada do concurso de Literatura (...) o concurso de Sociologia, cujo mecanismo interno já começa a aparecer, será outra oportunidade para se avaliar o destino que vai ter afinal a nossa magnífica Reforma de Ensino. Já começaram as discussões sobre a mesa organizada. E muito a propósito. Porque os representantes da igreja, que dela fazem parte, não puderam jamais, pela própria dignidade do seu cargo, deixar a batina à porta, como já se disse. Está no seu interesse e na sua obrigação religiosa defender o seu credo. E na sua opinião fazem decerto muitíssimo bem. Mas a opinião dos educadores é outra. E essa é que tem que ser respeitada, porque a Escola Normal é um Instituto Pedagógico e não um seminário.” [9]

Alceu, por sua vez, já convertido ao catolicismo e tendo assumido a liderança do laicato católico através da direção do Centro D. Vital e da revista Ordem, não poupa violência em seu comentário ao Manifesto dos Pioneiros, como ficou conhecido o Manifesto da Nova Educação ao Governo e ao Povo publicado em 19 de março de 1932 na Página de Educação do Diário de Notícias:
“ Já temos também a nossa NEP! Não se trata porém da Nova Política Econômica de Lenin. Trata-se da ‘nova política educacional’, que se apresenta em linhas gerais no resumo do ‘Manifesto dos Pioneiros da Nova Educação assinado por um grupo seleto dos gros bonnets da nova pedagogia oficial.
É anticristão, porque nega a supremacia da finalidade espiritual; é antinacional porque embora referindo-se ao ‘cuidado da unidade nacional’, não leva em conta, em seu racionalismo árido, nenhuma particularidade do temperamento e da tradição brasileira; e é também antiliberal, pois se baseia no absolutismo pedagógico do Estado e na negação de toda liberdade de ensino.” [10]

Numa segunda oportunidade, ainda no fragor das batalhas que marcaram os anos 30 no campo da educação, Alceu votou contra o parecer de Cassiano Ricardo, que propunha que o prêmio da Academia Brasileira de Letras de 1938 fosse conferido unicamente ao livro de poesias Viagem, de Cecília Meireles, naquela que, segundo Manuel Bandeira foi “uma das sessões mais tumultuosas que nela [na Academia Brasileira de Letras] já se realizaram”[11]. O parecer gerou uma polêmica que extravasou os muros da Academia e tornou-se pública pela imprensa. Cecília recebeu o prêmio de poesia, mas a proposta de Cassiano foi derrotada, tendo a Academia concedido também prêmios às demais modalidades literárias.
Cecília, escolhida pelos demais premiados para falar em nome de todos, viu seu discurso ser modificado pela Comissão de Censura da Academia e preferiu o silêncio.[12]
No entanto o Alceu dos anos 60 não era o mesmo Alceu ortodoxo e atrabiliário da década de 30. No elogio fúnebre de sua crônica de dezembro de 64, reconhece a estatura intelectual e literária de Cecília:
“Foram-se ao mesmo tempo as duas figuras femininas, as únicas que a primeira vaga modernista trouxe às nossas praias estéticas: Anita Malfatti e Cecília Meirelles. (...)
No plano das artes e das letras, quem marcou o início da nova era foi, sem dúvida, essa dupla de tão alto estilo – Anita Malfatti e Cecília Meireles.
“ A primeira foi a lançadora da pintura moderna entre nós. Cecília a da poesia moderna” [13]

Muitas afirmações da breve crônica de 64, assim como alguns de seus silêncios, são eloqüentes. Em primeiro lugar a reiterada valorização do caráter moderno de Cecília, tanto por sua identificação como “lançadora,entre nós, da poesia moderna“ quanto pelo paralelismo estabelecido, na vida como na morte, com Anita.
“ O colorido violento das telas de Anita e a sonoridade velada dos versos de Cecília abriram uma nova era na vida cultural do Brasil”[14]

Em segundo lugar pela relativização de seu caráter pioneiro, e a afirmação da especificidade de seu modernismo, de clara filiação simbolista e incorporador da tradição
“(...) sua poesia não vinha propriamente quebrar tabus. Outros já o haviam feito antes dela. Prolongava – com uma originalidade toda individual e sem nenhuma preocupação inovadora ou revolucionária – a linha simbolista. Participara do grupo espiritualista de Tasso da Silveira, Andrade Murici, Henrique Abílio, Barreto Filho e seus companheiros de revista Festa, que operavam a transição sem violência, do passado ao presente, através das corredeiras agitadas do movimento de 1922”[15]

Em terceiro lugar por relacionar as conquistas de Cecília – e de Anita – no mundo da literatura e das artes a “(...) um dos novos sinais dos tempos: a importância da contribuição feminina à vida intelectual brasileira” [16], afirmando sua especificidade no universo letrado como representantes de um gênero até então objeto da segregação “(...)do gueto, da reclusão, do gineceu (...) em que eram cuidadosamente guardadas as castelãs inacessíveis,”[17] e assinalando, assim, no mesmo movimento, nova e sutil segregação das mulheres na cidade das letras, já que seu valor era reconhecido em si mesmo, mas exponenciado pelo fato de serem mulheres.
Por fim, Alceu resume, situa e define o papel que, a seus olhos, Cecília desempenhara no universo intelectual da arte brasileira:
“Essa sílfide da imponderabilidade poética foi crescendo em estatura, de poema em poema, até se tornar a maior figura feminina da poesia continental. Sua universalidade se baseava numa triangulação em que três mundos se encontravam para dar a nota típica de sua universalidade: Portugal, Brasil, Índia. Ásia, Europa e América representavam três pontos-chaves dessa poética sutil e tipicamente feminina que, durante trinta anos, ressoou em todos os corações e nos aliviou de tantas aflições, com sua espiritualidade transcendente e sua verbalidade cristalina.”[18]

Para Alceu Cecília é vista, tal como até bem recentemente por grande parte de sua fortuna crítica[19] e pela memorialística da época, como “a sílfide da imponderabilidade poética”, cujas marcas de identidade são reiteradamente afirmadas como sendo a “poética sutil”, o virtuosismo no uso da palavra, uma específica inserção no movimento moderno e por traços não muito definidos e que seriam o eterno feminino, a espiritualidade, a transcendência e a “universalidade”. As entrevistas dadas por Cecília à imprensa[20], seus escritos direta ou indiretamente autobiográficos[21], e a iconografia que dela nos chega, em especial suas fotografias que parecem sempre por em destaque a figura delgada e seus olhos claros, quase sempre fitos em algum lugar do infinito, estão longe de desmentir essa imagem da autora.
No reverso do elogio fúnebre traçado por Alceu, algumas observações e silenciamentos são reveladores. Em primeiro lugar o corte cronológico por ele escolhido em 64, os últimos “30 anos” e que deixa fora da história intelectual de Cecília o ano do conflitivo concurso de 1929; a polêmica Página de Educação do Diário de Notícias por ela dirigida entre 1930 e 1933; seus primeiros livros de poesia, Espectros, de 1919, Nunca mais e Poema dos poemas, publicados em 1923, e Baladas para El-Rei, de 1925; sua participação nas revistas Árvore Nova, Terra do Sol e Festa, que curiosamente aparece no mesmo texto afirmada como um elemento definidor de sua trajetória; seu primeiro livro infantil, Criança meu amor, de 1925 e, ainda, o fato de sua assinatura constar no Manifesto dos Pioneiros da Educação Brasileira, de 19 de março de 1932.
Em segundo lugar, a exclusiva sinalização de seu papel como poeta maior, em detrimento de outras muitas atividades por ela desempenhadas, como figura pública e como intelectual.
Por fim, o apagamento explícito de seu conflito com Cecília Meireles, já que destaca como elemento de contraste entre Anita e Cecília o fato da primeira, ao contrário da segunda, ter enfrentado fortes polêmicas, destacando o fato de Anita ter tido ”contra si , de entrada, uma voz que representava um obstáculo quase insuperável, a de Monteiro Lobato”[22]:
“Anita, neste sentido, sofreu muito mais que Cecília. Primeiramente porque foi a primeira a quebrar os tabus da arte acadêmica. Os primeiros são sempre, naturalmente as primeiras vítimas do eterno filisteu. Em seguida porque o ambiente paulista é mais duro de convencer do que o carioca.” [23]

Diante do absoluto da morte, Alceu, o antigo opositor de Cecília, fala de si ao falar daquela que homenageia. Refaz a biografia da que via como sua inimiga até morrer [24], sublinha a espiritualidade transcendente e o universalismo e silencia o conflito entre ambos, apaga boa parte de sua trajetória, e contribui para fixar uma imagem que a fortuna crítica de Cecília só muito recentemente começa a relativizar: Cecília Meireles, morta, será imortalizada por sua pena – como de resto por grande parte dos que escrevem na ocasião textos análogos[25] - como poeta maior, com um lugar todo seu na construção do moderno na cultura brasileira, mestra da sensibilidade e da magia da palavra e, definitivamente, “sílfide da imponderabilidade poética”.
Também Cecília fala de si ao render homenagem póstuma a Mário de Andrade, intelectual e poeta que admirava e respeitava, amigo de quem se aproximara através de uma carta simultaneamente tímida e ousada escrita em 1935[26], a quem dedica o 2º Motivo da Rosa, soneto publicado em Mar Absoluto[27], por escolha aliás do próprio Mário[28].
Quando morre Mário de Andrade, em 1945, Cecília dedica a ele uma elegia em crônica na qual sublinha um de seus traços, justamente aquele que espelha a referência ao universal que, se para ela era sempre ponto de partida e de chegada, no caso de Mário só poderia ser encontrado no âmago daquilo que fosse genuinamente brasileiro. No retrato de Mário traçado por Cecília, a dor da perda é o contraste para a escrita luminosa:
“Macunaíma arteiro sempre se recuperando, e tão abundante em doçura, tão louco e tão tímido, tão de bondade discreta e capitosa - tão seu, tão dos outros, tão de todos, tão do universo em cujo colo se aninhava como uma criança que sorri dormindo.” [29]

Em 1960 a prefeitura do Distrito Federal encomenda a Cecília Meireles a organização de uma antologia de poesias de Mário de Andrade, por ocasião do décimo quinto aniversário de sua morte. Cecília empreendeu um exaustivo estudo da obra poética de Mário, traçando cuidadosamente uma cartografia de sua escrita poética ao realizar um inventário que pretendia ser exaustivo dos temas visitados, das expressões utilizadas, do vocabulário, do relevo das rimas e figuras de estilo, dos autores citados e de mil outros detalhes a seus olhos significativos na poesia de Mário. Foi tão detalhado o estudo prévio que a obra não foi entregue a tempo e por essa razão não foi então publicada. Na Introdução que preparou para a Antologia Cecília escreveu:
“Malgrado o pouco tempo decorrido sobre a sua morte, e a nitidez de sua presença viva, malgrado a clareza de sua obra e a vastidão da sua bibliografia, não é fácil traçar-se uma síntese de Mário de Andrade, dada a riqueza de sua personalidade; suas audácias e cóleras de homem tímido e bom, sua agressividade e seus arrependimentos; seu feitio grave e brincalhão; seu regionalismo, seu brasileirismo e seu universalismo; seus contrastes de corpo e de espírito e ‘aquela forma de inteligência que o distinguia, do ser humano que encarnou, do amigo, do irmão que foi para a quase totalidade dos intelectuais do tempo’ – no dizer tão lúcido e sensível de Henriqueta Lisboa. (...) É nos seus versos que Mário de Andrade faz refletir com mais prodigalidade, e simultaneamente, os inúmeros aspectos de sua sensibilidade e a multiplicidade de seus motivos de interesse. (...)
Não se trata, do ponto de vista poético de um autor muito uniforme, mas, ao contrário do participante de uma época de renovação literária, que a ela se entregou com todas as curiosidades do seu temperamento. Entraram nessa experiência todos os elementos que compunham a sua versatilidade: o gosto musical, as pesquisas folclóricas, interesses históricos e linguísticos, o seu brasileirismo, o seu paulistanismo, e mais as qualidades que caracterizavam a sua especialíssima personalidade: um sentimental, um enternecido, um discreto e quase tímido, a brincar de audacioso, a aventurar-se em invectivas político-sociais, a tentar entregar-se a um curioso sensualismo, em que de súbito se sente intervir fastio, sonho, arrependimento – qualquer coisa que desloca essa entrega para um plano de reflexão que não ousamos dizer mística, mas em que a consideração espiritual tem a sua importância.”[30]

Por contraste ou por sintonia, não é difícil identificar indícios da identidade da leitora na leitura feita do perfil de Mário por Cecília Meireles. Também de Cecília não é fácil “traçar uma síntese”. Mais talvez do que na poesia de Mário, é nos versos da Cecília-poeta que os contemporâneos e os críticos encontram toda a largura e a profundidade de sua sensibilidade e de seus “múltiplos interesses”. Também ela é vista e se vê como “participante de uma época de renovação literária” porque, a seu modo, é tida como moderna. Como Mário, ainda que por caminhos e em momentos diferentes, Cecília “aventurou-se em invectivas político-sociais” , e, tal como o autor de Macunaíma destacou-se pelo “gosto musical, as pesquisas folclóricas, e os interesses históricos e linguísticos” . E, se as análises da obra de Cecília parecem sublinhar, mais que as de Mário, a sensibilidade mística e a “consideração espiritual” como traços de sua identidade poética, certamente Mário de Andrade não se reconheceria no primeiro termo da tríade “regionalismo, brasileirismo, universalismo” que, segundo Cecília, o caracterizava, e não é evidente o que poderia ser “o brasileirismo” no caso de Cecília.
A Mário, na cumplicidade criada por anos de troca de correspondência, Cecília advertia em 1943
“Não se esqueça de que sou marinha. Como um fenício.”[31]

Cecília, com efeito, parece conhecer os segredos do mar, e, em crônica escrita no mesmo ano da carta a Mario em que se declara marinha como um fenício, reconhece-se em seu elemento ao visitar um barco – pequeno e ancorado, é preciso dizê-lo – , talvez por nele encontrar ecos de seu universo simbólico. Na crônica, curiosamente ancorada entre uma série de doze semanas em que tratou apenas de contos do mundo inteiro que se estruturam em torno de adivinhações em seu texto semanal e outras série dedicada aos pregões populares, Cecília abre espaço para aquilo que ela própria chama de seu “coração marinheiro”:
“ (...) o ambiente despertava um gosto de aventura saudável, por mares difíceis, assaltados por monstros bravos, com vento salgado pelos cabelos, turbulência de ondas no convés, e a música das roldanas, áspera e forte, que tem estranho poder sobre os que verdadeiramente amam viajar.
(...) porque a gente do mar tem seus hábitos, sua fome segue outros ritos; no mundo das águas se esquecem os usos fixados em terra; a mesa tem uma plenitude diferente, e reparte-se de outra maneira.
(...) Os homens do mar têm seus luxos: o binóculo, os mapas abertos, a leitura que vai armando paisagens e conversas no fumo doce do cachimbo. (...)
Íamos todos enobrecidos de sonho, unidos em amor àquele que conosco tanto amara perder-se e encontrar-se nessa experiência do oceano, tão igual à da vida.
Os homens do mar têm seus luxos: grandes silêncios, percursos variados, súbitas aparições...
E quem navega tem suas esperanças tranqüilas: vencidos os mares, há sempre um lugar de encontros imaginários, em porto feliz. (...)
De mar em mar chegaremos ao nosso destino.” [32]
Sem cair na obviedade de assinalar a recorrência do mar e da viagem como temas de sua obra em verso e em prosa, sem insistir na variedade das latitudes que visitou em suas viagens físicas, assinaladas por todos os seus biógrafos[33], sem ceder à tentação de assinalar os roteiros simbólicos por ela percorridos, cabe salientar a pertinência da viagem como metáfora do itinerário intelectual de Cecília Meireles, já amplamente reconhecida como “especial viajora” [34], sempre em busca e sempre
“(...) entre a sua ânsia e o seu desalento , sua concepção de um ideal e o vazio do mesmo (...)
Por isso ela se move, ‘viaja’, sonha com navios, com nuvens, com coisas errantes e etéreas, móveis e espectrais, transformando em pura poesia essa caminhada” [35]
Este estudo, na verdade o entrecruzamento de duas viagens distintas, aquela das grandes navegações empreendidas por Cecília e essa, infinitamente mais modesta, de uma das leituras possíveis de alguns dos seus itinerários menores, distintos daqueles de suas rotas mais gloriosas pelo “Mar Absoluto” da poesia, pretende ter como lastro uma advertência da própria Cecília
“O que nós escrevemos passa a ser outra coisa a cada pessoa que nos lê” [36]

Como nas viagens, é na diferença entre o ponto de partida e os pontos de chegada que os roteiros ganham sentido, é na tensão entre o conhecido e o desconhecido que se tecem os significados, e são os olhos do viajante que desenham os mapas.

2. Itinerários

“Muitas velas, muitos remos.
Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.”
Cecília Meireles: O rei do mar
IN: Vaga música.
Poesia Completa p. 182

2.1. No rumo do futuro:

Entre os itinerários menores percorridos por Cecília Meireles, aqueles feitos fora do mar-oceano da poesia em tom maior, esta o de suas viagens pela literatura infantil. É uma viagem muito particular a que empreende por esse continente da infância, e nela seu barco parece equipado com uma bagagem que sintetiza sua memória infantil, sua identidade de professora e de poeta, sua paixão pelos livros, sua convicção do papel da leitura, da educação e da escola e seu projeto de futuro, que em alguns momentos aparece através de sua faceta de militante aguerrida, empenhada na construção de um tempo que há de vir e, em outros de contemplativa serena do tempo que flui e mestra do ritmo das palavras.

Em sua memória infantil, tão surpreendentemente exposta em livro, que, ainda que narrado na terceira pessoa, é um mergulho na introspecção contemplativa em que, pelo milagre da imaginação, escapa da condenação de um mundo presidido pela onipresença da morte que lhe chega através de todos os sentidos [37], Cecília vai buscar na lembrança a menina solitária revivida em seu primeiro contato com os livros
“E para separar-se definitivamente do mundo de todos, construiu um muro de livros, e declarou: ‘Eu agora moro ali dentro.’ “ [38]

E por morar dentro da muralha feita dos livros que ainda não lê, como os que amam os livros[39], a menina que “de bruços no tapete virava as folhas dos livros” associa suas doces lembranças da avó a um livro muito especial
Boquinha de Doce sentava-se na sua cadeira de vime, abria também seu livro, que era pequenino, mas grosso, e de beiras douradas, e ali ficava, entre nuvens. E a menina ajoelhava-se, levantava-se, chegava-se para perto dela, aninhava-se no seu colo, ficava entre o seu rosto e o livro. E as figuras passavam: homens de outros tempos abriam os braços falando para multidões; a cabeça do santo gotejava sangue, sob os espinhos ; o corpo do santo se arrastava entre os soldados; o santo morria na cruz e as mulheres choravam ajoelhadas.”[40]
assim como associa a livros o que via de belo
“como uma figura de livro, a noiva, parecia apenas um desenho”[41]
e seus sonhos
“Esses seus sonhos de música, ela mesmo não os entende. Mas pensa, pensa em certos sons muito finos, espaçados, extremamente agradáveis, como em alguma coisa inesquecível que se ouviu remotamente com infinito prazer. Virá das gravuras dos livros?” [42]

Também nas entrevistas que concede a lembrança infantil dos livros é uma constante:
“Quando eu ainda não sabia ler, brincava com livros e imaginava-os cheios de vozes, contando o mundo.” [43]

E, se soma à sua vasta obra poética uma produção específica para crianças é porque está convencida que
(...) “Escrever para crianças tem de ser uma ciência e uma arte, ao mesmo tempo. (...)
[Ciência] porque é necessário conhecer as íntimas condições dessas pequenas vidas, o seu funcionamento, as suas características, as suas possibilidades. (...)
[arte porque] O artista é uma criatura que se distingue das outras pela sua intuição, pela sua sensibilidade e pelo poder de criar de acordo com a vibração especial que lhe transmite cada ambiente. Por isso mesmo, há neles como uma faculdade divinatória, que os faz pressentir acontecimentos e épocas. Eles são, também, capazes de escrever para as crianças, embora ignorando as verdades que sobre elas vêm fixando a ciência: orientados apenas pela delicadeza do seu tato espiritual e pelo desejo superior de um convívio íntimo com a alma infantil. Modernamente, aliás, se está verificando uma enorme similitude psicológica da criança com o artista; quer na vivência subjetiva; quer nas realizações objetivas.
Escrever para criança é, ao mesmo tempo, difícil e fácil. É, como um dia, ouvi dizer: o ovo de Colombo. O difícil é a gente ser Colombo. Ser, de fato. Não, apenas, pensar que é...”

conforme escreve na Página de Educação do dia 11 de novembro de 1930, preferindo o comentário sobre a ciência e a arte de escrever para crianças no dia em que o jornal noticia que seria assinado, ainda naquela semana, o decreto dissolvendo o Congresso Nacional, na semana da posse de Getúlio Vargas como presidente, três dias depois da publicação da notícia de um sério conflito entre hitleristas e a polícia nas ruas do Rio de Janeiro: no mesmo Diário de Notícias que registra os acontecimentos que cercam a consolidação do golpe de 30, Cecília afirma que os livros de crianças se constituem na ciência e na arte dos que são, ou pensam ser, descobridores.
Por essa razão escreve para crianças e sobre o que para elas se escreve.
Por isso ao traçar o perfil de Cecília em seus arquivos Implacáveis, João Condé anota, hierarquizando as preferências pela prioridade como pela tríplice repetição:
“ – Coisas que ama: crianças, objetos antigos, flores, música de cravo, praia deserta, livros, livros livros, noite com estrelas e nuvens ao mesmo tempo.”[44]

Para crianças, Cecília escreve livros e promove a leitura, “sâo os livros naus que arma para o descobrimento, porque são os livros que permitem ler não apenas o que em suas páginas está escrito, mas o mundo” [45]
“Ah! Tu, livro despretencioso, que , na sombra de uma prateleira um dia uma criança livremente descobriu, pelo qual se encantou, e, sem figuras, sem extravagâncias, esqueceu as horas, os companheiros, a merenda... tu sim és um livro infantil e o teu prestígio será na verdade imortal.”[46]

É interessante assinalar que uma de suas primeiras publicações, aquelas feitas antes que completasse 25 anos e iniciasse sua presença no debate público sobre a Escola Nova e sua produção poética mais reconhecida, está um livro infantil, Criança, meu amor [47], publicado no mesmo ano em que Walter Benjamin publica seu primeiro texto sobre livros infantis[48], em 1924, e que será adotado pela Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal e aprovado pelo Conselho Superior de Ensino dos Estados de Minas Gerais e Pernambuco e amplamente utilizado como livro de leitura escolar a partir de então. Como se fechasse um ciclo, sua última publicação em livro, feita em 1964, ano de sua morte, é também um livro infantil, desta vez de poesias, Ou isto ou aquilo,[49] até hoje utilizado nas escolas.
Nos quarenta anos que separam 1924 de 1964, a produção de Cecília para crianças, sobre crianças e sobre literatura para crianças é significativa, ainda que não constante ou uniforme.
Para crianças escreve também A Festa das Letras [50]em 1937, Rute e Alberto resolveram ser turistas [51], em 1938; a Nau Catarineta[52] e O menino atrasado [53] em 1946, e Rui, pequena história de uma grande vida [54], em 1949.
Para o público infanto-juvenil serão publicados, depois de sua morte, livros que recolhem textos de Cecília inicialmente não destinados exclusivamente ao público infantil, como é o caso de Escolha seu sonho[55], coletânea de crônicas extraídas dos programas radiofônicos de que participou com outros escritores da época na Rádio Ministério da Educação e Cultura, intitulado “Quadrante” e na Rádio Roquete Pinto, denominado “Vozes da cidade”; A janela mágica [56], crônicas retiradas de coletâneas anteriormente publicadas e dos textos preparados para os mesmos programas radiofônicos que serviram de base para Escolha seu sonho; Ilusões do mundo[57] também composto por crônicas originalmente escritas para programas radiofônicos produzidos entre 1961 e 1963; O que se diz e o que se entende [58], também uma coletânea de crônicas por vezes utilizada em escolas, e Giroflê, Giroflá [59], que recolhe algumas crônicas do livro homônimo publicado em 1956, em edição limitada, e que reúne, sobretudo, crônicas de viagens pela ìndia e Itália, precedidas da cantiga de roda tradicional que dá nome ao livro. Surpreendentemente também é indicado para leitura infantil o livro Olhinhos de gato [60], seu livro de memórias de infância, que se abre com a narrativa densa e complexa de suas lembranças do beijo dado no rosto frio da mãe morta, quando ela tinha apenas 3 anos de idade. [61]
Todos os que foram escritos e publicados pela autora para crianças[62] estão, de alguma forma, ligados à escola e às atividades escolares, porque, para ela
“A escola é o centro da vida”[63].
E todos são livros de leitura, os que são escritos em verso como os que são em prosa, mesmo aqueles destinados a cumprir o programa de uma determinada disciplina escolar, como Rute e Alberto resolveram ser turistas, que contem o “programa de ciências sociais do terceiro ano elementar”, como esclarece o subtítulo.
Para a promoção da leitura entre as crianças, idealiza e cria, no período em que Anísio Teixeira dirigia o Departamento de Educação do Distrito Federal, a primeira Biblioteca Infantil especializada do Brasil, localizada no Pavilhão Mourisco de Botafogo, cuja curta vida será por ela sempre presidida:
“Em 1934 , é designada pela Secretaria de Educação da Prefeitura do Distrito Federal Para dirigir um Centro Infantil, a ser instalado no Pavilhão do Mourisco. Cria então a primeira biblioteca infantil da cidade e aproveita ao máximo as possibilidades arquitetônicas do Pavilhão, para oferecer às crianças múltiplas atividades educativas e recreativas. Naquele clima de magia tão essencial à mente infantil, as torres passam a abrigar, entre refúgio e descoberta, coleções de selos e estampas e uma discoteca. O porão, decorado por Fernando Correia Dias, é uma espécie de cidade encantada onde as crianças possam exercitar livremente sua imaginação. Nas datas especiais, imprimem-se folhetos educativos, com figuras, poemas, textos breves e fotos, para distribuir aos pequenos usuários do Centro. Foi curta, porém, a vida desse paraíso infantil. Novamente armaram-se as intrigas políticas, e a entidade foi fechada, sob a alegação de que a biblioteca continha livros perigosos para a formação das crianças. A evidência foi a presença de As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain. Mais evidente, entretanto, foi a má repercussão do episódio, tanto nos Estados Unidos da América quanto no Brasil.”[64]

Dez anos mais tarde, em crônica sobre uma entrevista dada em Washington a uma jovem jornalista ávida em ressaltar seu pioneirismo, Cecilia, reconhecendo que a biblioteca “foi a primeira a existir, dentro dos seus moldes, no Brasil”, abre um parênteses para um comentário irônico sobre o episódio:
“ ( A história seria longa de contar, embora servisse para ensinamento de muitos, espanto de vários, e divertimento de todos)” [65]

Sobre a criança e a infância como idade da vida e potencialidade de futuro para o país e para a humanidade, são muitos os escritos de Cecília, tanto aqueles dispersos em sua vasta produção de crônicas publicadas em jornais como seu texto em prosa de síntese sobre a nova educação, a literatura e sua função na educação de um povo, sua tese apresentada ao concurso para a cátedra de literatura brasileira da Escola Normal em 1929 intitulada O Espírito vitorioso [66] certamente um escrito de juventude, assertivo e polêmico, generoso e retórico, mas sempre fiel a algumas das características e convicções que manteve ao longo da vida.
Sobre literatura infantil escreve, além de vários Comentários na “Página de Educação” e crônicas[67], um texto fundamental, publicado em 1951 com o título de Problemas da Literatura Infantil [68], na verdade o resultado de três conferências num curso de férias dado aos professores da rede pública de Belo Horizonte em janeiro de 1949, a convite do então Secretário de Educação dessa cidade, Abgard Renault.
Nessa publicação, com a paciência e o detalhe dos armadores das grandes expedições, Cecília desenvolve o tema, de tal forma que o livro permite encontrar uma Cecília Meireles que teoriza sobre a literatura infantil, aprofunda seu significado na educação daqueles que ela via como o Brasil do futuro, define a relação entre literatura infantil e escola, insiste na importância das bibliotecas, propõe um cânon para esse tipo de literatura num capítulo intitulado “Como fazer um bom livro infantil”[69] e, também ao desenvolver o tema da literatura para crianças, volta a afirmar suas convicções humanistas, universalistas e estéticas.
O argumento central é sua explicitação do que é a literatura:
“A Literatura não é, como tantos supõem, um passatempo. É uma nutrição.”[70]

A autora de versos sobre a importância da bertalha, do espinafre e das frutas frescas para a saúde dos corpos infantis, faz, nesse escrito, a sua segunda festa das letras, agora em prosa e referida à saúde dos corações e das mentes das crianças. São os livros o alimento básico do espírito, e por isso os que se escrevem para crianças devem ser, sobre tudo, Literatura, ou seja uma escrita maiúscula que deve obra de grandes literatos, porque será a pedra angular do intelecto, da formação moral e da educação do gosto estético. E porque é alimento para a vida deve estar sustentada pelo que haja de mais perene – a grande tradição -, de mais sólido – o humanismo – e de mais amplo – o universal.
Com essa referência como base, que constantes e que elementos de diferenciação é possível encontrar na literatura infantil de Cecília Meireles? E, se para escrever para crianças é preciso ser – ou pensar ser, como ela esclarece – um descobridor, que descobrimentos essa leitura permitiria a seus pequenos leitores?
Para que a resposta não seja simplista, é importante buscar alguns elementos de contraste.
Entre os estudiosos do livro e da leitura estão Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard. Em livro recentemente publicado entre nós, esses dois autores analisam os manuais de leitura na França entre 1880 e 1960. Sem pretender uma apropriação mecânica da análise feita, certamente inadequada para o caso brasileiro em geral e para a literatura infantil de Cecília Meireles em particular, é sempre útil incorporar a observação feita por esses autores no sentido de sublinhar a relevância do estudo dos livros para a leitura das crianças:
“ Os manuais de leitura são a verdadeira estrada para se entrar no mundo escrito. (...) Dentre todos os livros, o de leitura escolar é aquele sobre o qual uma pessoa terá passado a maior parte de sua vida” [71]

É igualmente importante refletir sobre as mudanças que situam o que de moderno se afirma na materialidade, na didática e na textualidade dos livros de leitura na França, a partir de 1925 e até 1960: a passagem de
“um modelo único, firmemente estabelecido, que faz da leitura a via de acesso a todas as vias do conhecimento, a uma situação mais complexa, na qual coexistem três tendências: o modelo enciclopédico universal, o modelo que transforma o manual de leitura em um compêndio de narrativas morais, e, por fim, o que tenta fazer entrar a literatura na leitura primária”.[72]

Chartier e Hébrard apontam, no período, um movimento em três direções. A primeira tendência é aquela que consolida o “modelo enciclopédico das leituras instrutivas” [73], que, segundo os autores, é aquele que pretende, ao relacionar organicamente leitura e instrução. Esse tipo de livro pretende visitar e compendiar os mais distintos domínios do saber, sintetizando num texto narrativo o inventário, detalhado e escrupuloso, dos conhecimentos de higiene, geografia, economia doméstica, história, e o que mais for possível. O tipo mais freqüente de narativa é o da viagem de duas crianças, que, ao sabor da aventura, vão descobrindo a pátria, suas riquezas e os valores morais dos que a constróem, formando-se assim, no prazer da leitura ao mesmo tempo que são iniciados, como catecúmenos, na religião leiga do nacionalismo e do patriotismo. O paradigma desse tipo de livro de leitura é o livro Le tour de la France par deux enfants, cuja autora se esconde sob o pseudônimo de G. Bruno, e que já foi objeto de várias análises, inclusive do importante texto de Mona e Joseph Ouzouf[74] . Lição das coisas, portanto.
Por sua vez, “o modelo educativo da narrativa moralizante” [75] , em grande parte o resultado da introdução de compêndios especializados por disciplinas que retira do “livre de lecture courante” o monopólio da leitura instrutiva nas escolas que, de certa forma, exercia. Os livros que pertencem a esse conjunto concentram-se em conteúdos morais e relativos à vida quotidiana dos futuros cidadãos. São, sobretudo, lições de vida. Seu objetivo é formar o coração e a vontade, e, se na maioria das vezes segue o roteiro da vida de uma criança que, surpreendida por um acontecimento transformador de sua rotina, transforma-se e assume seu destino. Alguns deles são narrativas em verso, e todos procedem à escolha de determinados temas para fins de moralização e se tornam livros obrigatórios das bibliotecas escolares, e tem como denominador comum a aventura palpitante.
Por fim o terceiro tipo de livro na taxonomia de Chartier e Hébrard, é aquele que os autores denominam de “ modelo cultural das leituras literárias” [76]. São antologias de grandes autores literários postos ao alcance dos pequenos. Trata-se, no caso, de uma lição eminentemente estética. O objetivo é formar o gosto das crianças e não a transmissão de conhecimentos, quer sobre os autores, quer sobre alguma disciplina ou sobre a moral. A exemplaridade pretendida é a do domínio da palavra escrita e da regra culta, da arte de escrever bem, do domínio da língua vernácula e de seu patrimônio constituído pela literatura.
Seria simplista o exercício classificatório das obras infantis de Cecília Meireles nesses três domínios. Alguns matizes e diferenciações podem sugerir caminhos talvez mais ricos, porque menos mecânicos e mais atentos à história, essa eterna relativizadora de modelos.
Com efeito, a primeira diferença a ser destacada é que os livros infantis de Cecília não se enquadram, ao menos em sua totalidade, na categoria de “livres de lecture courante”, tão específica das práticas escolares francesas. Com a exceção de Criança meu amor, adotado como primeiro livro de leitura em não poucas escolas, são livros para a leitura, por vezes para a encenação dramatizada em ocasiões bem determinadas, como no caso do auto de Natal O menino atrasado; em alguns casos são temáticos ou disciplinares, como A Festa das Letras e o livro que contem o programa de Ciências Sociais do terceiro ano elementar, Rute e Alberto resolveram ser turistas; pertencem à categoria das leituras recomendadas pela escola, como no caso de Ou isto ou aquilo, Rui, pequena História de uma grande vida e de alguns livros que, sem que tivessem sido escritos para o público infantil, foram e são usados nas escolas, como as antologias de crônicas, e mesmo Olhinhos de gato e, ainda que como tais possam ser utilizados, não são manuais de leitura cuja confecção seja presidida por essa intenção e que possam ser considerados adequados ao que Chartier e Hébrad chamam da “inelutável lei do gênero”:
“ler na escola, aprender a ler na escola, significa dizer um texto na convivência de um grupo, com a lentidão decorrente das trocas, com a meticulosidade das verificações, com a paciência ditada pela necessidade do emprego do tempo” [77]

Mesmo que, de fato, assim fossem utilizados nas escolas e eventualmente continuem a sê-lo, não parecem estar escritos para a leitura em voz alta, que se orienta para a construção da coletividade e reforça os laços comunitários, que pressupõe uma certa ética societária e que remete para a esfera pública. Parecem estar escritos para a leitura silenciosa na intimidade do lar ou na solidão da biblioteca, aquela que permite aos leitores subtrair-se do mundo, entrar no mistério do universo interior, dar asas soltas à imaginação e construir a individualidade, para operar com uma diferenciação proposta por Roger Chartier[78].
Não sem razão Cecília, quando convoca o pequeno leitor para o diálogo, o faz sempre no singular, referindo-se a um leitor único com quem dialoga com exclusividade e grande intimidade, como no caso do texto de abertura que cumpre as vezes de breve prólogo programático em Criança meu amor
“Como te chamas? Que idade tens? Onde estás? Não sei quem és, mas eu te amo.
Sem te conhecer compus este livro que te ofereço, querendo fazer-te feliz.”[79]

ou no postfácio do livro Rui. Pequena história de uma grande vida:

“Se vires uma casa pobre e, lá dentro, um menino que estuda, sozinho, e se encanta com o seu estudo e não quer saber de mais nada, - pergunta pelo herói, que decerto, passou por ali.” [80]

À semelhança dos livros franceses que servem de base para a análise de Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard, os livros que Cecília escreve para crianças são livros para serem guardados não apenas na biblioteca de cada criança e de cada escola, mas também em seus corações, e para serem levados, indeléveis, pela vida a fora. Ela o explicita com toda clareza:
“ Pois não basta um pouco de atenção dada a uma leitura para revelar uma preferência ou uma aprovação. É preciso que a criança viva a sua influência, fique carregado para sempre através da vida, essa paisagem, essa música, esse descobrimento, essa comunicação.”[81]

Textos para serem lidos e lembrados, para que cumpram a função iniciática e soteriológica de que fala Menguel a partir de sua experiência pessoal de leitor,
“ Um texto lido e lembrado passa a ser, nessa releitura redentora, como o lago gelado no poema que decorei há tanto tempo, tão sólido quanto a terra e capaz de sustentar a travessia do leitor, contudo, ao mesmo tempo, sua única existência está na mente, tão precária e fugaz como se suas letras fossem escritas na água.” [82]

No entanto, à diferença dos livros franceses da república, que iniciam um processo de diferenciação clara entre os livros de narrativas literárias e os livros de instrução, os que Cecília Meireles para crianças jamais abrem mão de aliar o cuidado com a forma ao conteúdo instrucional, e, mesmo no caso extremo da pauta rígida do alfabeto constrangendo os versos breves da Festa das Letras a transmitirem a crianças muito pequenas – as que estão sendo alfabetizadas - duras lições de saúde e higiene, tantas vezes na contramão dos hábitos alimentares profundamente arraigados no povo brasileiro. Ainda que em boa parte do texto os versos estejam longe de revelar a melhor poesia de Cecília, em algumas ocasiões deixam perceber sua maestria de equilibrista das palavras no jogo das aliterações e das onomatopéias. No primeiro caso, estão, por exemplo, os absurdos e dificilmente defensáveis, qualquer que seja o canon estético utilizado, versinhos da letra E,

“Mas que E, Engraçado!
E – de Estômago bom – menino Excelente.
E – de Estômago mau – menino Enjoado!

E – de prato de Espinafre!
Eta! – maravilha!”[83]

que contrastam com os versos finais em torno a letra F:
 
“Ó menina da menina da Face vermelha
onde viu
Maior Formosura
Que na pela da Fruta madura?

Ó menina da Face vermelha
Veja como a abelha
Se agita
Por não Ter certeza
Se essa cor tão bonita
É da sua Face
Ou da Framboesa!” [84]


É o caso também, não tanto pela forma mas pelo conteúdo, do elogio da poesia embutido entre as lições de Ciências Sociais em Rute e Alberto Resolveram Ser Turistas,[85] curiosamente subtraído da edição americana do livro[86], e discretamente presente no livro Criança meu amor [87].
A terceira e mais significativa diferença entre os livros infantis de Cecília Meireles e os manuais da república francesa, é que longe de pretender formar em seus leitores o espírito nacional e a cidadania republicana, o que aparece sublinhado em todos eles é o desejo de construir homens e mulheres que, sem deixar de ser Brasileiros, se reconheçam como universais e encontrem na humanidade sua verdadeira pátria. Essa parece ser a religião leiga a que Cecília presta culto e rende homenagem: a do universalismo e do humanismo, e não a do nacionalismo e do patriotismo definido por fronteiras territoriais.
Em seus livros para as crianças o Brasil é mais um elemento de identidade que um projeto, sempre referido em sua grandeza e potencialidade[88]. Em seus escritos mais combativos, o Brasil é futuro a ser conquistado através da educação:
“O que o Brasil tiver de ser, depende do modo pelo que resolva o problema educacional.”[89]

Tanto nos seus escritos sobre a educação quanto na educação para a qual quer que seus livros infantis colaborem, o Brasil é o nosso solo de universalidade. É para abrir horizontes do tamanho do mundo que se destina a educação:
“Não se pode compreender o indivíduo completamente educado senão quando seus sentimentos já se estenderam além da órbita familiar, além da órbita nacional, até os pontos mais vários do mundo em que viviam homens, seus irmãos. O espírito de fraternidade transpõe fronteiras, atravessa o mistério das línguas, esquece as diferenças da raça. Ele é o fim da educação, porque só vale a pena viver para uma coesão total de esforços entre povos pacificados pelo amor.”[90]

É essa a “Consagração”, que Cecília anuncia às crianças leitoras ser a glória de Rui Barbosa, a que reunia a defesa da pátria e o sentimento do mundo:
“Um dia – há quanto tempo? – a Argentina o recebera como um foragido político. Vira-o partir depois, para mais longe, melancólico exilado.
E agora recebia um Herói, carregado de glória, que aos antigos padecimentos em defesa da Pátria, juntara padecimentos novos, em defesa do mundo.” [91]

Ainda que de forma confusa e generalizadora, talvez fosse essa a tese que defendera aos vinte e oito anos para o ingresso frustrado no magistério na Escola Normal do Distrito Federal, propondo um sistema tridimensional para a percepção de cada coisa no mundo como método para destacar o valor da palavra e da literatura:
“Cada fenômeno objetivo e cada coisa pode ter três vidas: a que se limita à sua forma exterior; a que lhe emprestamos, subjetivamente, e que está em relação com as nossas próprias paixões; e ainda uma terceira, que é a generalização dessas duas, generalização em imagem, imagem universalizada, - a idéia repousando num símbolo .” [92]

Para Cecília, o “Espirito Vitorioso” deve ser universal.
“Espírito Vitorioso: olhar frente a frente o Universo!”[93]
E o poeta deve estar a seu serviço.
“O poeta será o unificador dos destinos, o construtor da solidariedade universal.” [94]

Para alguns, esse é o ponto vulnerável em que a militância que a fez combater por uma educação moderna porque defendia ser do Estado o dever e a responsabilidade de uma educação para todos, leiga e gratuita se tornava idealista. Para outros, essa é sua particular marca de grandeza de espírito. Para ela própria, essa é a sua confissão de fé:
“Eu creio que se a humanidade se conhecesse bem melhor se amava. Ela encontraria em todas as raças, no fundo de todos os países, a mesma fisionomia de vida e sonho (...)
“Eu creio também que essa revelação de identidade humana se pode fazer mediante a obra poética. Os poetas só são verdadeiramente poetas quando possuem esse Dom do universal que os liberta da fatalidade do tempo e do espaço, imortalizando-os no coração de todos os séculos e todos os homens.
Eu creio, por fim, que a obra de educação terá de ser uma obra de alta poesia, e que chegará um momento em que as vocações pedagógicas se terão de definir como missões civilizadoras do espírito, de atividade quase especialmente artística, a atividade que está mais diretamente ligada à vida, que a procura definir, que a sugere, que a interpreta, que dá às criaturas essa noção de presença de si mesmo, no cenário universal .”[95]

3. Os pequenos navios obstinados:

Em 1945 Cecília Meireles publica Mar absoluto. Nele Cecília nos fala de “grandes navios obstinados” num longo poema, intitulado “Compromisso”. Talvez pudessemos pensar nos seus sete escritos publicados para crianças como uma armada de “pequenos navios obstinados”.
Ela, que afirmara que
“ a educação é a única das coisas deste mundo em que acredito de maneira inabalável.[96],

ela que acreditava na potencialidade educadora da leitura, possivelmente pensava, ao escrever para o público infantil, algo semelhante ao que dissera sobre o escrever em jornais:
“porque é uma esperança obstinada esta, que se tem, de que o público leia e compreenda.”[97]

Unindo a fé à esperança – ambas obstinadas - , Cecília escreve também para que as crianças leiam, e, pela leitura, compreendam o mundo.
Esses livros são, com freqüência, mencionados nas análises que dispomos sobre literatura infantil [98]. Sua reflexão de cunho teórico sobre a literatura infantil, o livro Problemas da literatura infantil, é referência obrigatória. No entanto, são poucas as análises da produção de Cecília para crianças.[99] Pretendemos, aqui, fazer uma incursão exploratória por esses mares até agora pouco navegados, tomando como carta de marear algumas das reflexões de Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard sobre a leitura.
Se é verdade, como já ficou indicado, que identificar as diferenças entre, por um lado, os livros infantis e as propostas educativas de Cecília Meireles para a educação e, por outro, as propostas presentes nos livros de leitura da França republicana é um exercício indispensável para o estudo histórico dos primeiros, é importante assinalar que outro exercício, simétrico e complementar, é o de explorar a hipótese de que, se bem a produção de Cecília para crianças não possa ser classificada em nenhum dos três modelos propostos por Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard, ou sequer distribuída pelo conjunto dos três tipos de livros de leitura propostos por esses autores, talvez seja possível encontrar, em cada um dos livros que Cecília escreveu para crianças, não como modelos, mas como dimensões presentes em todos eles, o caráter enciclopédico e instrutivo, a conotação educativa e moralizante e a preocupação estético-literária.
Numa primeira aproximação, possivelmente o que mais se destaca na leitura dos livros que Cecília escreveu para crianças é seu caráter fortemente moralizante, talvez porque surpreenda ao leitor adulto encontrar nesses escritos pouco freqüentados daquela que sempre se distinguiu pela autonomia pessoal em relação às escolas literárias, da participante ativa do marco democrático que, com as contradições próprias do tempo, representou o movimento escola-novista, daquela que fez da palavra “liberdade” uma das constantes de sua poesia e de sua atividade jornalística, um tom tão marcadamente moralista e, hoje, com acentuado teor reacionário.
É em Criança meu amor e Rui, pequena história de uma grande vida que essa característica é mais marcante. Entre a publicação dos dois há uma distância de 25 anos que não deve ser esquecida.
No primeiro, o moralismo é uma constante, e se revela, particularmente nos textos “O bom menino” e “O mau menino”, que constróem uma oposição de um maniqueísmo extremado. O bom menino é descrito – com um certo abuso de diminutivos – como um ser angelical, e ao final da descrição não falta um quase exame de consciência
“Sei de um menino que vem todos os dias à escola, com a sua roupinha asseada e as suas lições bem sabidas.
(...) ele não vem aos pulos e aos gritos, como os outros colegiais. Vem como uma criança ajuizada, bem direitinho, muito direitinho...
(...) Nunca ninguém se queixou deste menino. É ele que aconselha os mais turbulentos a não brigarem; é ele enfim, que explica aos mais atrasados as lições que não compreenderam bem...
Sei de um menino modelo, cujo nome não digo, porque ele não gostaria, se eu dissesse...
Qual de vocês conhece esse menino?
Qual de vocês é ele?”[100]

No polo oposto as crianças encontrarão, páginas e semanas de leitura depois, o “mau menino”, que ao contrário do “bom menino” tem nome e cuja maldade principal é não gostar de sua professora. O “mau menino não é descrito, mas sim objeto de acusação e de uma repreensão na que não falta um certo tom de chantagem, pela voz de um narrador que tudo vê e tudo sabe, e que conhece as ações e os sentimentos mais íntimos do menino e de sua abnegada professora, à imagem e semelhança do olho de Deus que aterrorizou tantas vidas infantis:

“Oh! Tu não gostas da professora, Julinho! Não gostas...
Quando ela explica a tabuada, rabiscas bonecos no papel. À hora da leitura, não sabes nunca onde deves ler. Ela pede silêncio e tu conversas, e fazes bulha com os pés...
Oh! Tu não gostas da tua professora!
E no entanto ela te quer muito...
Ela vem à escola por tua causa, nos dias de chuva, nos dias de doença...
Ela pensa em ti... Pensa no que vais ser quando cresceres e fores um homenzinho...
Não sentes como a entristeces, sendo mau? Parece que ela te pergunta, ás vezes, com o olhar:
Por que és ingrato assim, Julinho?
Oh! Tu não sabes ainda que dor nos causa a ingratidão , meu filho...
Mas não sejas ingrato!”[101]

O livro é composto de trinta textos curtos, e, como que marcando o compasso do conjunto da leitura, por cinco vezes as crianças lerão páginas presididas por um mesmo título, “Mandamento”, os únicos que são seguidos de subtítulos que, invertendo a lógica das fábulas, condensam a moral da história antes mesmo de sua leitura. São os seguintes os mandamentos que Cecília inscreve nas tábuas da lei da leitura escolar: “I - Devo amar a Escola como se fosse meu lar”, “II – Devo amar e respeitar a professora como se fosse a minha mãe”, “III – Devo fazer dos meus colegas meus irmãos” e “IV – Devo ser verdadeiro”, “V – Devo ser dócil”.[102]
Já o livro sobre Rui Barbosa segue uma lógica distinta e é leitura para crianças um pouco mais velhas, ainda que a idade dos leitores para os quais foi escrito não esteja definida. Na verdade é uma biografia edificante, nos moldes da hagiografia que freqüentava as prateleiras das bibliotecas de classe das escolas religiosas, com a mesma intenção de formar almas pelo método da exemplaridade ética. O segredo de sua vida exemplar é o estudo e o amor que transborda dos livros para a família, da família para a pátria, e da pátria para o mundo.
Como nas vidas de santos, Rui sofre muito pela vida afora para receber a coroa da glória nos altares da pátria e, no final do livro, é canonizado como um herói. Como um predestinado, parece ser, desde a mais tenra infância, a águia de Haia em ponto pequeno: o primeiro capítulo que trata do biografado, na verdade o terceiro capítulo do livro, intitula-se “Um menino prodígio”.
Na arquitetura do livro, é possível verificar dois deslocamentos interessantes: em primeiro lugar, a Bahia – objeto dos dois primeiros capítulos – aparece como uma projeção do Brasil, não apenas porque
“Olhando-se no mapa , é como um Brasil pequenino: miniatura do Brasil.”[103]

mas também porque é apresentada como sua origem:
“(...) era a mais antiga terra do Brasil,! A primeira a ser avistada pelos descobridores...” [104]

Em segundo lugar, Rui aparece como uma projeção – em escala superlativa - do brasileiro ideal, o que, presente de forma implícita na totalidade do livro, se revela com uma clareza meridiana, pois se quisermos encontrar hoje o herói, devemos seguir os passos “do menino que estuda sozinho”, “do adolescente que medita sobre a perfeição do homem, a salvação do mundo, a caridade e o amor”, “no moço grave e discreto que acredita na Justiça, na Liberdade e na Lei”, “no homem que se disponha a trabalhar noite e dia para ajudar a construir uma Pátria digna e grandiosa, onde o Direito proteja a todos, e a Ignorância e a Opressão sejam palavras desconhecidas”[105]
Também nos outros livros a conotação moralizante está presente. É fácil encontrá-la na constante oposição entre o bom e o mau, no tom normativo e no elogio da moderação da Festa das Letras

Ninguém com de menos
Nem trabalhe de mais
Tenha Nervos serenos
Seja simples como o N
Das coisas Naturais!”[106]

É possível descobrí-la no desfecho do auto de Natal escrito para teatro de fantoches, um final feliz em que o próprio menino Jesus passa por cima da autoridade do porteiro e vai ao encontro do Menino atrasado, barrado na festa do presépio porque não trazia nenhum presente e chegava fora de hora, porque reconhece a bondade no coração puro do menino pobre, ouve no chamado do menino a voz do amigo e do irmão que busca um companheiro para suas brincadeiras, e vai a seu encalço:

“Quem foi que chamou por mim?
Ouvi, levantei-me e vim.
Quem disse que me quer bem?
Eu lhe quererei também
Quem quer ser o meu irmão?
Estenda-me a sua mão.”[107]

Também na família, ampliada e exemplar, de Rute e Alberto está presente o tom moralizante: pai trabalhador, mãe compreensiva, crianças ávidas de saber e bem comportadas, tio que sabe ensinar valores e conhecimentos enquanto, nas férias de verão, passeia pela cidade do Rio de Janeiro com os meninos, empregadas solícitas que aprendem com a família e contam histórias nas que, por sua vez, também os meninos aprendem. Mesmo no último dos livros de Cecília para crianças, aquele em que sua exímia arte da palavra é mais evidente e onde a fantasia conduz o jogo dos fonemas, não falta uma “palmada bem dada” na menina manhosa que parece não ter aprendido a lição da Festa das Letras:

“É a menina manhosa
que não gosta da rosa,
que não quer a borboleta
porque é amarela e preta,
que não quer maçã nem pêra
porque tem gosto de cera,
que não toma leite,
porque lhe parece azeite,
que mingau não toma,
porque é mesmo goma,
que não almoça nem janta
porque cansa a garganta,
que tem medo do gato,
e também do rato,
e também do cão
e também do ladrão,
que não calça meia
porque dentro tem areia,
que não toma banho frio
porque sente arrepio,
que não toma banho quente
porque calor sente,
que a unha não corta,
porque sempre fica torta,
que não escova os dentes,
porque ficam dormentes,
que não quer dormir cedo,
porque sente imenso medo;
que também tarde não dorme,
porque sente um medo enorme,
que não quer festa nem beijo
nem doce nem queijo...
Ó menina levada,
Quer uma palmada?
Uma palmada bem dada
Para quem não quer nada!”[108]
 

Em resumo: é um moralismo maniqueísta, disciplinador e normativo o que se apresenta nos livros de Cecília para crianças. Neles “os bons meninos” vão encontrar reforçadas as hierarquias básicas presentes na sociedade através de sua reafirmação no âmbito familiar e na escola. E se é verdade que Cecília afirma o lugar dos pobres e o valor do respeito à pobreza, também é certo que, em seus livros, os pobres e os excluídos não se movem de seu lugar de subordinação. É assim com os sonhos de futuro dos meninos de Criança meu amor, em que Oswaldo pretende ser médico como seu pai, enquanto Adosinda,
“que é uma pobre menina, ficaria contente se, depois de moça pudesse coser bem.” , e
“Antônio, um pretinho muito engraçado, queria ser cocheiro.”[109]
O mesmo ocorre com a multidão de pobres, escravos e desvalidos que Rui Barbosa protege e cuida ao longo da vida, e com Georgina e Maria da Glória, as empregadas da casa de Rute e Alberto, aparentemente incluídas na família e tratadas com carinho, mas que convivem com tranqüilidade com os gracejos do menino a respeito do fato de serem negras[110]. A primeira dá prova cabal de sua subordinação quando Alberto, encantado com os armários embutidos encontrados em todos os quartos do apartamento alugado em Copacabana para as férias, entra na cozinha e lhe pergunta se também tem um armário, ao que Georgina responde:
“ – Tenho sim; olhe aí, em baixo da pia.”
É assim, por fim, com os “roceiros”, e as “pretinhas” do auto do Menino atrasado, temerosos de que seus presentes de pobreza não sejam aceitos, e mesmo sejam objetos de troça do menino-Deus e com a anônima personagem da linda “Cantiga da babá” de Ou isto ou aquilo, poesia que provavelmente Cecília escreveu pensando em Pedrina, a babá querida de sua infância de menina orfã e para a qual dedica muitas páginas de Olhinhos de gato. Na poesia, todo o desejo da babá, condensado no “eu queria” que abre cada estrofe, se volta para “pentear”, “calçar” e “dar asinhas de arame e algodão” ao menino-anjo que cuida com desvelo e que dela troça.
A leitura dos livros infantis de Cecília Meireles permite perguntar como “preparam as criaturas que serão os adultos do futuro”[111], para usar palavras suas na lúcida Página de Educação, trincheira de seu próprio exercício de cidadania, em que faz da defesa da Escola Nova o baluarte de seu sonho de uma sociedade igualitária e democrática. A resposta encontrada em suas páginas parece indicar que é para uma moral estritamente individual, toda feita de virtudes pessoais e não há indícios de uma moral societária e que aponte para a construção da cidadania em moldes mais consistentes e democráticos.

A dimensão moral e moralizante é uma constante que salta aos olhos em todos os livros de Cecília. Uma leitura mais atenta permite verificar que, para além de educar numa determinada perspectiva moral, todos os livros também instruem seus leitores, respondendo assim, cada um deles a seu modo, ao ideal enciclopédico e instrutivo.
No primeiro de seus livros, Criança meu amor, o aprendizado é, primeiramente, o da leitura. Nele a criança encontrará, mesmo sem que saiba disso, lições elementares sobre formas, figuras e gêneros literários: a prosa e o verso; a carta, o diálogo, a fábula e o conto; a metáfora, a metonímia, a aliteração e a honomatopéia. Aprenderá também a apreciar o livro e a leitura, pela prática que o livro possibilita e pela exortação reiterada, tanto no primeiro quanto no último texto lido.
No texto de abertura, intitulado “Criança”, aquele em que a autora se dirige diretamente à criança que a lê para dizer-lha que mesmo sem conhecê-la a ama e para ela compôs o livro. A modo dos prefácios programáticos, a autora pede:
“Dá-me um pouco do teu tesouro, oh criança!
-Como? Perguntarás.
Amando este livro que é teu, procurando entendê-lo e procurando guardá-lo na memória do teu coração, que eu beijaria de joelhos, se o pudesse beijar!...”[112]

Na “carta” que fecha o livro, e que cumpre as vezes de um posfácio, uma madrinha escreve à sua afilhada, que talvez as crianças possam reconhecer como a versão feminina do “bom menino”:
“Afilhadinha
Como sei que tens estudado muito, e que enches cada vez mais de alegria a casa de teus pais, mando-te com a minha carta uma pequena biblioteca infantil, onde a tua curiosidade encontrará muita coisa útil e interessante.
Não te recomendo ordem e cuidado com os livros de que te faço presente, porque sei que és uma menina modelo e que dobrada atenção terás pelo que o meu carinho te envia.
Desejando que sejas cada vez melhor do que tens sido, abraça-te bem sobre o coração,
A tua madrinha.”[113]

O livro real se desdobra assim na “pequena biblioteca” imaginária, prêmio, tesouro e prova de carinho, ensinando assim aos pequenos leitores algo mais sobre a leitura.
Mas o pequeno primeiro livro de leitura encerra ainda outras lições além daquela da leitura: rudimentos de conhecimento sobre o tempo (passado, presente e futuro; horas do dia e estações do ano; idades da vida; tempo de trabalho e tempo de descanso; tempo de festa - Carnaval e Natal - e tempo de rotina) sobre o espaço (a casa e a rua; a escola; o jardim e o pomar; a terra e o mar) sobre higiene e saúde (asseio, boa alimentação, ordem) e sobre a vida em sociedade (a família, as profissões, a riqueza e a pobreza).
Encerra também um ensinamento sobre o emprego do tempo, síntese de lição moral, aprendizado das horas, aquisição de noções de hábitos de saúde e alimentação e aula sobre a hierarquia básica da sociedade que se apresenta cindida entre “pobrinhos” e ricos. O texto se intitula “A brincadeira do relógio”, ainda que faça o dia das crianças assemelhar-se à vida na caserna.

“Meia-noite. Uma hora. Duas...Três...
E as crianças todas estão dormindo.
Cinco...Seis...Sete...
Zequinha Pôs a cabeça fora do lençol...
E Manuel e Antonio, e aquela lourinha, e Célia, e os outros de que não sei o nome...
Oito horas. E as crianças todas estão bebendo o seu café com leite, ou o seu café sem leite, se são pobrinhas...
Nove horas... Dez... E as crianças todas jé estudaram as suas lições: a Elisa, o Eduardo, a Marina...
Onze horas. E as crianças todas estão almoçãndo.
Meio-dia, As crianças todas vão para a escola.
Uma, duas, três horas...
E as crianças todas estão trabalhando nas classes...
Cinco... Lá se vão todas as crianças...
Seis horas... Sete...
E as crianças estão jantando: o Luís, a Vera, o Plínio...
Oito horas, nove... As crianças brincam...
Dez horas... E as crianças todas adormecem...
Onze horas... Meia-noite. Uma hora.
E as crianças estão quase acordando outra vez...”[114]

Em A Festa das Letras a lição é outra. Espécie de cartilha em versos curtos e livres, segundo o modelo formal das enciclopédias e dicionários segue a pauta do alfabeto para ensinar hábitos alimentares e de higiene[115], listar alimentos de todo tipo – incluídas algumas frutas insólitas como cambucá, grumixama e guabiraba - , instruir sobre práticas saudáveis, esclarecer sobre o funcionamento do aparelho digestivo. Aplamente ilustrado por João Fahrion, o livro foi escrito para compor uma série didática e como parte de uma campanha nacional capitaneada por Josué de Castro, médico e grande autoridade em questões relativas à alimentação, co-autor do livro.
O livro Rute e Alberto resolveram ser turistas é um livro didático de uma disciplina específica: as ciências sociais. As crianças podem lê-lo como um “livro de histórias” e não perceberão, ao seguir as aventuras dos dois irmãos, o que salta ao olhos do leitor adulto: o conteúdo programático claramente identificável: noções de tempo e de espaço mais sistematizadas e complexas que nos livros escritos para crianças menores (semana, mês, ano, ano bissexto, estações do ano; pontos cardeais, orientação na cidade e no campo, meios de transporte, representações do espaço), o planeta tera (esfericidade, movimentos de rotação e translação, a linha do equador, polo Norte e polo Sul, hemisférios), acidentes geográficos, o Brasil (extensão e riquezas, diversidade regional, atividades econômicas) e a História do Brasil (descobrimento do Brasil, fundação da cidade do Rio de Janeiro, período colonial, a vinda da corte portuguesa, monarquia e república).
Mas o livro ensina também algumas coisas surpreendentes.
Em primeiro lugar, todo o aprendizado se dá fora da escola e nas férias, e o grande pedagogo não é um professor, mas o tio Alberto. Mais ainda: o método de aprendizagem supõe sempre a participação ativa das crianças: responde à sua curiosidade, implica em ação (as crianças fazem maquetes, exploram os monumentos como documentos, localizam na cidade a cidade colonial, descobrem nos lugares que sempre visitaram um sentido novo a partir do conhecimento que vão adquirindo.
Em segundo lugar, se o tio Alberto dar todas as informações solicitadas pelos sobrinhos com detalhes e precisão assombrosos, não é só de sua erudição que os meninos aprendem coisas interessantes. Georgina, a cozinheira, também tem a sua sabedoria, e dela os meninos aprendem sobre festejos, cantigas, histórias fantásticas, lendas, provérbios e crenças da tradição popular. Conforma-se assim um duplo aprendizado, o do conhecimento letrado e o da sabedoria popular.
Em terceiro lugar, uma lição verdadeiramente inesperada, sobretudo se pensarmos que o livro foi publicado no Rio Grande do Sul: o “turismo” que resolvem fazer, que os leva a descobrir o Brasil e a descobrir-se como brasileiros é feito na cidade do Rio de Janeiro, e não através do Brasil.
Ao contrário de André e Julien, os dois meninos de Le tour de la France par deux enfants, que, órfãos de pai, cruzam clandestinamente a fronteira alemã e circulam pela França inteira numa aventura rocambolesca em busca da mãe e de um tio, Rute e Alberto, sem nenhum sobressalto ou desgraça familiar, aprendem o Brasil ao percorrer alguns pontos da zona sul da cidade-capital.
Enquanto os meninos franceses, segundo Jacques e Mona Ouzouf, procedem a “uma apropriação do território francês”[116] referida à construção da unidade nacional da França, neles mesmos e através de duas operações: o percurso no espaço físico do país e a aprendizagem que o ato de percorrer possibilita, uma vez que “percorrer [...] é evidentemente unir”[117], os dois irmãos empreendem um descobrimento do Brasil percorrendo fisicamente apenas alguns pontos da cidade que metonimiza o país e percorrendo, mentalmente, o tempo da História do Brasil, que é um contínuo do descobrimento aos nossos dias, é obra de heróis individuais sempre ligados ao Estado e se torna cognoscível através de documentos (a carta de Caminha) e monumentos (o aqueduto da Lapa, o monumento comemorativo do quarto centenário do descobrimento do Brasil no Jardim da Glória, o Jardim Botânico, o túmulo de Estácio de Sá).
O percurso de Rute e Alberto é muito distinto daquele feito por André e Julien, mas não deixa de permitir também uma união: aquela da nacionalidade considerada como um dado que se recebe das mãos dos heróis da pátria e dos governantes do Estado. O aprendizado que fazem será também distinto. Ainda que se movam fisicamente, não pelo país mas pela cidade do Rio de Janeiro que o representa e sintetiza, o aprendizado do que seja o Brasil pelas duas crianças brasileiras é sobretudo intelectual, e é pelo intelecto que comove seus corações enquanto seus corpos se movem pela cidade. No caso dos meninos franceses, o aprendizado é pela experiência de um constante deslocamento físico que a aprendizagem intelectual se opera, e é essa experiência que faz que em seus corações o drama pessoal abra espaço para um sentimento novo: o da França como uma nação construída por todos e tão viva no coração de cada um que “o nome da mãe, balbuciado pelo pai ao morrer, último desejo e palavra final é França”[118]
Algumas das lições de Rute e Alberto encontram seu desdobramento no auto de Natal O menino atrasado: aquelas que a cozinheira Georgina, iletrada professora das tradições imemoriais do povo que nela ecoavam, transmitia sem método, sem conteúdo programático e sem consciência de que ensinava algo. Para Cecília Meireles, é nas formas, nos temas e nos ritmos do folclore que essa sabedoria se condensa. O menino atrasado e – supõe-se - A nau catarineta[119] permitem que as crianças que os leram ou as que assistiram à sua encenação como peça de fantoches nas escolas a saboreiem e com ela aprendam.
Em ambos, a forma do texto – um auto -, os temas específicos, e o fato de estarem destinadas ao teatro de marionetes e fantoches já se constituem em formas de aprendizado.
Na “nota” que precede o texto do auto de Natal em sua Segunda edição, consta a alusão a sua freqüente encenação “em vários estabelecimentos de ensino”, assim como o esclarecimento que
“A autora classificou o Auto de ‘Peça para marionetes e fantoches, sobre motivos tradicionais brasileiros” [120]

Musicado por Luis Cosme, os trechos de benditos cantados pelos sertões do país, as cirandas, os fragmentos de folias de reis, bumba meu boi e de reisados, põem as crianças em contato com esses ritmos e folguedos. Os personagens são personagens encontrados no folclore brasileiro com assiduidade: o violeiro, as pastorinhas, as ciganas, a baiana, o roceiro e até o boi barroso. E o auto menciona objetos (jacá, cancela), instrumentos musicais (viola, pandero, gaita) comidas (melado, rapadura, cocada, cuscuz, bolo de milho, quindim, bombocado, pé de moleque e até agardente) e brincadeiras (papagaio, pião, gude e amarelinha) brasileiríssimos e tradicionais.
É interessante assinalar que o texto de João Cabral de Melo Netto, Morte e Vida Severina recolhe dos cantos populares alguns trechos que coincidem com aqueles recolhidos por Cecília, como é o caso do estribilho
“Todo o céu e a terra
Vos cantam louvor,”[121]

O mesmo ocorre como alguns elementos dos autos populares de Natal recolhidos pelos dois autores, como o da entrada de homens e mulheres do povo que apresentam ao menino Deus os presentes de sua pobreza, e a voz de profecia das ciganas. É impossível não reconhecer que os dois autores beberam da mesma fonte da tradição popular ao lermos no Auto de Cecília trechos como os que se seguem:

“Trago um queijo
no jacá.
o menino comerá?

Eu trago melado,
porém essa gente
não ficará rindo
desse meu presente?”[122]


ou então

“Nós somos ciganas,
E lemos a sorte
Nasceu um menino
Que manda na morte

Longe num presépio
Nasceu um menino,
Nós três já sabemos
Qual é seu destino!”[123]

O menino atrasado ensina basicamente duas coisas: a primeira é a riqueza e a beleza do folclore e daquilo que Cecília chamou de “os motivos tradicionais brasileiros”. A Segunda é sua perfeita sintonia e harmonização com a tradição universal, no caso representada pelo presépio e o relato bíblico do nascimento de Cristo.
Em Rui, pequena História de uma grande vida é possível encontrar novos desdobramentos das lições de Rute e Alberto, que nesse livro se complementam e se explicitam por um viés diferente. Em suas páginas é possível conhecer o Brasil, assim como distintos países da América do Sul e da Europa - ampliando assim o conhecimento do espaço geográfico - através dos passos do herói, assim como também é possível conhecer a História do Brasil ao perceber como ela atravessa a vida individual de Rui Barbosa, artífice ele mesmo dessa mesma História porque assume um protagonismo individual apoiado em dois alicerces inabaláveis: a virtude pessoal e o estudo constante.
No livro as crianças aprendem ainda a lição de que os grandes homens, se por um lado constituem-se em glória e coroa da pátria e por ela tudo sacrificam, são tão maiores quanto mais seus corações, seus interesses e sua ação se abrirem para o universal, e seu horizonte for o mundo inteiro.
Por fim em Ou Isto ou Aquilo, escrito em momento tão distante e tão distinto de seus quatro primeiros livros infantis , Cecília escreve, brincando e ensinando a brincar com as palavras, de forma a que cada uma das poesias possibilite o domínio de um determinado fonema, como em “Bolhas”:

“Olha a bolha d’água
no galho!
Olha o orvalho!

Olha a bolha de vinho
Na rolha!
Olha a bolha!

Olha a bolha na mão
que trabalha!

Olha a bolha de sabão
na ponta da palha:
brilha, espelha
e se espalha.
Olha a bolha!

Olha a bolha
Que molha
A mão do menino.

A bolha da chuva da calha!”[124]

Algumas das antigas lições contidas nos outros livros são repassadas, e o método de elaboração de A festa das letras parece reaparecer nos versos de “O Passarinho no sapé”[125] Mas o que seus pequenos leitores aprenderão de fato ao lê-lo, é poesia.
Porque, se em todos os livros de Cecília é possível encontrar a dimensão educativa em seu caráter moralizante e em sua dimensão instrutiva, todos educam também porque são escritos segundo o modelo das leituras literárias, ou seja, daqueles que eram escritos para iniciar os pequenos leitores na chamada boa literatura e educar seu gosto estético.
Em primeiro lugar, era a assinatura de Cecília a que dava o aval literário a essa produção. Quando publica seu primeiro livro infantil em 1925, já havia publicado três livros de poesia que mereceram críticas elogiosas e, sobretudo, já participava dos acesos debates literários acerca do moderno no Brasil através da revista Festa. Todos os demais foram obra de poeta premiada pela Academia Brasileira de Letras e consagrada pela crítica .
Escrever e publicar para crianças, fazer livros para a escola, ter seus livros adotados na rede pública de ensino, participar da campanha nacional pela alimentação chefiada por Josué de Castro escrevendo para os menores leitores do país eram modos de concretizar alguns de seus sonhos[126] mais obstinados.
É ela mesma quem o afirma:
“Um livro de literatura infantil é, antes de mais nada, uma obra literária.” [127]
E deve ser escrito por
“alguém que sabe usar as palavras com maestria, pela vasta experiência de uma longa carreira literária”[128]
Não é de estranhar que na prosa de seus livros infantis a evidência do manejo magistral da palavra seja menos evidente que na poesia que escreve para crianças, desde a “Ciranda”, a “Cantilena”, a “Cantiga” e a “Canção dos tamanquinhos” publicados em 1925 até a musicalidade do virtuosismo linguístico de seu último livro publicado em vida, Ou isto ou aquilo. É a poesia a sua linguagem.

4. Com o lastro da tradição.

Marinheiro de regresso

com seu barco posto a fundo,
às vezes quase me esqueço
que foi verdade esse mundo.
(ou talvez fosse mentira...)
Cecília Meireles: Desejo de regresso
IN: Mar Absoluto. Poesia Completa. P. 282.

A busca da identidade do Brasil e do brasileiro, tão presente nas indagações e na produção dos que, pertencentes a diferentes linhagens intelectuais e grupos, afirmavam seu desejo de serem modernos a partir da década de 20, também norteou as preocupações de Cecília Meireles.
Desde muito cedo, é possível identificar sua preocupação em registrar, anotar, desenhar, comentar e incorporar em sua poesia como em todos os outros gêneros a que se dedicou aspectos e formas da tradição cultural popular, na certeza de que nelas estava a “alma”[129] do povo, aquilo que, por um lado, permitia encontrar o Brasil e, por outro, soldar essa identidade com o universal, já que os temas, as formas, os ritmos, tudo o que era criação do povo enfim, permitia identificar aquilo que ela considerava o âmago do humano, constante, em sua essência, no tempo e no espaço.
Também para Cecília o Brasil estava por ser descoberto, e, por seu gigantismo, pela complexidade de sua formação e pelo emaranhado cultural que considerava sua característica principal, esse descobrimento estava longe de ser tarefa trivial.
“bem sabemos como o Brasil é grande e como são intrincados ainda os seus caminhos.”[130]

Foi no folclore, tal como entendido e valorizado no seu tempo, que Cecília pretendeu encontrar o fio de Ariadne que a conduzisse pelo labirinto gigante dos caminhos intrincados do Brasil, para assim realizar um duplo descobrimento: o do Brasil e o da manifestação, na feição particular desse país e de sua cultura, daquilo que chamava de universal.
Entre 1926 e 1934 seu interesse pelos estudos de folclore levam-na a um tipo de produção bastante distinta daquela que tem na palavra a sua matéria prima principal: são dessa época seus desenhos que tentam captar gestos e ritmos de matriz africana no Rio de Janeiro, uma série de mais de 100 aquarelas e nanquins tendo como temas baianas, entidades do candomblé, cordões carnavalescos, sambistas e instrumentos musicais que leva consigo a Lisboa em 34 quando, a convite do Governo Português, visita o país e faz conferências em Lisboa e Coimbra.[131]
Na série de crônicas que escreveu para A Manhã, o tema do folclore é uma constante, em especial na longa série intitulada “Infância e folclore” que, iniciada em 2 de fevereiro de 1942 e compreendendo boa parte de seus textos desse ano para o jornal, continuará, com menos freqüência, é verdade, a ser publicada em 43 e 44. Muitas dessas crônicas se constituem num inventário, cuidadoso e detalhista, de adivinhações, de provérbios, de cantigas de roda, de aspectos do folclore brasileiro e de outros países, destacando a relação entre tradições por vezes provenientes de lugares e culturas muito distintas: é a recorrência que, com paciência de colecionadora, Cecília parece querer por em evidência, na medida em que as coincidências e variações em torno aos mesmos temas sustentam, na sua perspectiva, o argumento das tradições locais, regionais e nacionais como caudatárias da grande Tradição que ela vê como manifestação do humano universal.
No pós guerra o Brasil responde às diretrizes da UNESCO no sentido do incentivo aos estudos e atividades ligados à valorização do folclore através da criação da Comissão Nacional do Folclore criada em 1947 como uma das comissões temáticas do Instituto Brasileiro de Educação e Cultura, subordinada ao Ministério das Relações Exteriores. A C.N.F. terá a dupla função. Internamente era seu objetivo coordenar o assim chamado Movimento Folclórico favorecendo e incentivando eventos, publicações e iniciativas que deveriam se multiplicar por todo o país, mobilizando a opinião pública e buscando delimitar, no Brasil o folclore como campo intelectual. Externamente a C.N.F. representava o Brasil junto à UNESCO para assuntos de folclore.[132]
Não é de estranhar que já em 1947 Cecília fosse convidada a integrar a recem-criada Comissão Nacional de Folclore[133]., e participasse ativamente do Movimento Folclórico, tendo inclusive secretariado o I Congresso Brasileiro de Folclore do qual Renato Almeida foi o presidente. [134]
A partir de 47 o tema da cultura popular, sempre associado ao da identidade nacional, assume relevância nos meios intelectuais, e, sobretudo, entre os estudiosos do folclore. Segundo Luís Rodolfo Vilhena,
“(...) a análise do desenvolvimento dessa área de estudos durante o período em que alcançou maior prestígio e maior publicidade, nos levará também a acompanhar o engajamento de um expressivo contingente de intelectuais na valorização da cultura popular, concebida por eles não apenas como um objeto de pesquisa, mas principalmente como lastro para a definição de nossa identidade nacional”[135].

Já amplamente reconhecida por seus estudos e atividades relacionadas ao folclore, Cecília é convidada por Rodrigo Melo Franco de Andrade para participar do grupo que, sob sua coordenação, escreveria uma História das Artes Plásticas no Brasil em vários volumes. Em 1952 publica, no âmbito dessa iniciativa, o livro As artes plásticas no Brasil. Artes Populares[136], que terminaria por ser o único livro da coleção publicado. Desdobramento e síntese de alguns de seus estudos sobre folclore brasileiro, nele analisa manifestações as mais variadas da cultura popular, dos ex-votos às colchas e bordados, do Carnaval como festa síntese da cultura popular aos brinquedos esculpidos, da “sitoplástica”[137] – esculturas comestíveis – aos “postais amatórios”[138] e sintetiza seu pensamento sobre a arte popular como uma “linguagem cifrada”, condensação da tradição e memória viva de um povo e elemento essencial de sua identidade nacional:
“A arte popular manifesta a sensibilidade geral dos que a praticam, por uma seleção de motivos que são uma espécie de linguagem cifrada. Por trás desses elementos, aparentemente simples, - aparentemente desconexos, muitas vezes, ao observador desavisado, - estão as infinitas e variadíssimas experiências, realizadas por muitas gerações.”[139]

ou ainda:

“A arte popular, em termos modestos, com os recursos mais moderados, resume os grandes trabalhos humanos, — é a História em ponto pequeno, é a vida em reminiscência”.[140]

É portanto o recurso a essa “linguagem cifrada”, a referência à “vida em reminiscência” , a valorização do que vê como capacidade de tradução da “sensibilidade geral” , o significado desse dom de remeter, a partir de “elementos aparentemente simples” não só ao nacional mas “a variadíssimas experiências” que resumem “os grandes trabalhos humanos” que justificam a inclusão e a importância dada por Cecília a temas, formas e agentes da cultura popular em seus livros para crianças, que não devem perder a oportunidade de aprender as lições dessa “história em ponto pequeno” e de soldar sua vida, ainda só potencialidade, à “vida em reminiscência” de “muitas gerações”.
Para ela é fundamental o empenho em conservar e transmitir esse patrimônio, uma vez que um dos problemas que identifica no mundo e no homem moderno é, precisamente, o desenraizamento, já que esse homem
“Entrega-se à rotina utilitária, facilitada por um mundo em crise, que lhe oferece coisas agradáveis e vulgares, alheias às suas verdadeiras emoções, ao seu natural crescimento humano. Participa de experiências que não são as suas, que não são as de ninguém, que pertencem à máquina, à indústria. Vive em superfície. Pensa que seus horizontes são mais vastos. Crê nesses motivos de falso prazer. E morre de tédio, sem raízes, sem coerência, sem ressonância”. [141]

Por querer buscar ressonância, coerência e raizes – na contramão do encantamento com a máquina impessoal e a indústria uniformizadora – Vai buscar em suas memórias de menina o que aprendeu dos pregões dos ambulantes; das histórias açorianas contadas pela avó; das rezas de Maria Maruca, a cozinheira; do som dos “tambores que batiam um ritmo certo. E incansável”[142] e das “estranhas coisas” que, em certas manhãs, apareciam na esquina; das cantigas de sua babá Pedrina; das brincadeiras das crianças da rua; coisas que ela, por sua vez, reconta à outras crianças em seus livros.
Por vezes são apenas alusões perdidas no meio do texto, como aquela ao rei da Prússia e à procissão que passa[143] ou ao gigante Luluru[144]. Outras, retira do folclore temas, música, personagens e citações com as quais tece seu texto com o desejo explícito de fazer conhecer “motivos tradicionais brasileiros” e formas artísticas universais, como nas peças para teatro de fantoches e marionetes[145]. Outras vezes faz entrar na narrativa a sabedoria popular como complemento e contraponto do conhecimento letrado, como em Rute e Alberto e na biografia de Rui. Outras ainda reforça figuras que povoam o imaginário infantil de todas as latitudes, como com a multidão de palhaços, mágicos e equilibristas que nos seus versos como nos desenhos de Fahrion povoam as páginas da Festa das Letras.
Para Cecília o folclore é a primeira das fontes vivas da tradição. A segunda é o que ela considera a grande literatura.
Seu sonho para a literatura infantil é não apenas que os escritores consagrados se dediquem a escrever para crianças, como já ficou dito, mas que as grandes obras da literatura mundial tenham versões para crianças,que se produzam antologias com textos de qualidade literária ao alcance dos leitores infantis; que se consolide o que chama de uma biblioteca clássica das crianças, com obras selecionadas pelas próprias crianças através dos tempos, e que, por gerações, encantaram seus leitores; que se busque na memorialística dos grandes escritores suas preferências de leitura; que a criança aprenda na escola o amor à leitura; que se multipliquem as bibliotecas públicas infantis[146], sonho em que empenhou talento e esforço na experiência pioneira da Biblioteca Infantil do Mourisco e que foi abafado pela intolerância e o preconceito.
Para Cecília as bibliotecas infantis são fundamentais, uma vez que o elo que unia o universo infantil à grande tradição transmitida oralmente pelos narradores de geração em geração tendia a desaparecer,

“A formação das Bibliotecas Infantis corresponde a uma necessidade do nosso tempo, visto não existirem mais amas nem avós que se interessem pela doce profissão de contar histórias”.[147]
Mas o que seria para ela a boa literatura, aquela que permite definir uma grande tradição literária, fosse ou não essa literatura destinada a um público infantil??
Por contraste, define o que não considera boa literatura para crianças, criticando com dureza justamente aquele que, seu contemporâneo, escrevia para crianças de carne e osso, e não para seres idealizados, adultos em miniatura: Monteiro Lobato.
Ao menos em duas ocasiões critica os livros do criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que, se fizermos prevalecer o argumento da própria Cecília segundo o qual um clássico infantil é um livro que as crianças escolhem como tal, tornou-se o grande clássico de gerações de leitores que descobriram através das traquinagens da Emília o prazer da leitura.
Na primeira ocasião a crítica é pública, em matéria por ela incluída na Página de Educação, que para introduzir a carta de um leitor reclamando de um descuido de Lobato na localização do rio em “O garimpeiro do Rio das Garças, a Página comenta:

“Monteiro Lobato , que produziu os livros infantis mais belos, do ponto de vista gráfico, mas lamentavelmente em desacordo com o moderno espírito de educação, apesar do seu formoso talento e da sua brilhante inteligência, incorreu também num desses desagradáveis descuidos, como nos mostra a carta abaixo,— o que, se não empana a sua reputação literária, serve ao menos de aviso prudente aos que se aventurarem ‘pelas regiões difíceis’ da boa literatura infantil.”[148]

A segunda observação em relação a Monteiro Lobato é mais contundente e muito mais reveladora, já que Cecília se auto-define como a antítese de Lobato e situa o que vale fazer – inclusive portanto publicar para crianças - a partir do tríplice critério de qualidade literária, espiritual e de requinte. A crítica é feita numa carta privada a Fernando de Azevedo:
“Recebi os livros do Lobato. Preciso saber o endereço dele para lhe agradecer diretamente. Ele é muito engraçado, escrevendo. Mas aqueles seus personagens são tudo o que há de mais malcriado e detestável no território da infância. De modo que eu penso que os seus livros podem divertir (tenho reparado que divertem mais os adultos que as crianças) mas acho que deseducam muito. É uma pena. E que lindíssimas edições! Devo confessar-lhe que uma das coisas que me estão constrangendo na elaboração deste livro é o seu próprio feitio, em relação aos demais, o seu feitio literário, espiritual, requintado. Creio que só vale a pena fazer as coisas assim. Por nenhuma fortuna do mundo eu assinaria um livro como os do Lobato, embora não deixe de os achar interessantes.”[149]
O canon do que, para Cecília, seria boa literatura é mais difícil de definir. Por um lado, há a possibilidade de considerar sua observação sobre a boa literatura infantil como um indício de que, para ela, boa literatura é aquela feita por quem escreve bem, o que seria tautológico. Por outro, a indicação de que a boa literatura são os livros que a decantação do tempo e o crivo da crítica considera como clássicos. Há sobretudo a observação sobre o espiritual e o requintado exponenciando o literário.
O que é certo é que a boa literatura infantil tem, na compreensão de Cecília uma função salvífica próxima à da escola, pela qual tanto se empenhava: a de garantir o futuro por proteger as crianças num momento de crise profunda como a que reconhecia em seu tempo:

“(...) só as boas, as grandes, as eternas leituras poderão atenuar ou corrigir o perigo a que se expõe a criança na desordem de um mundo completamente abalado, e em que os homens vacilam até nas noções a seu próprio respeito”.[150]

E, se sua militância pela Escola Nova pode parecer incoerente com sua insistência no valor da tradição, ela própria se encarrega de esclarecer a particular lógica desse paradoxo, porque para ela
“Só há duas maneiras de aprender as coisas:
ou pela tradição ou pela escola.”[151]

Para aprender com a tradição, além de recorrer ao folclore e ao que considera o patrimônio literário do país e da humanidade, Cecília parece acreditar também no valor estético e pedagógico das formas literárias tradicionais que utiliza com freqüência tanto na sua poética consagrada como nos autos que escreve para o público infantil. E recria cantigas de ninar[152] e cirandas[153] para as crianças, porque
“ (...) As cantigas de roda põe-nos todos de mãos dadas. E ao ritmo da tradição comum todos nos sentimos compreendidos mutuamente e mutuamente amados."[154]

Tradutora sensível de Ibsen, de Dickens, de Bernard Shaw, de Tagore, de Garcia Lorca, de Rilke, de Virgínia Wolf [155] e de poetas chineses do século VIII como Li Po e Tu Fu[156], Cecília procura traduzir também para as crianças, a “linguagem cifrada” da tradição, que encontra nas formas literárias tradicionais, no que entende ser a grande tradição da literatura universal e nas tradições populares,. Essa tradução permitirá ao futuro dar as mãos ao passado e ao Brasil cantar a ciranda do Universal.

5. Descobrimentos:

“E até sem barco navega
quem para o mar foi fadada.”
Cecília Meireles: Beira-mar
IN: Mar Absoluto.
Poesia Completa p. 294


A Leitura e análise dos livros escritos e publicados por Cecília Meireles para crianças permitiria situá-la na linhagem dos modernos descobridores do Brasil? Teria ela escrito para formar, pela leitura, uma geração de descobridores, capazes de inventar o novo no país?
Dificilmente seria possível responder positivamente a essas duas questões sem tomar as árvores pela floresta, ao fazer o exercício de contabilizar e glosar as vezes que utiliza a palavra “descobrimento”, seus sinônimos ou derivados na literatura infantil que escreveu ou mesmo ao tentar encontrar, num espectro mais amplo de sua produção um projeto para o Brasil. Cecília Meireles não está entre os escritores que esboçaram “um Brasil para as crianças” [157]na literatura que para elas fizeram.
Cecília participa ativamente do projeto e das lutas pela Escola Nova, do projeto de implementar o folclore como campo intelectual, e , a seu modo, do projeto de uma poética moderna, mas seu descobrimento pessoal é outro, e ao escrever sobre sua infância ela o projeta nos seus primeiros anos, quando, muito pequena ainda,
“Na cadeirinha de vime continuava a menina a olhar para a rua e a ver o mundo. (...)
Dessa cadeira, e debruçada para o mundo, foi que ela realizou o seu imenso descobrimento: (...) Sem sair do lugar andou por estranhos lugares e passou para dentro de todas as vidas.”[158]
“Todo mundo é duplo: visível e invisível.
O visível de resto, interessa muito menos” [159]

É a interioridade, são todas as vidas e é o mundo – o universal - os mares absolutos de seus descobrimentos pessoais e, pela palavra poética, procura associá-los às buscas estéticas modernas.
O que a leitura dos livros que Cecília Meireles escreveu para crianças nos permite é um outro descobrimento: o das particularidades, diferenças e contradições do moderno no Brasil que ela expressa e encarna em seu momento. E, ao descobrí-las, descobrir também as nossas próprias contradições.


[1] Este texto é produto do Projeto Integrado de Pesquisa financiado pelo CNPq e intitulado “Monteiro Lobato, Cecília Meireles e outros ‘descobrimentos do Brasil’” . Devo muito à equipe de pesquisa como um todo. Em primeiro lugar, à parceria antiga e sempre nova com Ilmar Rohloff de Mattos, que coordenou comigo a equipe de pesquisa, e com Selma Rinaldi de Mattos, que dela participou. A Alexandre Affonso de Miranda Pereira, bolsista de Aperfeiçoamento; Luciana Borgerth Vial Corrêa, bolsista de Auxílio Técnico; Renata Corrêa Tavares Barbosa, Rafael Aragón Guerra, Joana Cavalcanti de Abreu, Mirella De Santo Faria e Luiza Laranjeira da Silva Mello, bolsistas de Iniciação Científica agradeço o trabalho sério e o entusiasmo pela pesquisa que me permitem acreditar no futuro.
Na pesquisa, contei com a amizade e a generosidade intelectual de muitos colegas. Anna Chrystina Venâncio Mignot, do Departamento de Educação da UERJ, me permitiu utilizar seu próprio material de pesquisa sobre a “Página de Educação” que Cecília Meireles escreveu no Diário de Notícias; Silvia Petersen, do Departamento de História da UFRGS, não poupou esforços para localizar o livro escolar publicado por Cecília Meireles em Porto Alegre, Rute e Alberto resolvem ser turistas e Regina Zilbermann, do Departamento de Letras da PUC-RS, me enviou uma cópia desse texto e de Rui. Pequena História de uma grande vida, bem como textos seus sobre literatura infantil no Brasil. Bert Barickman, do Departamento de História da Universidade do Arizona, fez chegar às minhas mãos a edição norte-americana de Rute e Alberto. Marta Abreu Esteves, do Departamento de História da UFF, me forneceu material sobre os folcloristas brasileiros e me fez intuir o significado do trabalho de Cecília Meireles sobre folclore. Marcelo Timótheo da Costa, atualmente doutorando do Programa de História Social da Cultura da PUC-Rio, localizou textos preciosos de Alceu Amoroso Lima a respeito de Cecília Meireles. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, do Departamento de Ciências Sociais da UFRJ, fez, com toda a equipe de pesquisa, um seminário sobre o folclore como campo intelectual no Brasil e a atuação dos folcloristas contemporâneos de Cecília, e discutiu com a equipe o magnífico texto de Luiz Rodolpho Vilhena intitulado Projeto e missão. A todos agradeço não apenas o auxílio precioso, mas, sobretudo, a comprovação de que a colaboração entre pesquisadores, áreas acadêmicas e instituições de pesquisa é uma realidade grata e mais forte do que as dificuldades que o presente parece criar a cada dia para as Universidades e os pesquisadores do país.
[2] Anita Malfati morreu em 6 de novembro de 1964, aos 68 anos e Cecília Meireles em 9 de novembro desse mesmo ano, dois dias após ter completado os 63 anos.
[3] Alceu Amoroso LIMA: “Cecília e Anita”. IN: Companheiros de viagem. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1971. Pp. 230 a 232. Devo a íntegra dessa crônica a Marcelo Thimótheo da Costa.
[4] Cfr. Antonio Carlos VILLAçA: O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1971. P. 73.
[5] Cfr. Alceu Amoroso LIMA: Memórias Improvisadas. Petrópolis, Vozes, 1973. P. 223 e Yolanda Lima LOBO: “Memória e Educação: O Espírito Victorioso de Cecília Meireles.” IN: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, setembro – dezembro de 1996. Vol. 77. Nº 187. Pp. 532 e 533.
[6] Cfr. , a respeito do permanente mal-estar entre ambos, o comentário de Alceu em Memórias Improvisadas: “O resultado do concurso, com a vitória de Clóvis Monteiro, com mínima diferença de pontos sobre cinco ou seis concorrentes, inclusive Cecília Meireles, me valeu a inimizade desta até morrer.” Op. Cit. P. 223.

[7] Cfr. Norma Seltzer GOLDSTEIN e Rita de Cássia BARBOSA: Cecília Meireles. Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico e exercícios. São Paulo, Abril Educação, 1982.
[8] Cecília dirigiu entre 1930 e 1933 uma página diária no Diário de Notícias dedicada a assuntos ligados à educação, sendo pessoalmente a redatora da coluna “Comentário” no interior da “Página de Educação”. Sobre essa atividade jornalística de Cecília, cfr. Valéria LAMEGO: A farpa na lira. Cecília Meireles na revolução de 30. Rio de Janeiro/Sâo Paulo, Editora Record, 1996.
[9] Cecília MEIRELES: “Comentário”. IN: “Página de Educação”. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1930. P. 5.
[10] Alceu Amoroso LIMA: “Absolutismo pedagógico”. IN: O Jornal. Rio de Janeiro, 23 de março de 1932. APUD Valéria LAMEGO: Op. Cit. P. 104.
[11] Manuel BANDEIRA: “Cecília Meireles”. IN: Diário de Notícias, Rio de Janeiro, 15 de Novembro de 1964. Apud: Cecília MEIRELES: Poesia Completa. Rio de Janeiro, Aguilar, 1994. P.71.
[12] Cfr. Yolanda Lima LOBO: “Memória e Educação: O Espírito Victorioso de Cecília Meireles.” IN: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, setembro – dezembro de 1996. Vol. 77. Nº 187. Pp. 532 e 533.
[13] Alceu Amoroso LIMA . Op. Cit. 1971. P. 230.
[14] Idem. Ibidem. P. 232.
[15] Idem. Ibidem. P. 231.
[16] Idem. Ibidem. P. 231.
[17] Idem. Ibidem. P. 231.
[18] Idem. Ibidem. P. 232.
[19] A imagem praticamente exclusiva de “sílfide da imponderabilidade poética” foi recentemente relativizada, sobretudo, pela dissertação de mestrado de Valéria Lamego publicada em livro em 1996 e pela série de teses da área de educação sobre o grupo dos pioneiros da educação brasileira entre as que se destacam as de Marta Chagas de Carvalho, Zaia Brandão, Clarice Nunes, Anna Waleska Polo de Mendonça, Carlos Monarca, Marcos Vinicius da Cunha e Anna Chystina Venâncio Mignot. A obra em prosa de Cecília, organizada por Leodegário A de Azevedo Filho e da qual a Nova Fronteira publicou dois dos vinte e três tomos previstos em 1998, certamente permitirá estudos mais aprofundados sobre a personalidade intelectual múltifacética de Cecília.
[20] Cfr., em especial, duas entrevistas dadas à Revista Manchete (5 de outubro de 1953 e 16 de outubro de 64), a entrevista dada a Revista Ler (Lisboa, junho de 1952, nº 3, a entrevista concedida a Haroldo Maranhão e publicada na Folha do Norte (Belém do Pará, 10 de abril de 1949) e o perfil de Cecília publicado por João Condé na sessão que mantinha na revista O Cruzeiro com o título de Arquivos Implacáveis (31 de dezembro de 1955)
[21] Entre os primeiros, cfr. em especial o texto Olhinhos de Gato, primeiramente publicado por capítulos na revista Ocidente (Lisboa, 1939 - 1940), publicado em livro pela Editora Moderna (São Paulo, 1980) e atualmente em sua 12ª edição, surpreendentemente classificado e utilizado nas escolas como literatura infanto-juvenil. Entre os segundos, cfr. sobretudo a série de crônicas publicadas no jornal A Manhã entre 1936 e 1938 e entre 1942 e 1945.
[22] Alceu Amoroso LIMA . Op. Cit. 1971. P. 231.
[23] Idem. Ibidem. P. 231.
[24] Cfr. a afirmação de Alceu em Memórias Improvisadas, na nota 6 deste trabalho.
[25] Cfr., sobretudo, Carlos DRUMOND DE ANDRADE: “Cecília” IN Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1964; Walmir AYALA: “Cecília Meireles: perfil da morte, severo e obstinado”. IN: Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 14 de Novembro de 1964; Manuel BANDEIRA: “”Cecília Meireles” IN Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 15 de Novembro de 1964; Geir CAMPOS: “Meu encontro com Cecília”. IN Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1964; Jorge de SENA: “Cecília Meireles e os puros espíritos”. IN: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 26 de Novembro de 1964; Gustavo CORÇÃO: “Homenagem a Cecília Meireles”. IN: O Estado de São Paulo. São Paulo, 14 de Novembro de 1964; Herman LIMA: “As gaivotas, o mar...”. IN: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 15 de Novembro de 1964; MIRANDA NETO: “Cecília Meirelles”. IN: Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 15 de Novembro de 1964; Augusto Frederico SCHIMIDT: “A grande Cecília”. IN: O Globo. Rio de Janeiro, 12 de Novembro de 1964.
[26] Carta de Cecília Meireles a Mário de Andrade, datada de 30 de setembro de 1935. IN: Cecília MEIRELES: Cecília e Mário. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1996. P. 289.
[27] Cecília MEIRELES: Mar Absoluto. IN: Poesia Completa. Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1994. P. 291.
[28] Carta de Mário de Andrade a Cecília Meireles, datada de 18 de março de 1943. . IN: Cecília MEIRELES: Op. Cit., 1996. P. 308.
[29] Cecília MEIRELES: “Elegia a Mario de Andrade” IN: A Manhã. Rio de Janeiro, 28 de Fevereiro de 1945.
[30] Cecília MEIRELES: “Introdução” [à antologia de poesias de Mário de Andrade, obra preparada por Cecília em 1960 e publicada apenas em 1994] IN: Cecília MEIRELES: Op. Cit. (1994) . Pp. 21 e 22.
[31] Carta de Cecília Meireles a Mário de Andrade, datada de 15 de março de 1943. IN: Cecília MEIRELES: Op. Cit. (1996) p. 307.
[32] Cecília MEIRELES: “O Bariloche”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1943. A crônica está reproduzida no primeiro volume das Crônicas de viagem da Obra em Prosa de Cecília que a Nova Fronteira vem publicando. (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1998. Pp. 63 a 68)
[33] Com efeito, é quase surpreendente verificar que Cecília viajou com assiduidade, em particular a partir da década de 40, não apenas por paises latino-americanos, em especial em suas visitas á Argentina, Uruguai e Chile; pelos Estados Unidos e pelo México; por Portugal, país a que estava profundamente ligada através de laços afetivos e intelectuais e por outros paises europeus, em especial a Holanda, e a França, mas também aventurou-se por paragens mais distantes, em especial a Israel e à Índia, com cuja cultura e espiritualidade identificava-se profundamente.
[34] A expressão é de Walmir AYALA na “Introdução à 4ª edição revista e ampliada da Poesia Completa de Cecília Meireles. (cfr. Cecília MEIRELES: Op. Cit., 1994. P. 16)
[35] MENOTI DEL PICCHIA: “Vaga Música”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro, 1 de Agosto de 1942. APUD “Fortuna Crítica” IN: Cecília MEIRELES: Op. Cit. 1994. P. 60.
[36] Carta de Cecília Meireles a Mário de Andrade, datada de 21 de março de 1943. IN: Cecília MEIRELES: Op. Cit. (1996) p. 294.
[37] O principal escrito memorialístico de Cecília Meireles estão reunidos em Olhinhos de gato, primeiramente publicado, por capítulos, na revista portuguesa Ocidente entre 1939 e 1940 e reunido em livro pela Editora Moderna depois da morte da autora. Cfr. Cecília MEIRELES: Olhinhos de gato. São Paulo, Editora Moderna, s.d. (12ª edição)
[38] Cecília MEIRELES: Op. Cit. S.d. p. 87.
[39] A respeito da representação do livro como refúgio e cidadela, ver por exemplo, o belo livro do argentino naturalizado canadense Aberto MANGUEL: Uma história da leitura. São Paulo, Companhia das letras, 1997, onde é possível encontrar, num plano narrativo muito distinto àquele utilizado por Cecília na passagem citada, observações análogas às da autora brasileira: “Eu queria viver entre livros. (. ..) Cada livro era um mundo em si mesmo e nele eu me refugiava.” Pp. 28 e 24.
[40] Cecília MEIRELES: Idem. Ibidem. P. 106.
[41] Idem. Ibide. P. 112.
[42] Idem. Ibidem. P. 123.
[43] Fagundes de MENEZES: “Silêncio e solidão. Dois fatores positivos na vida da poetisa. ” Revista Manchete. Rio de Janeiro, 3 de Outubro de 1953. P. 49.
[44] João CONDÈ: “Arquivos Implacáveis”. IN: O Cruzeiro. Rio de Janeiro, 31 de Dezembro de 1955.
[45] Ilmar Rohloff de MATTOS e Margarida de Souza NEVES: Cecília Meireles, Monteiro Lobato e outros descobrimentos do Brasil. Rio de Janeiro, PUC-Rio / CNPq, 1996. (Projeto Integrado de Pesquisa mimeo). P. 6.
[46] Cecília MEIRELES: Problemas da Literatura Infantil. São Paulo/Brasília, Summuus/INL, 1979. (3a edição.). P. 28
[47] Cecília MEIRELLES: Criança meu amor. Rio de Janeiro, Anuário do Brasil, 1924.
[48] Walter BENJAMIN: “Velhos livros infantis” IN: Reflexões: A criança. O brinquedo. A educação. São Paulo, Summus Editorial, 1984. (2ª edição). Pp. 47 a 53.
[49] Cecília MEIRELLES: Ou Isto ou aquilo. Rio de Janeiro, Giroflá, 1964.
[50] Cecília MEIRELES e Josué de CASTRO: A Festa das Letras. Porto Alegre, Edições Globo, 1937.
[51] Cecília MEIRELES: Rute e Alberto resolveram ser turistas. Porto Alegre, Livraria do Globo, 1938.
[52] Trata-se, conforme informação que consta da Poesia Completa da Editora Aguilar (Op. Cit. p. 95) de uma peça folclórica para teatro de marionetes que não foi localizada nos acervos pesquisados. Suponho que estará disponível no acervo pessoal da autora, ainda não aberto ao público.
[53] Cecília MEIRELES: O menino atrasado. Auto de Natal. Rio de Janeiro, Livros de Portugal, 1966.
[54] Cecília MEIRELES: Rui. Pequena história de uma grande vida. Rio de Janeiro, Livros de Portugal, 1949.
[55] Cecília MEIRELES: Escolha o seu sonho. Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1969 (3ª edição)
[56] Cecília MEIRELES: A janela mágica. São Paulo, Editora Moderna, 1983. (16ª edição).
[57] Cecília MEIRELES: Ilusões do mundo. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982. (6ª edição)
[58] Cecília MEIRELES: O que se diz e o que se entende. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980. (2ª edição)
[59] Cecília MEIRELES: Giroflê. Giroflá. São Paulo, Editora Moderna, 1981. (7ª edição).
[60] Cecília MEIRELES, Op. Cit. (1983). Existe uma tradução do livro para o espanhol, feita por Roberto Romero Escalada, e publicada com o título Ojitos de gato. Buenos Aires, Centro de Estudos Brasileiros, 1981.
[61] O inventário dos livros infantis e infanto-juvenis escritos por Cecília Meireles ou utilizados como literatura para crianças, talvez um pouco longo, justifica-se porque em nenhuma das bibliografias das obras de Cecília Meireles consultadas esse conjunto de escritos foi encontrado em sua totalidade.
[62] Apenas os livros publicados por Cecília para crianças são objeto de análise nesse trabalho, e não aqueles hoje utilizados nas escolas, mas que não foram escritos pela autora com esse fim.
[63] Cecília MEIRELES: “La Maternelle”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro, 01 de Setembro de 1943.
[64] Eliane ZAGURY: Cecília Meireles: notícia biográfica, estudo crítico, antologia, bibliografia, discografia, partituras. Petrópolis: Vozes, 1973. Pp. 15 e 16.
[65] Cecília MEIRELLES: “Precursoras brasileiras”. IN: Folha Carioca. Rio de Janeiro, 19 de junho de 1945. APUD. Idem: Crônicas de viagem. Rio de Janeiro, Nova Fronteira 1998. P. 227.
[66] Cecília MEIRELES: O Espírito vitorioso. Rio de Janeiro, Tipografia do Anuário do Brasil, s.d..
[67] Entre os “Comentários” da “Página d e Educação” do Diário de Notícias, ver, sobretudo, os dos dias 28/06/1930, intitulado “Literatura infantil”; e 14/09/1930, intitulado “Educação moral e cívica”, onde define o que é escrever para crianças. Ainda no Diário de Notícias, em 13/07/1930, há uma nota na sessão “Outros” em que critica Monteiro Lobato. Entre as crônicas publicadas em A Manhã há duas particularmente importantes sobre o tema da literatura infantil: a de 15/01/1942, intitulada “Literatura infantil” e a do dia 18/01/1945, intitulada “À margem da literatura infantil”.
[68] Cecília MEIRELES: Problemas da Literatura Infantil. São Paulo/Brasília, Summuus/INL, 1979. (3a edição.)
[69] Cecília MEIRELES: Problemas da Literatura Infantil. Op. Cit . Pp 93 a 96.
[70] Idem. Ibidem. P. 28. Grifo de Cecília Meireles.
[71] Anne-Marie CHARTIER e Jean HÉBRARD: Discursos sobre a leitura. – 1880 – 1980.São Paulo, Editora Ática, 1995. P. 390.
[72] Idem. Ibidem. Pp. 393 e 394.
[73] Cfr. Idem. Ibidem. Pp. 398 a 402.
[74] Jacques OUSOUF e Mona OUSOUF: “Le tour de la France par deux enfants. Le petit livre rouge de la République”. IN: Pierre NORA: Les lieux de mémoire. Vol. I La République. Paris, Gallimard, 1984. Pp. 291 a 321.
[75] Cfr. Anne-Marie CHARTIER e Jean HÉBRARD: Op. Cit. Pp. 398 a 402.
[76] Cfr. Idem Ibidem. Pp. 402 a 408.
[77] Idem. Ibidem. P. 402.
[78] Cfr. Roger CHARTIER: “As práticas da escrita”. IN: Georges DUBY e Philippe ARIÉS (orgs): História da vida privada. Vol. 3: Da renascença ao século das luzes. São Paulo, Companhia das Letras, 1991.
[79] Cecília MEIRELLES: Op. Cit , 1924. P. 9.
[80] Idem. Op. Cit., 1949. P. 93.
[81] Cecília MEIRELES: Problemas da Literatura Infantil. Op. Cit. P. 28.
[82] Alberto MANGUEL: Op. Cit. P. 83.
[83] Cecília Meireles: A Festa das Letras. Op. Cit. s.p.
[84] Idem. Ibidem. S.p.
[85] Cfr. Idem: Rute e Alberto resolveram ser turistas. Op. Cit., sobretudo P. 203.
[86] Idem: Rute e Alberto. Boston, D.C. Heath and Company, 1945. Trata-se de uma edição abreviada, com notas, vocabulário e exercícios, editada pelas professoras Virgina JOINER, da Trinity University e Eunice JOINER GATES do Texas Technological College, e destinada ao aprendizado do português para americanos. Talvez por destinar-se prioritariamente a um público adulto, a seleção feita retira a maior parte das duas primeiras sessões do livro em português, dedicadas às noções de tempo e espaço, higiene e hábitos alimentares, moral e boas maneiras. Dos capítulos selecionados, os que caracterizam aquela família – possivelmente vista como uma família brasileira típica - , o país e sua história e a cidade do Rio de Janeiro são retiradas algumas partes, e, meticulosamente subtraídas algumas situações, palavras e personagens: no primeiro caso está o apagamento cuidadosíssimo de todas as referências ao fato dos dois irmãos, um menino e uma menina, dormirem no mesmo quarto. No segundo, a curiosa substituição sistemática da palavra “criança” por outras , que só escapa em três ocasiões (p.30, p.37, p. 60), ainda que o epíteto “malandrinho” , como Alberto é seguidamente tratado no livro, seja mantido, bem como as lexias “criada” e “patroa” . No terceiro caso está o (não tão) estranho desaparecimento de Maria da Glória, a segunda empregada da família. A Edição americana é fartíssimamente ilustrada com fotografias do Rio de Janeiro, enquanto que na brasileira há desenhos alusivos às aventuras dos dois irmãos, ou que reproduzem monumentos, quadros célebres, e locais turísitcos do Rio.
[87] Cecília MEIRELES: Criança meu amor. Op. Cit. p. 41.
[88] Em Rute e Alberto
[89] Cecília MEIRELES: “A formação do Professor”. IN: Diário de Noticias. Rio de Janeiro, 19 de Junho de 1932.
[90] Cecília MEIRELES: “Educação e fraternidade universal”. IN: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 27 de junho de 1930.
[91] Cecília MEIRELES: Rui. Pequena história de uma grande vida. Op. Cit. p. 84.
[92] Cecília MEIRELLES: O Espírito Vitorioso. Op. Cit. p. 88.
[93] Idem. Ibidem. P. 107.
[94] Idem. Ibidem. P. 122.
[95] Cecília MEIRELES: “Ternura chinesa”. IN: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1932.
[96] IDEM: “Conversa talvez fiada”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro. 06 de setembro de 1943.
[97] Cecília MEIRELES: Carta a Fernando de Azevedo. Rio de Janeiro, 8 de Abril de 1931. APUD Valéria LAMEGO: Op. Cit. p. 58 e 211.
[98] Cfr., por exemplo, ARROYO, Leonardo: Literatura infantil brasileira. São Paulo. Edições Melhoramentos, 1968.; Nelly Novaes COELHO: a LITERATURA INFANTIL. História, teoria, anáside.. São Paulo/Brasília, Quiron/INL, 1981.; Laura SANDRONI: Retrospectiva da literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro, PUC-Rio, 1980. (Cadernos da PUC-Rio n 33); Eliana YUNES: “Os caminhos da literatura infanto-juvenil brasileira” IN: Anais do 1º Encontro de Professores de Literatura Infantil e juvenil. Rio de Janeiro, FNLIJ, 1980.; Regina ZILBERMAN: A literatura infantil na escola. São Paulo, Global, 1981.; Regina ZILBERMAN e Marisa LAJOLO: Um Brasil para crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. Porto Alegre, Global Universitária, 1993. (4ª edição). , Literatura infantil brasileira. História e Histórias. São Paulo, àtica, 1991. (5 edição) e A Formação da Leitura no Brasil. São Paulo, Ática, 1996.
[99] Entre as exceções esta o texto de Moema RUSSOMANO: “Cecílias Meireles e o mundo poético infantil”. IN: Letras de Hoje. Porto Alegre, PUCRS, 1979. Tomo 12. Vol. 36.
[100] Cecília MEIRELES: “O bom menino”. IN: Criança meu amor. Op. Cit. P. 11.
[101] Idem.: “O mau menino” IN: Ibidem. P.55
[102] Idem. Ibidem. Pp. 19, 35, 49, 67 e 83..
[103] Cecília Meireles: Rui, pequena história de uma grande vida. Op. Cit. P.9
[104] Idem. Ibidem. P. 12.
[105] Cecília Meireles: Idem. Ibidem. Pp. 93 e 94.
[106] Cecília MEIRELES: A festa das letras. Op. Cit. s.p.
[107] Cecília MEIRELES: O menino atrasado. Op. Cit. P. 29.
[108] Cecília MEIRELES: “Uma palmada bem dada”. IN: Ou isto ou aquilo. Op. Cit. Pp. 42 e 43.
[109] Cecília MEIRELES: “Para o futuro” IN: Criança meu amor.” Op. Cit. P. 41.
[110] Cecília MEIRELES: Rute e Alberto resolveram ser turistas. Op. Cit p. 9.
[111] Idem: “As qualidades do educador”. IN: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 30 de Outubro de 1930.
[112] - Cecília MEIRELES: Criança meu amor. Op. Cit. P. 9.
[113] - Cecília MEIRELES: Criança meu amor. Op. Cit. P. 9.
[114] Idem. Ibidem. Pp. 23 e 24.
[115] Os temas da alimentação, dos hábitos alimentares e da hisgiene são recorrentes na “Página da educação” do Diário de Notícias.
[116] Jacques OUZOUF e Mona OUZOUF: Op. Cit. p. 294.
[117] Idem. Ibidem. P. 297.
[118] Idem. Ibidem. P. 292.
[119] Conforme já ficou dito, esse auto, aparentemente nunca publicado, não foi localizado.
[120] “Nota da Segunda edição” IN: IDEM: O menino atrasado. Op. Cit.., página não numerada.
[121] Idem, Ibidem. P. 9.
[122] Idem. Ibidem. P. 14.
[123] Idem. Ibidem. P. 12.
[124] Idem. Ou isto ou aquilo. Op. Cit. p. 15.
[125] Cecília MEIRELES: Ou isto ou aquilo. Op. Cit. p. 58.
[126] A palavra sonho, tanto na produção jornalística, quanto na correspondência que foi possível ler, ou na obra literária de Cecília, inclusive nos livros para crianças, tem uma clara correspondência com a idéia de projeto, de ideal e de meta a ser alcançada, sendo um equivalente, em clave poética, de suas convicções e de sua militância.
[127] Cecília MEIRELES: Problemas da literatura infantil. Op. Cit. p. 96.
[128] Idem. Ibidem. P. 95.
[129] Cecília MEIRELES: “Introdução”. IN: As Artes Plásticas no Brasil – Artes Populares. Rio de Janeiro, Edições Ouro, 1968. P. 17.
[130] Cecília MEIRELES: “Discurso da Sra. Cecília Meireles’. IN: Folclore,. Vitória, setembro/dezembro de 1954. Ano VI, nº 32-33. P. 17.
[131] Estes desenhos, publicados pela primeira vez em Lisboa em 1934, estão hoje disponíveis em no livro Batuque, Samba e Macumba - estudos de gesto e de ritmo 1926 - 1934. (Rio de Janeiro, FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore, 1983) do qual existe uma edição em inglês.
[132] Para uma análise cuidadosa do Movimento e dos folcloristas no Brasil, cfr. o texto fundamental de Luiz Rodolpho VILHENA: Projeto e Missão: o movimento folclórico brasileiro. 1947-1964. Rio de Janeiro, Funarte/Fundação Getúlio Vargas, 1997.
[133] Cfr. Renato ALMEIDA,. “Cecília Meireles, uma companheira” . IN: Folclore. Vitória, Dezembro de 1964 e Janeiro de 1965. Ano XV, nº 79-80. P.7.
[134] APUD. Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1951.
[135]Luis Rodolfo VILHENA: Op. Cit., p.21.
[136] Cecília MEIRELES: As Artes Plásticas no Brasil – Artes Populares. Rio de Janeiro, Edições Ouro, 1968.
[137] Idem. Ibidem Pp. 65 a 71.
[138] Idem. Ibidem. Pp. 147 a 153.
[139] Idem. Ibidem. P. 18.
[140] MEIRELES, Cecília. As Artes Plásticas no Brasil – Artes Populares. Rio de Janeiro, Edições Ouro, 1968, p.18.
[141] Idem. Ibidem. P. 20.
[142] Cecília MEIRELES: Olhinhos de gato. Op. Cit. P. 74. Todas as demais referências foram retiradas da mesma obra.
[143] Cfr, Idem: Ou isto ou aquilo p. 49.
[144] Cfr. Idem: Criança meu amor. P. 87.
[145] Isso certamente é assim em O menino atrasado, e é de se supor que o mesmo se verifique em A nau catarineta, não localizada.
[146] Todos esses tópicos estão desenvolvidos em Problemas da Literatura infantil.
[147] Cecília MEIRELES: Problemas da Literatura Infantil. Op. Cit., p. 111.
[148] “Um descuido de Monteiro Lobato”. IN: Diário de Notícias. Rio de Janeiro, 13 de Julho de 1930.
[149] Carta de Cecília Meireles a Fernando de Azevedo, datada de 9 de novembro de 1932. APUD. Valéria LAMEGO: Op. Cit. p. 229.
[150] Cecília MEIRELES: Problemas da literatura infantil. Op. Cit. P. 28.
[151] Idem: “Educação doméstica” IN: A manhã. Rio de Janeiro. 09 de Janeiro de 1942.
[152] Cfr, Idem. “ Cantiga para adormecer Lulu” IN: Ou isto ou aquilo. P. 60 e 61.
[153] Cfr. Idem. Ibidem. P. 29.
[154] Cecília MEIRELES: “Encontros”. IN: A Manhã. Rio de Janeiro, O2 de junho de 1943.
[155] A referência dessas traduções pode ser encontrada na Obra Poética. Op. Cit. Pp. 95 e 96.
[156] Li PO e Tu FU: Poemas chineses. Rio de Janeiro, Nova fronteira, 1996. Tradução de Cecília Meireles.
[157] Esse é o título de um dos livros de Regina ZILBERMAN e Marisa LAJOLO sobre literatura infantil: Um Brasil para crianças. Para conhecer a literatura infantil brasileira: histórias, autores e textos. Porto Alegre, Global Universitária, 1993. (4ª edição)
[158] Cecília MEIRELES: Olhinhos de Gato. Op. Cit. p. 133.
[159] Idem. Ibidem. P. 77.


 



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